quarta-feira, 28 de setembro de 2022

AS GUERRAS QUE NUNCA NOS DÃO PAZ

O verso e o reverso predominam em tudo. Se nos apresentarem uma moeda com duas faces iguais nós desconfiamos. Se acaso não desconfiarmos somos uns otários, uns ignorantes, uns “anjinhos”. Somos mesmo isso sem tirar nem pôr. Ainda mais na opinião de alguns. Avancemos porque a seguir vem aí o Expresso Curto que nem sempre trazemos ao Página Global e que hoje é assinado por Raquel Moleiro, jornalista do burgo do tio Balsemão - que sabe mais a dormir que um milhão de cidadãos acordados.

Agora por Expresso: Avisando que também no Expresso – como em tantos outros jornais e revistas – não há almoços grátis, deparámos com um texto sobre uma “conversa” com um jornalista russo que para muitos declara o impensável. Chamamos a vossa atenção para isso. Lá vai um excerto (de borla) e só depois esbarramos no Curto do Expresso. Vale sempre o trabalho de saber ler nas entrelinhas e até perscrutar o que nem referem. Pensar e dividir as “águas” é muito importante. Amanhem-se e meditem naquilo que diz o tal jornalista russo, incluindo nas entrelinhas e no que omite por falta de tempo e de espaço. Para além de tudo isto lembrem-se que mal sobrevivemos por entre guerras que nunca nos dão paz. É a isto que chamam vida? 

Boa semana para todos é o que desejamos mas... Parece impossível vir a ser realidade. - (PG)

GUERRA NA UCRÂNIA

"Converso com mães de soldados que morreram e elas apoiam Putin. Têm raiva, mas é dos ucranianos": o relato de um jornalista na Rússia

O jornalista russo Vladimir Sevrinovsky encontrava-se em Moscovo - a sua cidade natal - quando aceitou falar com o Expresso por videochamada. Em poucas horas, partiria para o Daguestão, onde as ruas começam a ser palco de manifestações acesas contra a mobilização parcial determinada pelo Kremlin. Nesta entrevista, Vladimir Sevrinovsky explica o que leva os voluntários para a guerra: nas regiões mais pobres, e com mais baixas registadas, a motivação é sobretudo poder pagar os empréstimos (L€R AQUI)

Há uma hora - Catarina Maldonado Vasconcelos

A guerra fora do campo de batalha

Raquel Moleiro | Expresso (curto)

Bom dia

Antes de mais, um pedido: o Expresso está a recolher a opinião dos seus leitores, para entender melhor as suas necessidades, valores e preferências. Se puder, ajude-nos e responda a este questionário, entrando por aqui. Obrigada.

Agora a atualidade. Mesmo passados 217 dias desde o início da guerra da Ucrânia, a invasão russa ainda abre noticiários, já não tanto com os avanços e recuos na frente de batalha mas com as manobras políticas com que Moscovo tenta reforçar o seu poder nas províncias ocupadas e no braço de força com as potências internacionais que apoiam Zelensky. Como se as recentes derrotas no terreno, com a perda de cidades importantes e a necessidade da mobilização de reservistas, tivesse levado Putin a uma urgência de legitimar o que já fora conquistado e, por arrasto, a sua liderança.

Os referendos à integração na Federação Russa das regiões ucranianas de Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson terminaram ontem, e logo os resultados provisórios foram divulgados pelo Kremlin: 97% dos habitantes concordam. 0% de surpresa. O anúncio oficial da anexação deverá ser feito pelo líder russo, na próxima sexta-feira, no discurso à Nação agendado no Parlamento. Não é difícil de imaginar o tom vitorioso, apesar de só Putin reconhecer a legitimidade das votações.

Numa declaração por videoconferência ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), o presidente ucraniano garante que os eleitores “foram forçados a votar sob a mira de armas” e que os resultados “foram escritos com antecedência”. “A anexação dos territórios é a violação mais brutal da Carta das Nações Unidas”, disse. E não falta quem concorde com ele. A subsecretária-geral para Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz da ONU, Rosemary DiCarlo, afirmou já que tal consulta “não pode ser chamada de expressão genuína da vontade popular”. O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, chamou-lhes “referendos fictícios”, “ilegais”, “violação flagrante do direito internacional” e reiterou a Kiev o apoio dos aliados ao direito à autodefesa da Ucrânia. Em Portugal, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, alinhou pelo mesmo tom. “[Os referendos] não têm nenhum valor. Estes resultados não serão reconhecidos por ninguém”.

