domingo, 24 de abril de 2022

O PESCADOR VENDENDO SEU PEIXE – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Hoje vou vender o meu peixe, pescado por mim em 1985. A pescaria, intitulada Vigarices & Sacanices, foi dedicada a Mário Soares por tudo o que deu à causa. Já me tinha esquecido da sua existência quando me apareceu uma referência na internet que me deixou sem cana, linha e anzol. Dizem da minha safra que são “histórias mirabolantes e incríveis de patifarias, partidas e vigarices”. E revelam os capítulos, desde a garopinha das pedras ao honesto carapau da Baía Farta. Primeiro capítulo: Para Uma Sociologia da Vigarice”.

Os capítulos seguintes são mais terra a terra: Os Homens que Venderam a Torre Eiffel Duas Vezes, O Marechal Potemkin, Um Cão Português no Espaço, Alves dos Reis (o rei dos reis, depois de Mário Soares), Bunga-Bunga, O Conde Saint Germain. Bertedo e Figueirino, O Cavaleiro D’Éon, Os Árabes que Queriam Inundar Portugal de Petróleo e O Homem que Vendeu o Palácio de Belém. Atenção, esta vigarice não mete o Tio Célito.

Odessa foi fundada oficialmente em 1794, quando a Rússia anexou territórios anteriormente pertencentes à Turquia, por força do Tratado de Jassy. O nome da cidade provém da antiga colónia greco-romana de Odesos na Trácia, que conheci graças a um guia turístico chamado Homero e me contou coisas fabulosas. O seu rei, Rhesus, participou na Guerra de Tróia em auxílio a Príamo. Chegou com as suas tropas montadas em cavalos mais velozes que o vento e mais brancos do que a neve. Logo, não eram os cavalinhos cuanhamas. 

Para queimar etapas sempre vos digo que Rhesus foi morto enquanto dormia, ao mesmo tempo que Ulisses roubava os  seus brancos e velozes  cavalos. Já sem Homero fui a Odessa e vi, com estes olhinhos que a terra há-de comer, uma monumental estátua da Czarina Catarina a Grande, na Mutamba da belíssima cidade.

A Grande Catarina tem uma ligação muito forte a Odessa mas sobretudo à Crimeia. Aqui é que entra o meu peixe Vigarices & Sacanices, capítulo dedicado ao marechal Potemkin que antes de ser nome de filme do grande cineasta Serguei Eisenstein, foi governador da Crimeia e o amante favorito da czarina. 

Naquele tempo, o príncipe Potemkin preguiçava em São Petersburgo namorando as aias da czarina, mas clandestinamente e com muito cuidado, porque ele era o amante favorito da Grande Catarina. Os nobres que vegetavam à volta da soberana começaram a fazer intrigas contra o fogoso amante. E acabaram por convencê-la a afastá-lo do palácio real. Mas o amante favorito da líder de todas as Rússias não podia ser afastado de qualquer maneira. E ela nomeou-o governador da Crimeia, um deserto, onde até os rochedos eram pobres. Catarina mandava todos os meses carradas de dinheiro para o amante transformar aquele lugar deserdado num florido jardim russo.

O príncipe Potemkin pedia mais, cada vez mais dinheiro. E a Czarina dizia que sim. Mas ele tinha que ir pessoalmente buscar o ouro ao seu palácio. Tanto amor entre os dois! Os nobres perceberam que o amante era cada vez mais perigoso para os seus interesses. E começaram a dizer a Catarina que o governador da Crimeia torrava o dinheiro todo e não fazia nada. Se antes dele era um deserto, agora estava pior. E incitavam Catarina a ir ver pessoalmente que o seu amante não passava de um vigarista. Tanto insistiram que ela foi. Mas antes avisou. Sabem o que fez o príncipe Potemkin? Uma fortaleza em Sebastopol, toda feita de papelão pintado à maneira. A armada russa do Mar Negro foi construída com sucata. Mas cada embarcação estava pintadinha, parecia nova. Se um canhão disparasse, aquilo desmoronava-se e ia ao fundo. Fizeram aldeias de papelão! 

A comitiva real chegou a Sebastopol e no programa estava incluído um passeio no rio Dniestre, numa embarcação de luxo. Ao longo do trajecto viam aldeias limpas, pintadinhas, brilhantes. As casas eram feitas de papel.

Grupos de camponeses (mujiques) cantavam e dançavam, nas margens do rio, vitoriando a czarina. O gado gordo e luzidio. Os mesmos camponeses e as mesmas aldeias de papelão eram deslocadas para lugares mais à frente. Dada a sinuosidade do rio, havia tempo para mudar os cenários e transportar mujiques e gado. Uma das maiores vigarices do mundo. No final da visita, Catarina a Grande promoveu o amante, correu com os cortesãos e Potemkin acabou a sua longa carreira como marechal!

