domingo, 10 de julho de 2022

OS EUA ALIMENTANDO O ESTADO DE GUERRA

#Traduzido em português do Brasil

Em seu exame anual do orçamento de “segurança nacional” dos Estados Unidos, William D. Hartung constata uma negligência orçamentária em grande escala. 

WilliamD. Hartung* | Tom Dispatch.com | em Consortium News

Em março deste ano, quando o governo Biden apresentou uma proposta impressionante de  US$ 813 bilhões para a “defesa nacional”, era difícil imaginar um orçamento que pudesse ser significativamente maior ou mais generoso com os habitantes do complexo militar-industrial. Afinal, esse pedido representou  muito mais  do que o pico de gastos nos anos da Guerra da Coréia ou do Vietnã, e bem mais de US$ 100 bilhões a mais do que no auge da Guerra Fria. 

Foi, de fato, um número surpreendente em qualquer medida -  mais de  duas vezes e meia o que a China gasta; mais , na verdade, do que (e tirem o chapéu para este!) os orçamentos de segurança nacional dos próximos nove países, incluindo China e Rússia, combinados. E, no entanto, a indústria de armas e os falcões no Congresso estão exigindo que ainda  mais  seja gasto. 

Em propostas recentes da Lei de Autorização de Defesa Nacional, que sempre marcam o que o Congresso está disposto a repassar ao Pentágono, os Comitês de Serviços Armados do Senado e da Câmara votaram para aumentar o orçamento de 2023 mais uma vez – em  US$ 45 bilhões  no caso do Senado e  US$ 37 bilhões  para a Câmara. O número final não será determinado até o final deste ano, mas o Congresso provavelmente adicionará dezenas de bilhões de dólares a mais do que o governo Biden queria, o que provavelmente será um recorde para o orçamento já inchado do Pentágono.

Esse desejo por mais gastos com armas é especialmente equivocado em um momento em que uma pandemia sem fim, ondas de calor crescentes e outras depredações das mudanças climáticas e injustiça racial e econômica estão devastando a vida de milhões de americanos. Não se engane: os maiores riscos para nossa segurança e nosso futuro são de natureza não militar, com exceção, é claro, da ameaça de guerra nuclear, que pode aumentar se o orçamento atual for executado conforme o planejado.

Mas, como  os leitores do TomDispatch  sabem, o Pentágono é apenas um elemento de um estado de segurança nacional americano cada vez mais caro. A adição de outras despesas militares, de inteligência e de segurança interna ao orçamento do Pentágono eleva o orçamento total de “segurança nacional” para um incompreensível US$ 1,4 trilhão. E observe que, em junho de 2021, a última vez que minha colega Mandy Smithberger e eu somamos esses custos ao contribuinte, esse valor era de  quase US$ 1,3 trilhão , então a tendência é óbvia.

Para entender como essas vastas somas são gastas ano após ano, vamos fazer um rápido tour pelo orçamento de segurança nacional dos Estados Unidos, de cima a baixo.

A PALAVRA DE UM MERCENÁRIO NEONAZI FRANCÊS QUE LUTA PELA UCRÂNIA

#Traduzido em português do Brasil

Em 24 de junho de 2022, LCI publicou uma entrevista com um francês, Karel, que se inscreveu como “voluntário” (um verdadeiro mercenário) da Legião Internacional Ucraniana . Pequeno problema: esse francês que luta pela Ucrânia é um neonazista, já preso na França e provavelmente na lista S.

Em 2014, a revista “Elle” entrevistou uma jovem ucraniana, que mais tarde se revelou neonazista. “Elle” vai se desculpar por promover um neonazista dessa maneira, dizendo que não havia indicação disso quando eles deram a entrevista.

LCI vai nos dar a mesma desculpa, quando não foi difícil rastrear várias das informações que encontrei com o nome completo do palhaço? De fato, esse francês apresentado por LCI como um simples voluntário querendo “defender a Europa” na verdade se chama Karel Cherel-Salzburg, e é um mercenário neonazista que já foi preso na França por atos de violência.

Em 2019, ele foi preso pelo ataque a um bar em Nantes, junto com outros dois homens, todos de extrema-direita. O ataque foi direcionado aos antifas, e um dos clientes do bar ficou gravemente ferido por um golpe de bastão na cabeça. Ouest-France relata que dos três, dois estão na lista S por pertencer a um grupo de extrema-direita.

E embora Karel Cherel-Salzburg tenha afirmado na época não estar de extrema direita, suas páginas de redes sociais contam uma história diferente.