Mas Putin avança, surdo a tudo. O crescimento territorial da Rússia alimenta a ideia de vitória que tanto precisa de passar ao seu povo, em polvorosa com a mobilização de reservistas. Multiplicam-se manifestações – principalmente de mulheres, mães e esposas -, a destruição de postos de recrutamento e as fugas de milhares de jovens já convocados ou em risco de integrar a lista dos 300 mil, a caminho da Finlândia, Mongólia, Cazaquistão, Geórgia, Arménia, Bielorrússia, Uzbequistão, Letónia, Lituânia, Estónia, Polónia, Azerbaijão e Sérvia. Há filas de dias nas estradas até às fronteiras, a lembrar a saída dos ucranianos em fevereiro, aquando da invasão. Agora a guerra chegou também à porta dos invasores.

Os voos diretos de Moscovo para Istambul, Yerevan, Toshkent e Baku, as capitais dos países que permitem aos russos a entrada sem visto, esgotaram-se para a semana seguinte ao anúncio. Fala-se em cerca de 200 mil em debandada. Entradas na europa aumentaram 30%.

Mas mais do que alimentar o ego de um ditador, a anexação oficial dos territórios ucranianos tem outro efeito perverso. Tornam-se Rússia. E qualquer ofensiva ou tentativa de recuperação por parte das tropas de Kiev será visto como um ataque à Pátria. E aqui entra a ameaça nuclear. Ainda ontem, Dmitri Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, justificava o direito ao uso de armas nucleares, se necessário: “Se nós ou os nossos aliados formos atacados com esse tipo de armas. Ou se a agressão com o uso de armas convencionais ameaça a própria existência do nosso Estado”.

O Reino Unido e os Países Baixos responderam com mais sanções contra os russos, os EUA estão dispostos a tomar idêntica medida se a anexação se concretizar e a UE está já a trabalhar num sétimo pacote sancionatório. Mas a atenção dos aliados está desde ontem também focada no Báltico, onde se suspeita de sabotagem na origem das fugas de gás do gasoduto Nord Stream. As autoridades alemãs, dinamarquesas e suecas estão a investigar a origem das explosões nos locais. “Qualquer interrupção deliberada da infraestrutura energética europeia ativa é inaceitável e levará à resposta mais forte possível”, anunciou Ursula von der Leyen. Tão depressa não haverá Paz.

OUTRAS NOTÍCIAS

O Governo lança esta quarta-feira o projeto da nova linha férrea de alta velocidade Porto-Lisboa, que pretende ligar as duas cidades em 1h15 sem paragens. Mas só em 2030, se o calendário de obra for cumprido.

O futuro aeroporto de Lisboa também deu mais um passo em frente, mas ainda não foi desta que se decidiu a localização – só no final de 2023. “Quem esperou 50 anos, espera mais um”, justificou António Costa. Amanhã, em Conselho de ministros, será aprovado o conjunto inicial de diplomas necessários para iniciar o processo e que impedem, por exemplo, o veto dos municípios sobre aeródromos de interesse nacional. Para já avançam as autorizações para que a ANA arranque com as obras na Portela, as mesmas que José Luís Arnaut acusa o ex-ministro das Finanças, João Leão, de ter bloqueado.

O Ministério da Educação está a adjudicar 7500 juntas médicas para vigiar “alguns padrões de baixa relativamente irregulares” de professores, anunciou o ministro João Costa. Por semana chegam cerca de mil pedidos para a colocação de docentes para substituir baixas médicas. Fenprof estima que haja mais de 100 mil alunos sem todos os professores atribuídos.

Acordo de Rendimentos chega esta quarta-feira aos parceiros sociais. Saiba aqui o que une e o que separa patrões, sindicatos e Governo.

A crise energética antecipa um Natal a meia luz. O plano de poupança de energia ontem publicado em Diário da República prevê que iluminação festiva só funcione entre as 18h e a meia-noite. Entre outras medidas, é também recomendada a adoção do teletrabalho, quando viável, e a redução da velocidade máxima nas estradas para 100 km/h.