A regra da ONU que se aplica às antigas colónias e segundo a qual as fronteiras herdadas do colonialismo são imutáveis, não se aplica aos países que optaram pela independência quando implodiu a União Soviética. Isto para dizer que a Crimeia faz parte da Federação Russa (herdeira da União Soviética) não devido a uma violação do Direito Internacional mas porque as populações decidiram regressar à “Mãe Rússia” num referendo que o estado terrorista mais perigoso do mundo e a União Europeia não reconhecem, mas tanto faz. Reconhecem os votantes e chega.

A cidade de Odessa é uma cidade russa. Vão lá ver e percebem porquê. Continuar sob o poder da Ucrânia não foi problema quando implodiu a União Soviética. Mas passa a ser muito problemático para a Federação Russa se a Ucrânia for uma base da OTAN (ou NATO). Moscovo tem alertado para isso desde 2014, quando um golpe de estado dos nazis mudou o poder em Kiev, com o apoio indisfarçado do estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) e União Europeia. Desde então existe uma guerra civil no país.

A ONU diz que os nazis integrados no Exército e na Guarda Nacional da Ucrânia estão a cometer um autêntico genocídio do no Leste do país. Matam tudo quanto é russo. Sabiam que uma grande percentagem de habitantes da Ucrânia é russa ou falam russo? É verdade. Isto vem da União Soviética e os nazis querem mudar, matando todos os falantes de russo ou correndo com eles no mais violento exercício de xenofobia conhecido no mundo. Mais grave ainda. Com o presidente Zelensky, a OTAN (ou NATO) começou a instalar bases militares na Ucrânia, apontando os seus canhões ao nariz dos russos. Só podia dar a generalização da guerra. E está a dar.

Os nazis dominam o poder na Ucrânia. Mas também estão a dominar o poder em vários países da União Europeia. E nos EUA nem se fala. O presidente Trump era nazi da cabeleira aos pés. Esta realidade exige medidas de emergência, antes que o nazismo alastre de uma forma avassaladora e domine o mundo unipolar que temos. O travão foi colocado na Ucrânia. OTAN (ou NATO), União Europeia e EUA estão a fazer de todos os ucranianos carne para canhão. Sou contra os nazis, logo também sou a favor de uma operação militar para desnazificar um país. Sim, também sou solidário com os ucranianos, vítimas da aventura nazi personificada em Zelensky. 

Os Media ocidentais apresentam a Ucrânia de Zelensky como uma democracia. Não é. As democracias não têm nas suas bases sociais de apoio, nazis armados até aos dentes, como os Bandera, Sector Direita ou Batalhão de Azov. As democracias não infiltram nas suas forças armadas grupos nazis altamente violentos. Uma democracia não proíbe milhões de cidadãos de votar apenas porque são russos ou falam russo. Uma democracia jamais ilegaliza partidos porque querem políticas diferentes do partido que ganhou as eleições. A democracia não mata quem pensa diferente. A democracia não adopta o belicismo como argumento para submeter quem pensa diferente.

O poder político nos EUA e na União Europeia impôs censura total aos Media russos. Um tiro no coração da democracia. O Ocidente baniu os atletas paralímpicos russos e bielorussos dos Jogos Olímpicos de Inverno na República Popular da China. Um atentado gravíssimo aos direitos humanos. Atletas, artistas, escritores músicos, intelectuais russos estão a ser banidos no Ocidente. Russofobia primária. Xenofobia de Estado. Banditismo político em estado puro.

Hoje soube que a direcção de informação da RTP (canal público português) deu ordens ao seu correspondente em Moscovo, Evgueni Mouravitch,  para abandonar o país. Acontece que o jornalista é russo. A Federação Russa o seu país. Até hoje, fizeram passar a falsa notícia de que ele foi obrigado a sair do seu país. Hoje o próprio, com ar comprometido, confessou a verdade: A direcção de informação da RTP decidiu que eu devia sair. Depois disse umas alarvidades. Coitado, tem de encher o prato de comida que os donos lhe põem no chão. O assassinato do jornalismo em directo continua, à boleia da guerra da Ucrânia.

Em Portugal, o poder instituído está insidiosamente a preparar uma teia que visa ilegalizar o Partido Comunista Português. Aí está o fascismo de novo. E foi o partido Chega que pôs tudo à mostra. Os políticos portugueses da alternância sentam-se à mesa dos patrões. Os outros comem no chão, debaixo da mesa. Estruturalmente são filhotes dos fascistas. Mas andam disfarçados com gravatas e colarinhos brancos. Aprendem a dizer Estado de Direito, Liberdade de Expressão ou Separação de Poderes. Mas na verdade nada disso lhes interessa.

Estava tudo a correr bem quando surgiram na cena política os fascistas feios, porcos e maus do partido Chega. E os portugueses perceberam que afinal, no essencial, são todos filhotes dos fascistas salazaristas. Os que tomam banho e os porcos. Os maus e os de falinhas mansas. Os feios e os maquilhados com as cores da democracia. A guerra da Ucrânia pôs-lhes as tripas à mostra. E como cheiram mal! 

* Jornalista

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