… A PERDA DE NÃO-ALINHAMENTO
REVERTE
Martinho Júnior, Luanda
Na votação da Assembleia-Geral da ONU, correspondente à questão A/ES-11/L.5 “Integridade territorial da Ucrânia: defendendo os princípios da Carta das Nações Unidas” , a representação diplomática de Angola esqueceu-se que a questão que se tem colocado à Europa deve ser analisada em toda a sua profundidade histórica, antropológica e sociocultural, para além do ambiente sociopolítico gerado pelo império da hegemonia unipolar desde a vitória do capitalismo neoliberal com Ronald Reagan e Margareth Thatcher, que se reflectiu profundamente no contexto Asiático-Europeu e de outros continentes, África incluída:
01- Que é de levar em conta a história milenar russa e dos seus relacionamentos, quer no âmbito dos povos que integram a própria Federação Russa, quer com todos os povos circundantes, pois foi a Rússia que fundou e dinamizou muitas regiões dentro e para lá de suas fronteiras, influindo na fundação de muitas cidades e nos círculos humanos que nelas fazem ainda hoje expressão;
02- Que nesse aspecto a história, a antropologia, o ambiente sociocultural e o ambiente sociopolítico, se distinguem inequivocamente do que aconteceu a África, com e desde a Conferência de Berlim, uma vez que povo africano algum teve voz activa quer antes dela, conforme se pode constatar numa escravatura que prevaleceu séculos, quer depois com o colonialismo arrogante que se gerou, quer contemporaneamente com o avassalador neocolonialismo que se mantém em nossos dias (os africanos nem sequer influência têm no preço corrente de grande parte das matérias-primas que produzem para os benefícios de outros);
03- Que a vitória neoliberal que sustenta a Organização do Tratado do Atlântico Norte e mantém o território europeu ocupado por largas dezenas de bases do Pentágono, impôs a mentira e a subversão a cada passo que deu na direcção leste, por via duma expansão que foi gerando insegurança vital comum entre todos os povos da região mais ocidental do imenso continente Asiático-Europeu;
04- Que os que advogam em função dos seus interesses e conveniências egoístas o paradigma das democracias que lhes é afim, de facto as têm vilipendiado e subvertido, a ponto de gerar em cadeia “revoluções coloridas”, “primaveras árabes”, tensões, agressões, conflitos e golpes de estado de toda a ordem, contrariando além disso, sistematicamente, a Carta das Nações Unidas, desde o lançamento injustificável das bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945, quando a vitória dos aliados na IIª Guerra Mundial já estava mais que garantida;
05- Que desde o início do século XXI, os poderes dominantes que se impuseram também à União Europeia e à NATO, se decidiram a disseminar caos, terrorismo e desagregação, arregimentando seus vassalos na prossecução de situações cujo efeito boomerang corria o risco de se voltar contra a própria Europa, sempre na tentativa de com isso garantir acesso privilegiado às matérias-primas de que necessitavam desde o início da Revolução Industrial eminentemente anglo-saxónica;
06- Que o reforço da OTAN ao invés de sua dissolução, ao mesmo tempo que se gerava uma União Europeia com uma base de sustentação inspirada num modelo económico capitalista neoliberal, propiciou cada vez mais nexos de insegurança vital, à medida que também nas suas fronteiras outros passaram a ser deliberadamente excluídos, ou insuficientemente cooptados, por ausência de diálogo e busca de consensos capazes de exercícios saudáveis de cooperação, de solidariedade e de paz;
07- Que a “revolução colorida” de Euro Maidan em Kiev, na Ucrânia, em 2014, foi um golpe de estado reincidente (que teve como antecedente a “revolução laranja” de 2004), com bases ideológicas de carácter nazi, que instalou um regime que protagonizou radicalismo sociocultural e sociopolítico excludente contra quem não a aceitou;
08- Que essa radicalização levou à guerra do regime golpista de Kiev no Donbass, desde 2014, contra o povo daquela região, com uma intensidade tal que as comunidades que não o aceitaram, tiveram de se começar a defender de armas na mão, ainda que tivessem perdido território garante de sua própria sobrevivência;
09- Que a essência do golpe Euro Maidan evidenciou desde logo que jamais seriam os golpistas capazes de diálogo, (o que seria contraditório à natureza do próprio golpe), pelo que todas as tentativas nesse sentido e em busca de consensos com vista a se gerar segurança vital comum e paz, contribuíram sim para o agravamento de tensões e a escalada do conflito sociocultural, sociopolítico e militar;
10- Que em 2022 o regime dos golpistas se propunha, ao mesmo tempo que resolver pela força o diferendo no Donbass, aproximar-se de tal modo à União Europeia e à OTAN, que iria permitir potenciais militares e nucleares favoráveis a escalar ainda mais a insegurança vital comum entre o “ocidente” e a Federação Russa, a ponto de começar a pôr em causa a existência da própria Rússia;
11- Que todo esse contencioso foi artificiosamente nutrido, de argumento em argumento, em função da prática de conspiração na tentativa do domínio do império da hegemonia unipolar se impor não só aos estados europeus obrigados a tornaram-se seus vassalos, como também à própria Federação Russa, sem oportunidade para outro tipo de soluções que já existem com o “espírito de Xangai” inculcado na emergência multilateral e no Não-Alinhada que anima todo o Sul Global.
