Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião
No Luxemburgo, uma garrafa de óleo Fula custa 2,29 euros. Em Portugal, o preço está acima dos 4 euros. O primeiro é o país com o salário mínimo mais alto da UE (para trabalhador não qualificado 2313.38 e para Qualificado: 2776.05). No nosso aufere-se dos mais baixos. O óleo custa quase o dobro nesta ponta ocidental, ainda que o custo de vida seja bem mais elevado no grão-ducado e mesmo que a empresa que produz esse bem labore em território luso (o Fula é feito pela portuguesa Sovena). Ou seja, num país onde o cabaz é por norma mais caro, bem como a capacidade de o pagar é mais elevada, a milhares de quilómetros de distância do centro de produção (o transporte não é de borla), adquirir um óleo alimentar básico é muitíssimo mais barato. Porquê, é a questão que se impõe. Em primeiro lugar, todo este esbulho faz fé na crónica passividade moribunda do lusitano. Enquanto, por exemplo, aqui ao lado em Espanha, perante a inflação, o povo logo foi para a rua protestar e reivindicar, o português parece a bela adormecida nos braços de Morfeu. Anos de ditadura, pobreza e apneia constante, pouca educação formal, educação cívica residual. Ao fim de mais de dois anos de medo e resignação, nem se fala.
Mas há mais mensagens na garrafa. Constatando que esse insuflado nas etiquetas é mal geral, torna-se evidente que há cartelização nas grandes superfícies. Pois, realmente não é apenas nos valores dos combustíveis ou da energia que se nota que os reguladores não fazem o seu papel. Gigantes do retalho também combinam preços, especulam e lucram à tripa forra, canibalizando o sofrimento inerente à guerra sem engulhos. Até dizem que estes 4 euros da fome se devem à baixa produção de óleo de girassol na Ucrânia (ainda que poupe o Luxemburgo). Estes arranjinhos entre competidores são proibidos, as normas da concorrência no espaço europeu não permitem, mas tudo passa. Portugal não tem reguladores fortes nem independentes, são vezes demais poluídos por um poder político prostituído. É uma pescadinha de rabo na boca (mas melhor que não seja frita - como nós): a elite político-partidária corrompe-se ao poderio económico (muito associado às tais grandes superfícies) -- até por via do jamais escrutinado financiamento dos partidos -- abdicando assim de reguladores robustos e, em geral, de defender o interesse dos cidadãos. E não apenas do cidadão-consumidor, como também do cidadão-produtor. Afinal, os agricultores estão igualmente à mercê desse grande retalho que lhes compra os produtos praticamente ao custo da sua produção, com margens mínimas no meio rural, para depois os vender com margens máximas na faixa urbana/litoral. Tudo à vontadinha.
Já bem mais pechincha que o Fula é a hipocrisia, posto que são justamente esses agiotas e estes governantes comprados a granel que agitam as bandeirinhas da Ucrânia, pedem donativos para a paz, dizem que o liberalismo funciona, que arriscado-arriscado é subir os salários e que isso é que nos levaria à inflação e ao descontrolo dos preços. Pois é. Ponha isso também na sua próxima lista de super mercado. É como aquela velha canção dos queridos GNR: "Nas dunas, roendo maçãs. A ver garrafas de óleo boiando vazias nas ondas da manhã." É o que temos.
*Psicóloga clínica
*Escreve de acordo com a antiga ortografia
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