O número de estudantes dos países africanos de língua portuguesa no ensino superior em Portugal quase triplicou em cinco anos, mas muitos enfrentam dificuldades e há elevados níveis de abandono.
Miguel Chaves, coordenador do departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, está a fazer um levantamento sobre o universo de estudantes dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) matriculados no Ensino Superior Português e sobre o seu acolhimento nesse sistema.
Em entrevista à Lusa, o académico contou que em 2017/18 os docentes começaram a sentir um aumento do número de estudantes dos PALOP que chegavam ao ensino superior e a constatar que muitos desses estudantes apresentavam dificuldades em comunicar em português.
Os docentes aperceberam-se de que o aumento do número de estudantes africanos refletia um crescimento substancial do número de guineenses, o que explica as dificuldades na língua portuguesa, uma vez que os guineenses, de uma maneira geral, utilizam muito pouco o português para comunicar, dominando normalmente duas línguas, o crioulo e uma das línguas nativas.
Número de guineenses aumentou mais de dez vezes
Números disponibilizados à Lusa pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), confirmam a constatação dos docentes: enquanto o número de estudantes dos PALOP aumentou 170% em cinco anos, de 7.355 para quase 19.993, o número de guineenses aumentou mais de dez vezes, de 603 para 6.470.
Enquanto em 2016/17 os guineenses eram os menos representados entre os estudantes dos PALOP, no ano letivo passado já eram os mais representados.
"Foi uma grande mudança e uma mudança que nos apanhou completamente surpresa, e para o qual não foi dada qualquer resposta até ao momento", alertou Miguel Chaves, sublinhando que as dificuldades de comunicação dos estudantes se refletem num "grande problema", nomeadamente em termos de êxito escolar.
O académico lembrou que esta mudança veio juntar-se a outros problemas que os estudantes dos PALOP enfrentam desde começaram a chegar, na década de 80, ao abrigo de acordos de cooperação entre Portugal e as suas ex-colónias, muitos dos quais se mantêm desde então, registando-se apenas melhorias ligeiras.
Exemplificou com as dificuldades burocráticas para a obtenção de visto, que atrasam a chegada dos alunos durante meses ou até um ano letivo inteiro.
Isto acarreta dificuldades académicas, mas também financeiras, porque após a matrícula começam a ser cobradas as propinas, pelo que os alunos "já chegam com uma dívida muito considerável aos estabelecimentos".
Sem bolsas de estudo
Outro problema, alertou, é que muitos alunos não recebem bolsas de estudo, vêm pelos seus próprios meios, pelo que muitas vezes têm de começar a trabalhar, normalmente em atividades sem horário fixo e que não lhes permitem exercerem os direitos de trabalhador-estudante.
"Face a uma situação em que já têm tantos 'handicaps', em termos linguísticos e de falta de apoios financeiros, têm ainda de começar a trabalhar e começar a trabalhar intensamente", disse Chaves.
Complicações no acesso aos serviços públicos, nomeadamente ao Serviço Nacional de Saúde, e dificuldades de adaptação cultural - estudos indicam que os alunos africanos consideram os portugueses frios e distantes - juntam-se ainda a preconceitos racistas que existem na sociedade portuguesa e que também se refletem na academia.
"Experiências de uma certa discriminação, de uma certa exclusão acontecem, por exemplo, quando há formação de grupos de trabalho" e os alunos portugueses tendem a não aceitar os africanos, porque entendem que estes não dão o devido contributo para os trabalho de grupo, exemplificou o docente, considerando tratar-se de "discriminação e uma forma de indiferença".
Todos estes problemas têm um efeito que é "absolutamente dramático": "A reprovação nas unidades curriculares nas disciplinas que estão a frequentar é maciça e, portanto, a possibilidade de transição de ano por maioria de razão, também é muito baixa", lamentou.
A Lusa pediu sem efeito dados sobre o insucesso e o abandono escolar dos alunos dos PALOP ao MCTES, mas Miguel Chaves citou números oficiais que atestam os níveis de abandono escolar destes alunos: Dos estudantes guineenses e cabo-verdianos inscritos em licenciatura pela primeira vez em 19/20, mais de 50% já não estavam inscritos no ensino superior em 20/21.
No caso dos alunos guineenses, o abandono acendia a 55%, destacou o professor de sociologia, estimando, sem dados concretos, que a grande maioria dos que permaneciam no ensino superior "muito provavelmente não tinham transitado de ano e continuavam a ter classificações negativas num grande parte das unidades curriculares que frequentavam".
A Lusa pediu declarações ao MCTES, mas não obteve resposta em tempo útil.
Deutsche Welle | Lusa
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