Assim a tomada de posição de Angola, possui um argumento que, ao tomar a árvore pela floresta, se torna subtilmente afim à hegemonia unipolar e aos processos de neocolonização de que ela se nutre, o que contraria o papel que Angola vinha assumindo na busca consensos por via de diálogo e da busca de paz, numa plataforma ampla que antes justificava a sua abstenção e agora, sendo abandonada, justifica inequivocamente inteiro repúdio e indignação!
Angola não deveria escamotear a história, nem muito menos quando ela se torna tão complexa quanto nos obriga a rever o cadinho antropológico, sociocultural e sociopolítico, como é este o caso.
Angola jamais deveria aceitar regimes saídos de golpes de estado como os das “revoluções coloridas”, ou das “primaveras árabes”, ou correspondendo a interesses impostos aos povos a partir das potências coloniais que se tornaram neocoloniais…
Nesse sentido privilegiou-se a leitura com base no conceito estado (ainda que tutelado por regimes golpistas) e território nacional, ao invés de se privilegiar a leitura humana, com toda a amplitude e profundidade que ela merece, que é um quadro mais que suficiente para emoldurar a abstenção.
Angola agora por reforço de razão, deixou de ser parte influente em relação àqueles que em África tiveram de recorrer a golpes de estado, como no Sahel, para fazer face à arrogância neocolonial de longa persistência e de injustificada continuação, conforme à FrançAfrique e ao Africom, que tanto têm a ver hoje em dia, em especial depois do assalto à Jamairia Líbia em 2011, com os radicalismos tácitos fermentados a partir de malparadas coligações no Médio Oriente alargado!
O argumento desalinhado de Angola cauciona o neocolonialismo e a hegemonia unipolar, tácita e implicitamente nos seus termos de caos, de terrorismo e de desagregação (os golpes proporcionados pelas “revoluções coloridas” ou as “primaveras árabes” sempre se sustentaram desse tipo de nutrientes), pelo que como tal deve ser denunciado, repudiado e combatido!
Círculo
Imagem:
Angola vota a favor da Ucrânia – https://angoemprego.com/angola-vota-a-favor-da-ucrania/.
Alguns suportes:
Angola vota a favor da Resolução sobre a integridade da Ucrânia – https://www.angop.ao/noticias/politica/angola-vota-a-favor-da-resolucao-sobre-integridade-da-ucrania/;
ANGOLA VOTA A FAVOR DA RESOLUÇÃO SOBRE INTEGRIDADE TERRITORIAL DA UCRÂNIA – https://rna.ao/rna.ao/2022/10/13/angola-vota-a-favor-da-resolucao-sobre-integridade-territorial-da-ucrania/
F*** the EU: Alleged audio of US diplomat Victoria Nuland swearing – https://www.youtube.com/watch?v=L2XNN0Yt6D8;
Como uma insurreição de extrema-direita apoiada pelos EUA nos trouxe à beira da guerra – https://www.esquerda.net/dossier/como-uma-insurreicao-de-extrema-direita-apoiada-pelos-eua-nos-trouxe-beira-da-guerra/79512.;
Washington Collaborates with Ukrainian Neo-Nazis – https://www.globalresearch.ca/washington-collaborates-with-ukranian-neo-nazis/5367798;
União Europeia e EUA cúmplices do fascismo ucraniano – http://resistir.info/ucrania/mur_ue_cumplice.html;
37 personas mueren en Odesa en un edificio incendiado por el Sector Derecho – http://actualidad.rt.com/actualidad/view/127017-odesa-incendio-casa-sindicatos-disturbios;
A CIA coordena nazis e jihadistas – http://www.voltairenet.org/article183852.html.
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