quinta-feira, 14 de julho de 2022

A REVOLUÇÃO CULTURAL EM SILENCIOSA MARCHA EM ANGOLA

Martinho Júnior, Luanda

O PRESIDENTE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS LANÇOU AS BASES DA ENTRADA DE ANGOLA NO SÉCULO XXI.

PARA ALÉM DOS CONTRADITÓRIOS INTERNOS, O LEGADO ENERGÉTICO E DA ÁGUA É PARA INEXORAVELMENTE PROSSEGUIR!

… “Com efeito, em cada momento da vida de uma sociedade (aberta ou fechada), a cultura é a resultante mais ou menos consciencializada das actividades económicas e políticas, a expressão mais ou menos dinâmica do tipo de relações que prevalecem no seio dessa sociedade, por um lado, entre o homem, (considerado individual ou colectivamente) e a natureza, e, por outro, entre os indivíduos, os grupos de indivíduos, as camadas sociais ou as classes.

O valor da cultura como elemento de resistência ao domínio estrangeiro reside no facto de ela ser a manifestação vigorosa, no plano ideológico ou idealista, da realidade material e histórica da sociedade dominada ou a dominar. 

Fruto da história de um povo, a cultura determina simultaneamente a história pela influência positiva ou negativa que exerce sobre a evolução das relações entre o homem e o seu meio e entre os homens ou grupos humanos no seio de uma sociedade, assim como entre sociedades diferentes. A ignorância desse facto poderia explicar tanto o fracasso de diversas tentativas de domínio estrangeiro como o de alguns movimentos de libertação nacional”…

Amílcar Cabral – Um cruel dilema para o colonialismo: liquidar ou assimilar? - A libertação nacional, ato de cultura.

01- Para que haja capacidade de unidade e de síntese em tempo do choque entre os conceitos incentivados pela hegemonia unipolar e os conceitos próprios da muito legítima emergência multilateral por todo o Sul Global, há que sempre levar em conta o que nos une, ou pode unir: o benefício de toda a humanidade e o imenso respeito devido à Mãe Terra acima de qualquer controvérsia, conforme aliás ao pronunciamento dum líder carismático do Não-Alinhamento em Bandung, (conferência realizada entre 18 e 24 de Abril de 1955), que contribuiu para levar à elaboração dos 10 princípios norteadores daquela organização…

Zhou Enlai em síntese assumiu algo que é nesse sentido, património de sabedoria disponível para toda a humanidade: “procurar o comum e deixar de lado a diferença”!

Esta é uma evocação que neste momento do passamento físico do Presidente Emérito do MPLA urge fazer prevalecer no Trópico de Câncer, até por que Angola sempre pertenceu a esse Movimento reitor das mais nobres aspirações de todo o Sul Global à Paz universal, que tanto tem a ver com a Carta das Nações Unidas!

A cultura entendida em conformidade com o movimento de libertação em África, sabiamente sintetizada por Amílcar Cabral, insere-se nos conteúdos programáticos de Bandung que continuam a prevalecer no século XXI, conforme ao multilateralismo respeitador da Carta das Nações Unidas e de muitas iniciativas internacionais em curso!

02- Num caminho semeado de escolhos, o Presidente José Eduardo dos Santos procurou, enquanto o seu estado de saúde o foi permitindo, tentar seguir essa trilha de “procurar o comum e deixar de lado a diferença” e há várias pistas que o comprovam.

Entre essas pistas e tendo em conta o grau de assimetrias e subdesenvolvimento que cronicamente têm assolado África e Angola, o Presidente José Eduardo dos Santos procurou lançar os caboucos da revolução cultural em silenciosa marcha em Angola!

Explico:

O colonialismo e o “apartheid” (Exercício Alcora) haviam deixado Angola num grau de profundas assimetrias e subdesenvolvimento, conforme espelham os vários índices colectados por altura da Independência, entre eles os baixíssimos índices de produção de energia, apesar do potencial enorme de produção de energia hídrica, energia limpa, em especial nos vales do Cuanza e do Cunene!

Mesmo os planos que existiam seriam para servir interesses excludentes das aspirações estratégicas dos povos angolano e moçambicano, como os planos em relação às bacias do Cunene (em Angola) e do Zambeze (em Moçambique e em relação a Cabora Bassa).

