Numa conjuntura como a presente, o que se justifica é o banco central defender medidas que promovam o crescimento económico, impedindo a recessão económica, e não atacar os direitos fundamentais dos trabalhadores.
Fernando Marques | AbrilAbril | opinião
O Boletim de Outubro1, publicado recentemente pelo Banco de Portugal (BP), contém uma curiosa afirmação em que estabelece uma relação entre a cobertura da contratação colectiva (que diz ser muito elevada) e a rigidez do mercado de trabalho.
O BP afirma:
«cerca de 80% dos salários são definidos no âmbito de instrumentos de regulamentação colectiva em Portugal, o que pode introduzir um elemento de rigidez na transmissão da inflação aos salários.» (p. 16)
Esta afirmação tem três implicações fundamentais:
Em primeiro lugar, assimila o direito de contratação colectiva a «rigidez». Insinua-se que não havendo contratação colectiva, que determina os salários de 80% dos trabalhadores, os salários não eram tão elevados. Estranho, pois o Boletim refere-se a um ano em que os salários, incluindo os contratuais têm uma queda de poder de compra. Estranho também porque o banco central parece ignorar que o direito de contratação colectiva é um direito fundamental dos trabalhadores, exercido pelas associações sindicais (Constituição da República Portuguesa, Parte I, Direitos e deveres fundamentais, Título II, Direitos, liberdades e garantias, Capítulo III, Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, artigo 56, Direitos das associações sindicais e garantias).
Segundo, porque ataca a actualização dos salários por via da contratação colectiva, quando afirma que a elevada cobertura é factor de «rigidez» (expressão bem ao gosto neoliberal). O banco central, tão rigoroso em tantos aspectos, confunde aqui dois conceitos. A cobertura das convenções em vigor, foi, de acordo com os dados da DGERT de 76,6%2 em 2020. Este conceito abrange os trabalhadores que podem ser abrangidos por convenção colectiva.
O segundo conceito é o dos
trabalhadores cujas convenções são revistas e os textos publicados em cada ano.
A cobertura das convenções publicadas é divulgada mensalmente pela DGERT. Em
Terceiro, não só a máxima cobertura não é factor de «rigidez» como compete ao Estado, segundo o Código de Trabalho, «promover a contratação coletiva, de modo que as convenções colectivas sejam aplicáveis ao maior número de trabalhadores e empregadores» (artigo 485, sublinhado meu).
Numa conjuntura como a presente, o que se justifica é o banco central defender medidas que promovam o crescimento económico, impedindo a recessão económica, e não atacar os direitos fundamentais dos trabalhadores.
Notas:
1. Em rigor: BP, Boletim Económico de Outubro de 2022.
2. O BP refere 80%, mas não divulga nem a fonte, nem o ano a que se refere a percentagem.
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