Governo espanhol “interrompeu transferência” de água do rio Douro para Portugal e considera que nalgumas bacias hidrográficas vai ser “complicado cumprir integralmente o Acordo de Albufeira”.

O Juiz Pedro Correia vai manter-se à frente da instrução do caso BES e será ele a decidir quem vai ou não a julgamento. O Supremo Tribunal de Justiça recusou “liminarmente” o pedido do advogado Tiago Rodrigues Bastos, que representa dois arguidos, e nem analisou o requerimento. As inquirições das testemunhas foram entretanto adiadas um mês, a pedido do juiz, o que pode levar à prescrição dos crimes de dois arguidos.

Esta quarta-feira, Manuel Vicente, ex-vice presidente de Angola, deixa de estar abrangido pela imunidade para titulares de cargos públicos, que durou cinco anos. Agora a PGR angolana terá de tomar uma decisão legal sobre as acusações que impendem sobre o antigo governante, nomeadamente enquanto arguido na Operação Fizz em Portugal, mas também como implicado em “um terço” da acusação no caso dos negócios dos generais angolanos ‘Kopelipa’ e ‘Dino’ com empresários chineses.

A quatro dias das eleições brasileiras, as sondagens dão vitória a Lula da Silva. Em Portugal, há 80 mil eleitores recenseados para votar. Os mais ricos votam mais Bolsonaro. Os mais modestos votam contra o atual presidente, sejam ou não petistas. Até à boca das urnas, o Expresso dá voz a uns e outros, na primeira pessoa.

O furacão Ian está cada vez mais forte, atingiu o nível 3 e pode já ter subido até ao 4 (de 5) quando chegar hoje à Flórida, nos Estados Unidos, agigantado pelas águas quentes do Golfo do México. Antes passou pela costa norte de Cuba, com ventos de 200 quilómetros por hora, provocando inundações, corte total de energia e pelo menos dois mortos. As autoridades americanas ordenaram a evacuação de dezenas de milhares de habitantes das zonas costeiras do Estado americano, a suspensão de voos, encerramento de escolas (transformadas em abrigos) e até a Disney World de Orlando vai fechar dois dias.

Após a vitória da extrema-direita nas legislativas de Itália, a velha guarda da Liga Norte “pede a cabeça” de Matteo Salvini, o populista que chegou a vice-primeiro-ministro. Política à parte, o país aplaude em uníssono a italiana Samantha Cristoforetti que esta quarta-feira se torna a primeira astronauta europeia a assumir o comando da Estação Espacial Internacional.

Em Espanha, como em Portugal, a violência doméstica também mata. Em 24 horas, duas mulheres foram assassinadas pelos maridos, que depois se suicidaram. Um crime ocorreu em Benidorm, outro em Palencia. São já 30 mortes registadas este ano em contexto de intimidade. Em Portugal há pelo menos 20 casos confirmados.

No futebol, Portugal perdeu com a Espanha por 0-1, em Braga, e está fora da fase final da Liga das Nações. Tal como há um ano, contra a Sérvia, Portugal só precisava de um empate. Tal como há um ano, não aproveitou.

FRASES

“A inflação vai ser mais elevada e menos temporária do que esperávamos há um ano”.
Mário Centeno, Governador do Banco de Portugal (BdP), durante o discurso de encerramento da conferência ‘O impacto da nova ordem mundial na economia europeia’ no CCB.

“SIRESP não teve falhas nos dois grandes incêndios do verão, apenas constrangimentos”
José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, durante a audição no Paramento

“Não é uma ameaça, muito menos um aviso, é uma previsão. Ou uma destas na testa. A vossa escolha é fácil. Não vamos gastar mais munições com envelopes”
Mensagem acompanhada de uma bala, dentro de um envelope, recebida pelo presidente da Câmara da Póvoa de Varzim, pelo vice-presidente e pelo presidente da Assembleia Municipal. Ocorrência estará ligada à demolição da Praça de Touros, iniciada segunda-feira.

“Saber que morreram mais de mil pessoas em Portugal devido às ondas de calor é de partir o coração”
David R. Boyd, relator especial da ONU para os Direitos Humanos e o Ambiente, em entrevista ao Expresso

“O sangue dos uigures não devia tornar a China economicamente forte”
Rushan Abbas, ativista norte-americana uigur, durante uma visita a Portugal

“Agora os meus (4) filhos poderão ter uma vida mais digna”
Carmen Torres, mulher de um médico argentino que morreu de covid a combater a pandemia num hospital de Barcelona. Espanha concedeu-lhe a nacionalidade, como agradecimento.

