segunda-feira, 17 de outubro de 2022

DARIO FO A PRENDA DE AGUSTINA E O ESTADO DA NAÇÃO -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Dívidas são para esquecer. O Caras Lindas devia uma pipa de dinheiro ao meu Pai e quando ele tentava cobrar nem que fosse um nadinha, ele com a voz entaramelada pelo álcool respondia: Devo-te alguma coisa? Apontaste a dívida no tecto por causa das cheias do Kanuango? Vai cobrar ao Camões! A parte menos interessante da vida é que fica sempre a dever qualquer coisa à morte. Uma intimidade desconcertante e que me leva a ignorar todas as mortes menos a vida e morte severina: Esta cova em que estás de palmos medida. É de bom tamanho, nem largo nem fundo é a parte que te cabe neste latifúndio. Estou a citar João Cabral de Melo Neto. O artista da palavra ensinou isto: O nosso sangue tem pouca tinta.

Dario Fo ensinou-me que o patrão sabe mais palavras do que os trabalhadores, por isso é o patrão. Desatei a aprender palavras, até de siciliano e ngoia. Aprendi tantas que me senti um patrão. Tudo mentira. Subiram-me as palavras à cabeça e cuspia nos empregos. Andava à porrada com os patrões. Minha Mamã, quando me via com falta de ar e de bolsos vazios, dizia com ar trágico: Cabeça que não tem juízo, o corpo é que as paga. 

Dario Fo e sua trupe actuaram na Casa de Itália, na Cidade Internacional Universitária de Paris. Eu participei em grande nível. Quando ele foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura lembrei-me que nenhum sacana de patrão o batia em conhecimento das palavras. 

Também andei a manifestar-me nas ruas de Paris contra o arrasar dos Halles para construírem o Centro Pompidou. Entre as manifestantes estava a gauchista Annie Ernaux. É Prémio Nobel da Literatura. Aprendeu mais palavras que os patrões. Hoje desfilou nas ruas de Paris com os partidos de esquerda, contra a inflação descontrolada e a subida tresloucada dos preços. Está a ser castigada pelos patrões que sabem menos palavras do que ela!

Em Portugal, Porto e Amarante, estão a comemorar o primeiro centenário do nascimento da escritora Agustina Bessa Luís. Conheci-a em Angola. Fui ouvir Maria Alzira Seixo e ela apresentou-nos o romance “A Sibila” como uma obra-prima da Literatura Universal Contemporânea. Uma amiga que voava na TAP trouxe-me de Lisboa um exemplar e li a peça, umas 50 vezes. Nenhum patrão do mundo sabe tantas palavras como Agustina. Mas o mais sabedor é Aquilino Ribeiro. Mesmo assim foi esmagado pelo patronato fascista e salazarista. Agustina, não. Viveu sempre como quis e nunca reconheceu qualquer dívida à vida.

Um dia fui entrevistá-la à sua casa na Rua do Golgota, no Porto. Publiquei o texto mesmo no limite, porque uns dias depois peguei-me com os patrões e fiquei sem trabalho. Já me tinha esquecido do episódio (a derrota frente aos patrões) quando recebi uma encomenda pelo correio. Era um livro de Agustina Bessa Luís intitulado A Mãe de Um Rio. Na folha de rosto, uma dedicatória, escrita com uma letra elegante, redondinha: “Ao Artur Queiroz pela consideração que devo ao seu talento de entrevista”. Tinham passado anos! Nessa altura já estava a trabalhar no Jornal de Notícias e a escritora mandou para lá a oferta.

Ainda lhe fiz uma segunda entrevista para a revista Autores. Tomei uma decisão inabalável. A partir de hoje, Agustina Bessa Luís é Prémio Nobel da Literatura todos os dias. O que ela fez por mim! As palavras que me ensinou. Mesmo assim continuo a levar porrada dos patrões. Deve ser defeito de fabrico. Mas fiquem sabendo que nada devo à vida ou à morte. Nada.

