Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião
Crise energética+inflação+crise alimentar+crise social é igual a uma tempestade perfeita de proporções tão avassaladoras que podem muito bem atirar para uma nota de rodapé da História o pesadelo que enfrentámos com a pandemia. As imagens de latas de atum protegidas com alarme antirroubo nas prateleiras dos supermercados não podem deixar de nos sobressaltar, por aquilo que duplamente representam. Por um lado, o facto de as grandes cadeias de distribuição, que estão a lucrar como nunca com a escalada de preços dos bens essenciais, não terem tido pejo em recorrer a estes expedientes para evitar "prejuízos" - não, não estou a sugerir que deviam permitir furtos para mitigar a fome dos que precisam, mas há formas e formas de controlar danos e não podemos escamotear a responsabilidade social a que estão obrigadas; por outro lado, e mais grave, a tristeza de constatarmos que este excesso de zelo está associado a um aumento de furtos de alimentos por parte de gente desesperada que não tem outro remédio senão o da marginalização. Para elas deixou de ser uma questão de bem saber gerir o orçamento para se transformar numa bem menos prosaica questão de sobrevivência. A pobreza é uma ferida que teima em não sarar.
De resto, basta vermos o tremendo impacto da atribuição dos 125 euros dados pelo Estado para se perceber, de forma cruel, que, por mais que douremos a pílula, continuamos alegretes mas pobretes. Por isso é que não devia haver outra prioridade na estratégia governamental nem no discurso dos partidos. De que forma podemos aplacar os efeitos desta desgraça coletiva? Não se espere que o Estado resolva os problemas por nós, porque não há respostas milagrosas. Vamos precisar novamente da solidariedade de todos para atenuar os efeitos desta crise junto dos mais necessitados. Não é aceitável que haja portugueses a furtar latas de atum para matar a fome. Latas de atum. Só podemos sentir vergonha.
*Diretor-adjunto
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