quinta-feira, 6 de junho de 2019

Angola | APRENDER REINTERPRETANDO - Martinho Júnior


Martinho Júnior, Luanda 

Uma das maiores deficiências de que sofrem os africanos duma forma geral e os angolanos em particular, é a ausência de reflecção própria sobre os fenómenos antropológicos e históricos afectos ao seu espaço físico, geográfico e ambiental.

Essa falta de vontade e de perspectiva abre espaço ao conhecimento que chega de fora, em prejuízo do conhecimento que tem oportunidade de florescer dentro, ou seja: subvaloriza o campo experimental próprio, quantas vezes para sobrevalorizar as teorias injectadas do exterior!

Isso permite que outros não abram o jogo sobre essas interpretações dialéticas em função de seus interesses, manipulações e ingerências, aplicando a África, por tabela a Angola, as interpretações estruturalistas de feição, de conveniência e de assimilação!

 

1- As minhas abordagens na perspetiva de lógica com sentido de vida, geoestratégia para um desenvolvimento sustentável e cultura de inteligência patriótica, têm sido deliberadamente subvalorizadas, ou subavaliadas, quando tanto, em benefício da paz e do futuro, se tem a ganhar a partir desse ciclo de conhecimentos devotados à vida! (https://paginaglobal.blogspot.com/2017/05/angola-deve-reequacionar-as-abordagens.html)

Essas abordagens resultam de largas décadas de experiências mais variadas, de análises, interpretações e reinterpretações no imenso campo experimental que para mim se tornou África e Angola, tudo isso feito em tempo de luta, em tempo de guerra e de barbárie… (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/11/zelar-pelos-nossos-rios-e-zelar-pela.html)

Reverter para benefício de vida, da paz, da civilização e em proveito do planeta e de toda a humanidade, tanto o que em tempo de guerras foi feito por aqueles que nelas se foram empenhando e tiveram que reflectir sobre os argumentos de suas causas, ou sobre a sua própria sobrevivência, é um ganho inestimável e um ponto de partida que, sendo subestimado, reverte a desfavor dos povos do continente e do povo angolano e na razão inversa a favor do campo de acção dos que chegam de fora, particularmente os que se aplicam nas regras do capitalismo neoliberal, aproveitando as portas escancaradas da ocasião e o que o colonialismo semeou desde o passado! (http://litoralcentro-comunicacaoeimagem.pt/2017/08/12/pela-vida-para-toda-humanidade-e-pelo/)

Esse está a ser um dilema para os que tinham a obrigação de conferir sentido aos esforços do movimento de libertação contra o colonialismo e o “apartheid”, falhos de atenção sobre suas sequelas, falhos de atenção sobre as características do choque e da terapia neoliberal que vai atingindo o continente e Angola e falhos de atenção por fim, por que as transformações climático-ambientais necessitam de novas abordagens e reinterpretações! (https://paginaglobal.blogspot.com/2014/09/desbravando-logica-com-sentido-de-vida_22.html).


2- Tenho muitas experiências geradas a partir do passado próximo (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/11/em-angola-ha-20-anos-ii.html) que têm sido alvo de minhas reflexões e posso citar várias, entre elas, estes três vínculos de autores e actores de muitos dos cenários que, tendo pertencido às guerras e à barbárie, se devem melhor reflectir no presente em benefício da paz, da civilização e da vida:

- A interpretação feita pelo colonialismo português quando se foi assumindo paulatinamente no espaço físico, geográfico e ambiental de Angola, a partir do mar para o interior e sobretudo desde o início do século XX;

- A interpretação feita pelo “apartheid” na tentativa vã de sua sobrevivência no espaço da África Austral, incluindo as linhas de pensamento e acção elitistas inscritas no poderoso lóbi dos minerais desde a segunda metade do século XIX;

- A interpretação de Savimbi em relação ao movimento das guerrilhas que comandou e do seu próprio movimento no espaço físico, geográfico e ambiental dentro de Angola, como nas fronteiras adjacentes, desde a fundação da UNITA até ao seu final em 2002.

Cada uma dessas interpretações deve dar azo a reinterpretações. (https://paginaglobal.blogspot.com/2012/12/a-logica-com-sentido-da-vida-iii.html).

É evidente que isso corresponde a um intenso trabalho investigativo, um trabalho a quente (em tempo de guerra) que impôs imensa recolha de dados, algumas deles publicados inclusive em alguns livros, entre eles o “Angola, séculos de solidão do colonialismo à democracia”, que na própria capa refere: “cronologia histórica baseada numa pesquisa analítica”, (https://paginaglobal.blogspot.com/2017/07/seculos-de-solidao-v.html).