A agência noticiosa Lusa, órgão oficial da UNITA, sobre o Discurso Sobre o Estado da Nação diz que a marcação das eleições para o Poder Local “era uma das mais esperadas questões no discurso de João Lourenço, que marcou a abertura do ano parlamentar em Angola”. O problema da UNITA e dos seus apoiantes é que confundem os seus desejos com a realidade e os seus anseios, sempre mesquinhos, pelos de todos os angolanos. Mania das grandezas. Não se percebe porquê. Afinal os membros da direcção da UNITA e seus sicários sabem poucas palavras. Muito menos do que a média das angolanas e angolanos.

O que foi dito pelo Presidente da República devia ser aplaudido por todos. O Estado já tomou medidas para a efectivação do Poder Local. João Lourenço reiterou no seu discurso a institucionalização das autarquias, sublinhando que faltam infra-estruturas e esse problema tem de ser resolvido antes de eleições.  

Os municípios de todo o país enfrentam um problema gravíssimo: A fixação de quadros nos seus territórios. O Presidente João Lourenço anunciou que está já em curso a construção de complexos residenciais em 36 municípios e 35 assembleias para as autarquias locais. Não pode haver melhor notícia do que esta. Claro que a UNITA não quer saber disso para nada. Porque as eleições autárquicas servem apenas para eles acomodarem umas quantas clientelas, quanto mais analfabetas, melhor. 

Mais nada. Querem lá eles saber do Poder Local! E, é claro, estão ansiosos por gritar que há fraude eleitoral! Esse é o aspecto mais importante do programa da UNITA. Há eleições? Então há fraude porque a UNITA nunca ganha. Deputadas e deputados de todas as bancadas têm o dever de aprovar uma Lei que exclui das eleições partidos, coligações e políticos que invocam a fraude, quando perdem. O jogo democrático exige esse esforço, para acabarmos com a poluição política.

Hoje o Banco Mundial pôs o dedo, com muita força, na ferida que é a guerra da NATO (ou OTAN), União Europeia e EUA contra a Federação Russa. Os números chegados da Ucrânia revelam uma tragédia humanitária. Mais de 50 por cento da população que não consegue fugir, vive abaixo do limiar da pobreza. E ninguém fala disso!

Os Media não dão espaço a essa legião de pobres. Não ouvem os deputados da Oposição ou os partidos em cujas listas foram eleitos. O Banco Mundial quer saber como vai o governo de Kiev enfrentar este problema. E, já agora, os países que mandam milhares de milhões para Kiev, exclusivamente para matar e fazer ainda mais pobres, como vão mudar os seus comportamentos. E a União Europeia ou a ONU vão continuar a ser instrumentos de guerra ou promotores da paz? É isso mesmo. Estão a afiar a moca para aniquilar as tropas das Federação Russa! E andam com uma lanterna à procura dos crimes de guerra, mas longe de Bruxelas ou Washington.

Ontem Lisboa e Porto assistiram a manifestações contra a pobreza, a fome, a miséria, os baixos salários, grandes exportações da União Europeia para o cantinho à beira mar plantado. Hoje é Paris. A greve dos trabalhadores das petrolíferas dura há semanas e nem uma notícia. Só dá Zelensky. Hoje milhares foram para as ruas protestar. Na terça-feira arranca uma greve geral em França. Na Ucrânia é só beijinhos aos nazis.

Na Alemanha, a contestação social sobe de tom e a propaganda da guerra não consegue disfarçar o mal estar no país que é o “motor da Europa”. Está gripadíssimo. Queimou. Não dá nada. Mas, mesmo assim, ameaçam aniquilar as tropas da Federação Russa. A velha mania das grandezas dos genocidas e esclavagistas, que acaba sempre em tragédia.

Dario Fo tem razão, O patrão só é patrão porque sabe mais palavras do que os trabalhadores. Mas dentro em breve, essa diferença de nada serve. Mesmo sabendo muitas palavras, vão todos ao castigo.

*Jornalista

Na imagem: Agustina e Dario Fo

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