SUGESTÕES DE PODCASTS

Que fazer quando o alarme dispara? Ooommm, nada de alarmismos. Gelo nos pulsos e avisos avulsos nesta reunião do podcast da Comissão Política, com Vítor Matos, Eunice Lourenço, Rita Dinis e Hélder Gomes

O VAR que falava outra língua e o penálti “por instinto” de Ronaldo. Como ainda existem países sem vídeo-árbitro, a UEFA aproveita a presença de algum árbitro em Nyon, na sua sede, para trabalhar e fazer “alguns jogos seguidos”, explica Duarte Gomes em A Culpa é do Árbitro

Marcelo anda nervoso com as contas públicas. Tem razões para isso? Como estão as contas e que caminho devemos seguir? Paulo Baldaia conversa com Miguel Lebre de Freitas, professor da Nova SBE, no Expresso da Manhã

O QUE ANDO A LER

Diário de Um Sem-Abrigo, de Jorge Costa (Oficina do Livro)

Não é raro ler obras de autores que já morreram, principalmente os clássicos. E não se pensa nisso ao avançar pelas páginas. Mas o livro de Jorge Costa, autobiográfico, de experiência feita, dói mais – porque dói mesmo - sabendo que ele já não está cá, que podia ter sido tão mais do que foi, ter tido uma vida melhor, menos calejada. Quando finalmente entrara nos eixos da humanidade, o cancro levou-o. Aos 55 anos.

Jorge Costa foi sem-abrigo durante 8 meses. A empresa onde era técnico administrativo abriu falência, sem indeminização, e precipitou, três anos depois, a sua queda na rua. Em fevereiro deste ano, pouco depois de ter arranjado novamente um teto, através do projeto ‘housing first’, começou a escrever no jornal digital ‘A mensagem’ - exclusivamente dedicado à cidade de Lisboa - crónicas mensais sobre a sua experiência de sobrevivente “no nível de existência mais baixo”. Os 14 textos deram depois origem ao livro póstumo.

A vida empacotada numa mala e uma mochila. O medo do primeiro dia. O ataque de choro na casa de banho da Gare do Oriente. A prostituição. O amigo Zé que o ensinou a pedir, porque ele tinha “cara de panda”. A morte de quem se gosta. A dor do olhar de pena dos outros. A dor da dureza do chão. As leis da rua. O wifi grátis da carris. A chuva fria. O conforto do vinho. As filas da fome. A revolta da fome. A comida dos contentores de lixo. Frango assado e cerveja de litro no Natal. Cabelo e barba no Sr. António. Os sonhos por coisas pequeninas: uma casa de banho, vizinhos a desejar ‘bom dia’, caminhar de cabeça erguida. O assalto ao nada que tinha. Ele próprio a aprender a roubar. A vergonha que se perde, a dignidade que se esvai, a frieza que se ganha.

E tudo contado de uma forma tão crua e humana e sentida e bem escrita que é impossível parar de ler.

Já escrevi algumas reportagens sobre sem-abrigo, ouvi muitas histórias, quase sempre contadas à pressa e despidas de grandes emoções. Como explica o Jorge, quem mostra fraqueza na rua dá-se mal. Mas neste livro ele não se poupa aos sentimentos. Faz-nos sentir o aperto. Até que chegou a casa nova. O voltar a ter. A ser. Uma chave dele, uma porta que se abre. Sofá, cama, televisão, frigorífico, sanita.

Jorge morreu no IPO de Lisboa a 20 de abril de 2022, 11 meses depois de voltar a ter um teto. A Câmara de Lisboa emitiu um voto de pesar. O humorista e radialista Nuno Markl, que era fã das crónicas e se tornou seu amigo, está a preparar um filme sobre os seus dias na rua. É também ele, que juntamente com Marcelo Rebelo de Sousa, assina o prefácio do livro, lançado no Centro de Alojamento de Emergência de Santa Bárbara, em Arroios.

Por hoje é tudo. Tenha uma ótima quarta-feira. A atualidade segue aqui.

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