A Independência arrancada face à internacional fascista que compunha o Exercício Alcora propiciou, em relação ao aproveitamento do potencial energético, o início dum enorme resgate a fim de alterar profundamente, sob o ponto de vista da antropologia cultural, o modo de vida dos povos de Angola e de Moçambique antes submetidos à opressão: levar energia e água a todos os recantos dos dois países impunha-se como um colossal desafio, a partir do qual se torna viável uma autêntica revolução cultural, dados os impactos sustentáveis na diversidade de culturas tradicionais africanas dispersas por todo o espaço nacional!

O Presidente José Eduardo dos Santos, até por causa de sua formação académica, entendia como poucos a situação energética herdada do colonialismo e o que havia imediatamente a fazer sobretudo nos vales dos rios Cuanza e Cunene para reverter a situação, sabendo quão é importante para o povo angolano o acesso à energia e à água nos termos de desenvolvimento sustentável de largo espectro e a prazos dilatados!

O Cuanza, só navegável entre o litoral e o Dondo, desce em socalcos desde o sul de Malange o que facilita a construção de sete barragens hidroeléctricas em cascata, de Capanda a Cambambe, com a vantagem do rio correr inteiramente no miolo, por dentro do território angolano.

Um desafio dessa natureza prevalece durante décadas, pois construir uma barragem pode demorar vários anos e não é uma vocação de ocasião tendo em conta o que desencadeia.

Em Angola, com o desaparecimento físico do Presidente António Agostinho Neto, coube ao Presidente José Eduardo dos Santos assumir o repto, quaisquer que fossem as conjunturas que se estivessem a viver e enquanto esteve no poder e o repto impunha arrancar o povo angolano do subdesenvolvimento crónico a que o haviam condenado!

O Presidente José Eduardo dos Santos nessa trilha correspondeu às expectativas e foi incansável para levar a cabo os caboucos dos empreendimentos imprescindíveis para Angola e para o seu povo, de forma persistente, tenaz e tão indelevelmente que muitos têm dificuldade em perceber o que isso está a significar de salto colectivo desde a entrada do século XXI, por via da electrificação de todo o país, até às mais isoladas comunidades rurais!

03- Sem entrar em detalhes dos avanços na construção de barragens para produção de energias limpas, nem da extensão das linhas de transporte e distribuição por todo o espaço nacional, nem nos imensos recursos financeiros que isso tem implicado, há dois casos de sabotagem a realçar durante o exercício do Presidente José Eduardo dos Santos: o da construção de Capanda no Cuanza e os acontecimentos em relação à barragem do Gove!

A barragem de Capanda, a que se situa mais a leste do Médio Cuanza, era sensível, por que para oeste ela  e até Cambambe, é a chave para o controlo dos caudais a caminho da foz.

São fontes internacionais que os dão a conhecer na Internet, ou seja, esse é um assunto do conhecimento comum disponível à escala universal, que passo a citar com transcrição textual em relação à história de Capanda, descontando o argumento que tenta lavar piamente o colonialismo português pelo empenho que nunca teve na realização da obra:

“O planeamento para construção de uma hidroeléctrica na média bacia do Cuanza partiu inicialmente de Portugal, que fez os primeiros levantamentos topográficos do traçado da barragem, bem como projetos, em 1965. Esta fase inicial foi levada a cabo pela empresa portuguesa COBA. O projeto previa a construção de uma barragem em arco, baseada em dois declives de gravidade. O projeto português não teve êxito por conta do início da Guerra de Independência de Angola.

Em 2 de setembro de 1982, Angola assinou um acordo intergovernamental soviético-angolano para um contrato-quadro de construção de uma barragem hidroelétrica. O Ministério da Energia e Petróleo de Angola constituiu um grupo de gestão para gerir o consórcio empreiteiro de Capanda, liderado pela empresa Gabinete de Aproveitamento do Médio Kwanza (GAMEK), que também incluía a empresa soviética Tekhnopromexport e a construtora brasileira Odebrecht. Uma das primeiras deliberações do grupo de gestão foi o descarte do projeto português, reduzindo drasticamente os custos da obra.

A construção teve início em janeiro de 1987, e previa a conclusão da barragem até o final de 1992. De abril a outubro de 1988, foi concluída a construção da escavação do túnel. No final de junho de 1989, o rio Cuanza foi bloqueado e a água fluiu para o túnel. Capanda foi concluída em 1989. O projeto passou com sucesso na inspeção dos especialistas das organizações da União Soviética, Angola e Brasil. O enchimento do reservatório foi concluído em 1º de setembro de 1992.