3- Desta feita vou realçar com poder de síntese a experiência de Savimbi em função das interpretações que fez ao longo de décadas para organizar e lançar as suas acções guerrilheiras e seu enquadramento físico, geográfico e ambiental no espaço angolano e territórios adjacentes (Zaíre, Congos, Zâmbia e Sudoeste Africano, Namíbia, sobretudo enquanto foi ocupado pelo “apartheid”). (http://pagina--um.blogspot.com/2011/01/o-vale-do-cuango.html)

Ele aplicou-se nisso para fazer as guerras e alimentar um grau de barbárie ao sabor das correntes fundamentalistas que interpretou, com quem se aliou, entrosou e por osmose agiu, mas hoje essa experiência conta para ser reinterpretada no sentido da paz, da civilização, no sentido da vida! (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/04/angola-uma-paz-avida-de-futuro.html).

No Capítulo 6 do livro “Angola, séculos de solidão” (https://www.verangola.net/va/pt/072017/eventos/8813/), está a seguinte síntese:

“REGIÃO CENTRAL DAS GRANDES NASCENTES E DEFINIÇÃO DOS QUADRANTES FÍSICO GEOGRÁFICOS DE ANGOLA – ELEMENTOS QUE COMPÕEM A ESSÊNCIA ESTRATÉGICA DA LINHA DE SAVIMBI EM RELAÇÃO A ANGOLA

1 – De 1966 a 1975 – UNITA instala-se na parte leste da REGIÃO CENTRAL DAS GRANDES NASCENTES (“OPERAÇÃO MADEIRA”), contra essencialmente o MPLA.

2 – De 1976 a 1990 – UNITA instala-se na parte sudeste do quadrante sul, integrada na agressão do regime do “apartheid” contra Angola.

3 – De 1991 a 1997 – UNITA instala-se progressivamente nos quadrantes norte e leste, de forma a, em estreita colaboração com o regime de Mobutu, explorar as reservas aluviais de diamantes de Angola, em especial nas bacias do Cuango e do Cuanza, a fim de continuar a fazer a guerra.

4 – De 1998 a 1999 – UNITA, depois da assinatura do Protocolo de Lusaka, (Savimbi) instala-se na REGIÃO CENTRAL DAS GRANTES NASCENTES, nomeadamente nos municípios-chave do Andulo e Bailundo, em desafio à política de Reconciliação Nacional e ameaçando a capital.

5 – De 1999 a 2002 – Savimbi instala-se no quadrante leste, de forma a, apesar das sanções internacionais, continuar com o terrorismo, continuando desse modo a desafiar a política de Reconciliação Nacional, até à sua morte.”

É evidente que, de santuário em santuário em função da conjuntura de suas guerrilhas e perspectivas, foi muito importante para ele, inclusive por razões de sobrevivência, ganhar o conhecimento sobre a rosa-dos-rios de Angola e com isso avaliar os aspectos fundamentais que se ligam à região central das grandes nascentes, aspectos esses que tiveram iniciação durante a sua instalação no Muangai (1º santuário), sob o inevitável enquadramento colonial português nos termos da “luta contra subversão” e conforme os postulados secretos do Exercício Alcora que lhe preparou o caminho para o 2º e 3º santuários. (https://paginaglobal.blogspot.com/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_14.html).


Assim sendo, em nome da paz, da civilização e da vida, uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável (https://paginaglobal.blogspot.com/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html) permite começar a lançar as bases duma cultura de inteligência patriótica mobilizadora de sensibilidades que, para além das acções práticas prioritárias (controlo e gestão das nascentes em torno do centro geodésico de Angola e num raio de 300 km), obriga a mobilizar também a inteligência angolana de forma a alterar profundamente algo que ficou desde o colonialismo e é preciso definitivamente ultrapassar: as futuras gerações merecem uma planificação geoestratégica para um desenvolvimento sustentável a muito longo prazo, que anule o paradigma colonial de Angola continuar ainda hoje a ser pensada, ordenada e fomentada a partir do mar e de sua linha de litoral para o interior, quando com a água interior a identidade nacional assume-se a partir da região central das grandes nascentes e sua rosa-dos-rios! (https://paginaglobal.blogspot.com/2017/11/para-uma-cultura-de-inteligencia-em.html).

Além do mais, com as alterações climático-ambientais em curso, a água interior obriga a repensar sistemas de segurança, em especial na sua matriz, a região central das grandes nascentes.

Sendo água vida, a lógica com sentido de vida para Angola só tem essa forma de ser abordada, reequacionada e dimensionada! (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/04/a-logica-com-sentido-de-vida-e.html).

Martinho Júnior - Luanda, 5 de Junho de 2019

Imagens:
01- Definição da região central das grandes nascentes no quadrilátero angolano;
02- O rio Cuanza no Salto do Cavalo (médio Cuanza);
03- Bacia do Cuanza, a maior inteiramente nacional e sua extensão na região central das grandes nascentes;
04- Trajecto do grupo de prisioneiros do Sumbe à Jamba, realça a interpretação da guerrilha no tempo do 2º santuário, no livro “O Rapto” de Dora Fonte;
05- Savimbi – uma vida inteiramente dedicada ao signo de Cecil Rhodes, publicado pelo semanário Actual nº 350, no dia 15 de Março de 2003; essetrabalho consta no Capítulo 6 do livro “Angola, séculos de solidão do colonialismo à democracia”.

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