quarta-feira, 1 de junho de 2022

Portugal | DESDE QUANDO UM JUIZ FASCISTA NÃO É INIMIGO DA CONSTITUIÇÃO?*

Almeida Costa chumbado. "Corajosa posição", congratula Associação de Mulheres Juristas

17 dias depois de o seu nome ter sido revelado pelo DN, o penalista ficou a um dos sete votos necessários para entrar. Juízes terão agora de tentar pôr-se de acordo para preencher a vaga. Deve ser uma mulher, aconselha a Associação de Mulheres Juristas.

"A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas [APMJ] quer exprimir a sua satisfação com a corajosa posição assumida pela maioria dos/as Juízes e Juízas do Tribunal Constitucional que obstaram à cooptação do Doutor Almeida Costa como Juiz daquele Tribunal."

Foi desta associação que reúne magistradas, advogadas e outras juristas a primeira reação pública no meio jurídico à notícia do chumbo do penalista António Almeida Costa na sua eleição para o Tribunal Constitucional (TC), que, soube o DN, ficou a um dos sete votos (em dez, dos dez juízes eleitos pela Assembleia da Republica, e que por sua vez escolhem três juristas para preencher os restantes lugares) necessários.

Tinha sido também da APMJ a primeira reação à notícia - numa fuga de informação sem precedentes na história do tribunal - da indicação do nome deste professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, por parte dos juízes da "ala direita" do TC, considerando, em carta ao presidente daquele órgão judicial, que o candidato não tinha perfil para o cargo e acusando-o de sustentar "posições jurídicas atentatórias da dignidade da pessoa humana, valor em que se funda a República".

A APMJ referia-se à revelação, por este jornal, de que num artigo de 1984, quando era assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, Almeida Costa chamou "investigações médicas" a alegadas experiências nazis para fundamentar a afirmação (cientificamente sem fundamento) de que as mulheres violadas não engravidam, e assim justificar a sua recusa da legalização da interrupção da gravidez em qualquer circunstância, até em caso de crime sexual.

Sendo o voto secreto e sabendo-se que três dos dez juízes cooptantes - António Ascensão Ramos, Assunção Raimundo e Mariana Canotilho - já tinham feito saber no tribunal que se opunham à escolha de Almeida Costa, terá sido um dos sete juízes restantes a mudar de ideias.

Terá sido essa revelação, que suscitou várias reações chocadas, sobretudo à esquerda - do constitucionalista e ex-juiz do TC Vital Moreira, à ex-candidata presidencial Ana Gomes, passando por Francisco Louçã, e determinando até manifestações de feministas -, a determinar o chumbo de Almeida Costa, que precisava de pelo menos dois votos da "ala esquerda" do tribunal?

Ou a notícia do Expresso na última sexta-feira, revelando que, numa audição na Assembleia da República no final de abril, como candidato ao segundo mandato como membro do Conselho Superior do Ministério Público, Almeida Costa considerou que a solução para se lidar com as violações do segredo de justiça nos media é punir os jornalistas?

Certo é que esta última notícia, ao contrário da primeira, levou a reações irritadas da direita - caso de Marques Mendes, ex-presidente do PSD, visto como alguém muito próximo do Presidente da República e que no seu comentário dominical na SIC afirmou que o jurista "não é pessoa recomendável".

"A cooptação será retomada em breve"

Muito provavelmente terá sido a combinação das duas revelações a levar à rejeição do penalista, a primeira, numa cooptação, a ser anunciada publicamente em 40 anos de existência do TC.

Apesar de nada na lei determinar o secretismo - que contrasta com a obrigação de publicação, em Diário da República, da lista de candidatos indicados pelos partidos para os mandatos dos dez juízes eleitos pelo parlamento - é em segredo que têm decorrido os processos de cooptação, quer no que respeita à indicação de nomes, quer à eleição, que se passa numa reunião marcada pelo juiz "mais idoso" - neste caso, José João Abrantes - e na qual pode haver várias tentativas de eleição, o que se terá passado neste caso.

Ao fim de várias horas de reunião, ao fim da tarde desta terça-feira o TC admitiu o insucesso, em nota enviada às redações.

"O processo de cooptação relativo ao nome proposto foi concluído sem que se tenha procedido à cooptação. A cooptação será retomada em breve."

A curta nota - que, refira-se, o DN, jornal que a 14 de abril revelou publicamente a indicação de Almeida Costa, não recebeu - exime-se de dar qualquer informação sobre o número de votos obtido pelo candidato mas, como já referido, terão sido seis.

Sendo o voto secreto e sabendo-se que três dos dez juízes cooptantes - António Ascensão Ramos, Assunção Raimundo e Mariana Canotilho - já tinham feito saber no tribunal que se opunham à escolha de Almeida Costa, terá sido um dos sete juízes restantes a mudar de ideias.

Isto porque, de acordo com a informação recolhida pelo DN, Almeida Costa fora proposto pelos cinco juízes da "ala direita" do TC (os indicados pelo PSD para a eleição no parlamento, ou seja Afonso Patrão, Gonçalo Almeida Ribeiro, José Figueiredo Dias, José Teles Pereira e Maria Benedita Urbano) e dois da "ala esquerda", indicados pelo PS, ou seja Joana Costa e José João Abrantes, tinham concordado em votar nele. Mas isso era antes das notícias sobre as posições - e a forma como as fundamenta - de Almeida Costa.

Que sucede agora? Tudo leva a crer que será proposto outro nome e que o de Almeida Costa não voltará a ser submetido a votação, embora tal também seja possível. Será em todo o caso a "ala direita" a propor o nome a votar, porque o juiz cujo lugar vai ser preenchido, e cujo mandato terminou em outubro, Pedro Machete, faz parte da "quota" da direita no tribunal.

Não há para já qualquer nome a circular, mas a APMJ já tomou posição sobre o perfil e o género do candidato, dizendo "esperar e desejar que o processo de cooptação, ora reaberto, possa acolher a candidatura de Juristas com provas dadas na defesa dos valores constitucionais e contribua para o incremento da representação de Mulheres nas mais Altas Instâncias do Poder."

Entre os 13 juízes atualmente em funções, apenas há três mulheres: muito abaixo do mínimo de 40% de representação que a lei da paridade impõe para cada género.

Fernanda Câncio | Diário de Notícias | *Título PG

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