Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
O efeito imediato de uma guerra como a que Vladimir Putin lançou na Ucrânia é o da tragédia humana que ela provoca: mortos, desalojados, refugiados, devastação, fome. A solidariedade ativa com o povo ucraniano, é, por isso, neste momento, uma exigência humanitária, mesmo que circunstancialmente favoreça outros inimigos da humanidade que agridem outros povos, esquecidos, em outros pontos do mundo.
O segundo efeito de uma guerra como a que decorre na Ucrânia é a libertação de vários demónios que saem, desembaraçados e enfurecidos, do palco das operações militares para passarem a habitar o teatro do quotidiano civil. A palavra que sintetiza o efeito dessa libertação é esta: ódio.
Esse demónio de guerra chamado ódio chegou a Portugal.
Quando vejo uma fotografia tirada
à entrada de um restaurante português, localizado a
Quando vejo um dirigente de uma associação de imigrantes do Leste no nosso país a relatar que muitos russos que aqui vivem - mesmo aqueles que se manifestam contra a guerra e se mostram solidários com a Ucrânia - estão a ser insultados e mal tratados, vejo o demónio do ódio em ação.
Quando vejo uma significativa manifestação de solidariedade para com o povo ucraniano ser "infetada" pela presença de uma bandeira rubro-negra que infelizmente foi abusivamente adotada em 2013 como símbolo do grupo de extrema-direita Pravy Sektor, ultranacionalista e com inspiração nazi, vejo o demónio do ódio em ação.
Quando vejo inscrita numa parede de um centro de trabalho do PCP o injustificável graffiti "Russos = Comunas" e "Têm sangue ucraniano na foice", vejo o demónio do ódio em ação.
Quando vejo nas redes sociais o militante de extrema-direita Mário Machado a pedir aos seus camaradas para não começarem já uma operação de "invasão e destruição das sedes do Partido Genocida Comunista em Portugal", porque estão a ser vigiados pelas autoridades, vejo o demónio do ódio em ação.
Quando vejo na televisão uma confusa torrente de comentários a misturar a Rússia atual com a antiga União Soviética, morta há 31 anos, numa aparente intenção de aproveitar esta guerra entre fações do capitalismo para acicatar nova guerra aos comunistas, vejo o demónio do ódio em ação.
Quando oiço, dito por comentadores e políticos e quando vejo escrito pela mão de jornalistas, meus camaradas de profissão, a frase, preto no branco, "PCP apoia Putin" - o que é uma objetiva mentira e não se pode concluir em qualquer das formulações dos três comunicados emitidos por esse partido acerca deste conflito - vejo o demónio do ódio em ação.
(É verdade que o foco das críticas iniciais do PCP, antes de a invasão russa se concretizar, foram apontadas à escalada da confrontação com a Rússia feita por Estados Unidos, por NATO e pela Ucrânia, mas isso não é equivalente a dar apoio a Putin. É verdade que, na minha opinião, a medida da crítica que foi feita no segundo comunicado à invasão russa poderia ter sido bem mais intensa, um erro estúpido, mas está lá feita e, por isso, ninguém pode dizer com honestidade intelectual que não ficou explicito que o PCP não apoia Putin. É verdade que um terceiro comunicado, o de ontem, usa a palavra "condena" num parágrafo que inclui os poderes russo, norte-americano, da União Europeia e da NATO, mas isso não é, mais uma vez, apoiar Putin, é mostrar que há mais culpas neste cartório de horrores, como é neste momento necessário fazer porque pouca gente tem coragem para o dizer, apesar de ser uma verdade factual).
Quando vejo frases a favor da paz escritas pelo PCP serem recebidas nos media e nas redes sociais com deturpações, insultos, ameaças e juramentos de vingança, vejo o demónio do ódio em ação em Portugal.
Talvez com todo este ódio um dia consigam, finalmente, ilegalizar o PCP. Porém, deixo esta pergunta: se, hipoteticamente, as tropas do senhor Putin um dia invadissem Portugal, quem de entre estes acusadores do PCP estaria disposto a organizar-se para resistir ao invasor?... E quantos militantes do Partido Comunista Português o fariam?...
Eu, que sou militante do PCP e conheço muitas das pessoas que lá militam, não tenho dúvidas que, nessa hipotética e derradeira contabilidade do patriotismo, o PCP ganharia a grande parte dos seus críticos atuais. Mesmo na ilegalidade.
*Jornalista
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