segunda-feira, 17 de outubro de 2022

A COMUNIDADE EUROPEIA: UM GOLPE DE ESPADA NA ÁGUA

Thierry Meyssan*

Desde o início da operação militar russa na Ucrânia, as relações internacionais estão bloqueadas. Nenhuma posição muda. O Presidente Macron pensou que poderia mudar as regras do jogo baralhando as cartas por ocasião de uma reunião de irmãos inimigos europeus, a Comunidade Política Europeia. Mas o Presidente Putin apanhou-o desprevenido mudando as fronteiras e o próprio jogo.

Presidente francês, Emmanuel Macron, não sabe como há-de decidir para resolver crises, assim volta a baralhar as cartas para poder pensar em novas soluções. É por isso que, constatando a ausência de discussão em torno do conflito ucraniano, ele lançou em Maio passado uma iniciativa : a « Comunidade Política Europeia » (CPE).

Depois da « Confederação Europeia » de François Mitterrand e da « União para o Mediterrâneo » de Nicolas Sarkozy, o Eliseu esforçou-se pois em convencer os seus parceiros da utilidade de um novo « esquema. Diga-se de passagem, a França varia bastante : a Confederação Mitterrandiana defendia a aliança do Ocidente e do Leste, de Bruxelas e de Moscovo, a Comunidade Macronista visa, pelo contrário, opô-las.

A França, que presidia ao Conselho Europeu durante o primeiro semestre de 2022, logicamente recorreu ao presidente permanente desta estrutura, o antigo Primeiro-Ministro belga Charles Michel. Este enfiou-se na brecha aberta com apetite. Pensava poder fazer uma união em torno da UE e sacar um belo papel às custas da Presidente da Comissão, a sua rival Ursula von der Leyen. Pacientemente, os diplomatas franceses esconderam-no nas suas “pastas” de modo a que nem sequer aparecesse em cena durante a conferência de imprensa (colectiva-br) final. Quanto à Srª von der Leyen, apenas acabou convidada por formalidade.

A CPE foi preparada com os meios da União, mas não em nome da União. Além disso, as reuniões preparatórias não foram realizadas nas instalações da União, mas no castelo belga de Val Duchesse. Era, aliás, inevitável se se desejasse associar o Reino Unido e a Turquia. Londres pós-Brexit continua a não querer uma estrutura supranacional e Ancara amarga à porta da UE há tanto tempo que não quer ser desviada para uma via de estacionamento suplementar. O Reino Unido chegou mesmo a implicar com o título « Comunidade Política Europeia », que lhe faz lembrar bastante a extinta «Comunidade Económica Europeia», ancestral da « União Europeia ». A Turquia, essa, exigiu garantias comprovando que a sua participação na CPE não seria mais uma distracção para a fazer esperar.

No fim, participaram 44 Estados neste fórum, quer dizer, a totalidade dos Europeus, com exclusão da Rússia e da Bielorrússia, que são claramente os inimigos designados. Infelizmente, foram precisos seis meses para preparar esta festarola que chega um pouco tarde. Aquando da sua preparação, tratava-se de unir o continente contra os russos os eternos malvados que invadiram a jovem democracia ucraniana. É claro que alguns Estados não viam a coisa assim. A Turquia teve o cuidado de se colocar no meio, entre os seus aliados ucranianos e ocidentais de um lado, e o seu aliado russo do outro. Ou ainda a Sérvia que, tal como a Turquia, recusou a aplicar sanções Anti-Russas sem sequer esconder a sua russofilia. No seio da UE, a Áustria e sobretudo a Hungria manifestavam sonoramente a sua amizade com Moscovo (Moscou-br), enquanto mantinham da boca para fora o mesmo discurso que os outros. Mas eis que então, no último momento, o Presidente Vladimir Putin jogou um às de trunfo ao mobilizar 300. 000 veteranos e fazer aderir quatro “oblasts” ucranianos à Federação da Rússia. Ao fazê-lo, é ele quem dá a volta ao jogo, muito mais que Emmanuel Macron, o qual apenas se ocupou das regras do jogo.

Com efeito, se a OTAN prosseguir as suas transferências de armas, ela já não irá atacar apenas as repúblicas não-reconhecidas do Donbass e o exército russo, não-convidado na Ucrânia, mas irá atacar directamente a Federação da Rússia ao atingir agora o próprio território desta. Há trinta anos, os Britânicos estavam convencidos que a Crimeia, a Novorossiya e o Donbass eram russos. O facto de agora qualificar a sua união de « anexação » não mudará a realidade.

Continuando a atacar, a OTAN pisará o direito dos povos à autodeterminação que justifica a independência destas regiões e a sua livre união à « Pátria Mãe ». Para todos os antigos Estados colonizados, ela aparecerá como aquilo que é: uma coligação (coalizão-br) de revanchistas que tenta desesperadamente salvar a sua secular dominação sobre o mundo.

Por outro lado, se a OTAN decidir parar, os seus dirigentes, que não pararam de gritar que defendiam a Paz e a Justiça, aparecerão como «tigres de papel» segundo a fórmula de Mao Zedong. Todos concluirão que a era da sua dominação acabou.

A reunião foi aberta pelo altamente russofóbico Primeiro-Ministro checo, Petr Fiala, que deu de imediato o tom anti-Putin –- a propaganda personaliza sempre as políticas dos Estados–- da sessão. Fiel a si mesmo, o inevitável Presidente ucraniano, o actor Volodymyr Zelensky, intervindo via vídeo, anunciou que os tanques russos em breve «rolariam sobre Praga [a sede da reunião] e sobre Varsóvia» (sic). A plateia, estóica, contentou-se em aplaudir polidamente, sem entusiasmo.

As reuniões à margem da Cimeira resultaram quase todas em fracassos, com excepção da Cimeira arménio-azeri, que começou friamente, mas se prolongou pela noite.

As sessões temáticas permitiram saber o que todos pensavam sobre o essencial. Após a sabotagem dos gasodutos NordStream, a ideia de uma protecção das infraestruturas comuns foi lançada, sem se saber se isso era apenas uma preocupação ou também uma denúncia da suserania norte-americana. A acção terrorista contra a Ponte da Crimeia ainda não tinha acontecido. Nos bastidores, todos concordam em saudar as façanhas das Forças Especiais dos EUA ao mesmo tempo que se interrogam até onde Washington irá.

Nenhuma declaração conjunta estava prevista no fim da reunião e nenhuma teria sido possível. Foi elaborado um calendário das próximas reuniões deste fórum, daqui a seis meses na Moldávia, no próximo ano em Espanha e depois no Reino Unido. Ninguém sabe bem porquê nele participar, ou sequer se ele ainda existirá.

Encarem de frente a realidade, já que ela volta a toda a velocidade. O encontro foi coberto pela Eurovisão, uma estrutura criada pela OTAN nos anos 50 e que premiou a Ucrânia no seu último concurso de canções. Uma reunião informal do Conselho Europeu seguiu-se à da Comunidade Política Europeia. Nela, os 27 tiraram as conclusões desta assembleia tagarela e inútil.

Thierry Meyssan* | Voltairenet.org | Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II.
Manipulación y desinformación en los medios de comunicación
 (Monte Ávila Editores, 2008).

Na imagem: Em Praga, todos os convidados haviam sido escolhidos porque em teoria condenam a Rússia, mas na prática, a coisa é diferente.

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