Em 1992 combates da Guerra Civil Angolana alcançaram o canteiro de obras, fazendo com que UNITA capturasse a vila operária de Capanda, paralisando os trabalhos. Durante a batalha de Capanda, cerca de 20 angolanos — a maioria policiais que vigiavam o local de construção — e três especialistas russos foram mortos. No momento da captura do local, as obras de transmissão ainda estavam inacabadas.

Em 1994 a UNITA abandonou a vila, que novamente foi retomada pelas Forças Armadas Angolanas. As obras foram retomadas entre 1997 e 1999, quando combates nas proximidades levam até mesmo os operários da Odebrecht Angola a pegar armas para defender o canteiro de trabalhos de eventuais incursões. Mesmo assim, a UNITA, num ataque relâmpago, conseguiu assassinar três membros das forças armadas angolanas e um dos operários da Gamek (actual Prodel) em 2001.

Por fim, entre 12 de fevereiro de 2000 e julho de 2002 os reparos dos equipamentos são realizados e reinicia-se o enchimento do reservatório.[3]

Em janeiro de 2004 e junho de 2004, as duas primeiras turbinas foram colocadas em operação. A construção seguiu para o segundo estágio e, em 2007, a terceira e a quarta turbinas foram colocadas em operação.

Após a saída da UNITA de Capanda, todas as estradas que conduziam ao canteiro de obras foram minadas. Apesar de a desminagem ter sido realizada, quase imediatamente após o reinício da construção, pelo menos dois grandes camiões basculantes foram destruídos pelas minas. As minas terrestres foram encontradas no canteiro de obras e, posteriormente, em locais onde fortes chuvas levaram o solo. As minas na área de Capanda são um perigo e ainda podem ser encontradas”…

04- Os últimos actos públicos do Presidente José Eduardo dos Santos tiveram que ver com a inauguração da barragem de Laúca e o lançamento da primeira pedra da barragem de Caculo Cabaça, até hoje em construção.

Nesse sentido ele que lançou as bases da revolução cultural em Angola, que é também uma revolução verde em prol da sustentabilidade dos recursos, deixa como legado a continuação, algo que a governação do Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço não desperdiçou (o Ministro encarregue das pastas de energia e águas continua a ser Baptista Borges, desde então):

. Continua-se com os trabalhos em Caculo Cabaça;

. Outras barragens hidroeléctricas mais pequenas estão na forja no Cuanza e em outros rios angolanos;

. Aumentaram-se exponencialmente as linhas de distribuição que vão alastrando por todo o país começando a chegar já a regiões predominantemente rurais;

. Estão a ser inauguradas centrais de energia solar em algumas regiões mais isoladas;

. Em relação aos rios Cunene, Cuvelai e caudais que partem da Serra da Chela para o litoral, no sul e sudoeste, estão a ser construídas barragens para aproveitamento de água para consumo humano e animal, satisfazendo os ensejos das culturas autóctones e pondo fim às consequências de longos períodos de estiagem, num esforço complementar de largo espectro;

. Ainda existe a enorme potencialidade das energias eólicas, tirando partido da cadeia montanhosa que de Mucaba à Chela estão em paralelo à costa, com cumes extraordinariamente ventosos;

. Ainda existe a alternativa da placa costeira de Angola, onde a corrente fria de Benguela é um rio e onde há a energia das ondas também para aproveitar;

Outros trabalhos estão ainda em aberto, como os casos da necessidade de controlo dos cursos de algumas bacias ricas em diamantes aluviais, como a do Cuango e do Cassai (afluentes da margem esquerda do grande Congo, o 2º maior pulmão tropical da Terra).

A revolução angolana silenciosa cujas bases foram lançadas pelo Presidente José Eduardo dos Santos, que resultará em profundas alterações antropológicas reduzindo assimetrias e o espaço do subdesenvolvimento que subsiste e frragiliza, assim como o espaço ocupado por economias de recolecção e subsistência, garante a introdução à abordagem ao século XXI num país cioso de sua independência e soberania, contagiando com seu exemplo outros parceiros na África Central e Austral, com acesso às poderosas bacias do Congo e do Zambeze!

05- Por todas as razões fluentes como a água, tenho contudo levantado a necessidade urgente de se organizar o conhecimento científico, controlo e gestão da Região Central das Grandes Nascentes, com ponto fulcral no marco geodésico de Camacupa e um raio de 300km no seu entorno, matriz da rosa-dos-rios no quadrilátero que constitui o território angolano.

As iniciativas nesse sentido são fundamentais em termos de segurança vital nacional a muito longo prazo, pois esse conhecimento que até hoje escapa a Angola, é indispensável para garantir desenvolvimento sustentável a partir dum estudo físico-geográfico-ambiental essencial!

As nascentes do Cuanza e do Cunene, entre muitos outros irmãos, estão dentro desse espaço crítico.

Um conhecimento dessa natureza pode servir de factor de mobilização humana e organizacional, a ponto de poder gerar, para além das capacidades de desenvolvimento sustentável, uma autêntica cultura de inteligência patriótica, que as sensibilidades sociopolíticas deveriam estar já a agarrar para sublimação das suas causas!

Com a Mãe Terra em fase de aquecimento global, esse cuidado era para ontem e será cada vez mais premente, até por que pode aglutinar estudos de muitas universidades e institutos superiores tendo em conta o volume de dados que se devem ir acumulando durante este e os próximos séculos!

A Revolução Cultural em silenciosa marcha em Angola deve subir a fasquia de nossas aspirações comuns e merecermos os legados do movimento popular de libertação, dando continuidade com inteligência, objectividade e dignidade, aos sacrifícios e vitórias alcançadas durante as largas décadas de luta!

Em cadeia, os legados do Presidente António Agostinho Neto, do Presidente José Eduardo dos Santos e do Presidente João Lourenço seu continuador, são amplos factores de mobilização em prol dum caminho de unidade e árdua luta, em benefício das presentes e futuras gerações, duma Angola independente, soberana, respeitadora da Mãe Terra e com a sabedoria apta a abrir caminho para a revolução cultural, para a revolução verde em toda a África Central e Austral!

Círculo 4F, Martinho Júnior, 12 de Julho de 2022

Imagem:

José Eduardo dos Santos inaugura a maior barragem do país – http://www.electroforce.co.ao/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not%C3%ADcia/33A6D3F54C51515365AE43A6FD08F17FAE526AF0 

Textos recomendados:

. Amílcar Cabral – Um cruel dilema para o colonialismo: liquidar ou assimilar? - A libertação nacional, ato de cultura – https://www.novacultura.info/post/2022/07/01/cabral-um-cruel-dilema-para-o-colonialismo-liquidar-ou-assimilar;

. LOS DIEZ PRINCIPIOS DE BANDUNG – II. Crisis de los imperios coloniales y emergencia del tercer mundo – http://carpetashistoria.fahce.unlp.edu.ar/carpeta-3/fuentes/crisis-de-los-imperios-coloniales-y-emergencia-del-tercer-mundo/los-diez-principios-de-bandung;

. Conferência de Bandung – Diário do Povo on line – http://portuguese.people.com.cn/n/2015/0421/c311483-8881504.html;

. Carta das Nações Unidas – https://unric.org/pt/wp-content/uploads/sites/9/2009/10/Carta-das-Na%C3%A7%C3%B5es-Unidas.pdf

. Presidente José Eduardo dos Santos – https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Eduardo_dos_Santos;

 

. Exercício Alcora – https://journals.openedition.org/cea/2561https://www.irishtimes.com/news/world/europe/a-military-alliance-between-portugal-and-african-states-that-few-knew-about-1.1772940https://pt.wikipedia.org/wiki/Exerc%C3%ADcio_Alcora

. O plano do Cunene e o Exercício Alcora – https://luizchinguar.blogspot.com/2018/09/o-plano-do-cunene-e-o-plano-alcora.html

. O Exercício Alcora produziu Savimbi – https://tribunadeangola.org/?p=6206;

 

. Barragens de Angola – https://welcometoangola.co.ao/barragens-de-angola/;  

 

. Central hidroeléctrica de Capanda – https://pt.wikipedia.org/wiki/Central_Hidroel%C3%A9trica_de_Capanda

. A grande barragem de Laúca – http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/a_grande_barragem_de_lauca; https://vidaimobiliaria.com/noticias/arquivo/barragem-lauca-inaugurada-caculo-cabaca-comeca-ser-construida/  

. A barragem de Caculo Cabaça – https://governo.gov.ao/ao/noticias/barragem-de-caculo-cabaca/; https://www.youtube.com/watch?v=jkguiEcLH4o; https://www.voaportugues.com/a/obra-hidroel%C3%A9ctrica-de-caculo-caba%C3%A7a-n%C3%A3o-ser%C3%A1-paralisada-diz-jo%C3%A3o-louren%C3%A7o-/6229885.html;  

. Geoestratégia para um desenvolvimento sustentável – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html;

. Aprender reinterpretando –  https://paginaglobal.blogspot.com/2019/06/angola-aprender-reinterpretando.html

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