Vamos começar com sua conta VK (a correspondência de idade e nome), que revela fotos que deixam poucas dúvidas sobre a orientação política de Karel. Entre as fotos mais recentes está um cartaz claro da organização de Resistência de Direita, cujas ligações com neonazistas ucranianos eu havia apontado após o atentado de Christchurch. O simbolismo da organização é ainda mais nazista: wolfsangel, números 14 e 88, totenkopf, etc. E as outras imagens falam por si, eu acho. Agora o pequeno Karel vai ter dificuldade em tentar nos convencer de que ele não é de extrema-direita…

Mas a melhor parte é o Instagram dele. O nome do relato por si só é um poema: frenchbanderiste (que significa banderista – seguidor de Stepan Bandera, colaborador ucraniano dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial – francês). Existem vídeos e fotos onde você pode ver todo o rosto desse homem triste, e ouvir sua voz (o que confirma que é ele) e mais evidências de que esse lutador francês na Ucrânia é um neonazista!

Entre as fotos, uma mostra o combatente francês fazendo uma saudação nazista tipo Hitler em um suéter exibindo “a raça branca” no peito e posando com uma bandeira da Divisão Misantrópica, uma unidade neonazista ucraniana!

Em outra foto obtida através de um grupo de Telegram da Divisão Misantrópica, o lutador neonazista francês pode ser visto à esquerda. Ele está usando o mesmo keffiyeh da entrevista com LCI, e em ambas as fotos ele está usando o mesmo boné com o mesmo chevron.

Para terminar com uma nota alta, em um ponto do relatório, as divisasas da unidade neonazista francesa são parcialmente visíveis: o batalhão Vovkodav.

Ucrânia | NOVOS DOCUMENTOS SOBRE OS BANDEIRISTAS (nazis)

Os Serviços de Segurança russos (FSB) acabam de desclassificar novos documentos sobre os banderistas do período entre guerras.

Um deles, o jornal Extrême-Orient, atesta que em 1939 os « nacionalistas » ucranianos de Stepan Bandera pensavam deixar o território da actual Ucrânia para constituir um Estado ucraniano independente, sob a proteção dos nazis, em Krai do Primorsky (Manchúria ) onde já vivia uma importante minoria ucraniana.

Como havíamos detalhadamente explicado, os « nacionalistas » ucranianos jamais procuraram defender o seu território, mas antes a sua « raça ». Eles afirmam-se de origem escandinava, descendentes dos Varégues (ou Varangianos-ndT) e acima de tudo não-eslavos.

O ucranio-lituano Yevhen Konovalets, que fundou e presidiu à OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos) e comandou o UVO (Exército Popular Ucraniano, financiado pelos Serviços Secretos alemães, depois nazis) até ao seu assassinato pelo NKVD, em 1938, encontrou-se duas vezes com Adolf Hitler. Foi ele quem negociou a criação do Estado ucraniano no Krai de Primorsky quando os nazis e os japoneses atacaram a União Soviética.

Os seus restos mortais foram transferidos, junto com os de Stepan Bandera e de Andriy Melnyk, para o cemitério de Lviv pelo novo regime ucraniano.

Em 17 de Junho de 2011, a Comissão de Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) do Parlamento lituano prestou-lhe homenagem.

Ler mais em Volteirenet:

 "A aliança do MI6, da CIA e dos banderistas”, 12 de Abril de 2022.
 “Ucrânia : a Segunda Guerra mundial continua”, 26 de Abril de 2022.
 “A ideologia dos banderistas”, 22 de Junho de 2022.

Voltairenet.org | Tradução Alva

“É RIDÍCULO QUE EUROPEU AINDA SEJA SINÓNIMO DE BRANCO” -- Johny Pitts

ENTREVISTA

Seis meses de viagem pelas periferias europeias resultaram no seu livro Afropeu - A diáspora negra na Europa. Johny Pitts tentou construir um mosaico da "negritude que viaja connosco", ancorado no desejo de forjar "laços de luta e solidariedade contra os legados de opressão e divisão do colonialismo".

João Biscaia | Setenta e Quatro

Há passaram dez anos desde que Johny Pitts, escritor, fotógrafo, apresentador de televisão e radialista, atravessou o Eurotúnel em direção a Calais com a ideia de só retornar a casa meio ano depois. Foi logo nesse primeiro momento, na pequena cidade portuária francesa onde um acampamento de refugiados e migrantes veio a receber o topónimo pouco inocente de “A Selva”, que reconheceu as ambiguidades que o acompanhariam em toda a viagem. 

Os guardas fronteiriços franceses olhavam-no com desconfiança à chegada à Europa continental. Interpelaram-no bruscamente em línguas partidas, como se não fosse ali o seu lugar. Mas os portões da fortaleza europeia abriram-se calmamente ao vislumbre de um passaporte britânico. Como disse em entrevista ao Setenta e Quatro, “a negritude move-se connosco”.

Seguiram-se Paris, Bruxelas, Moscovo, Estocolmo, Marselha e Lisboa. Pitts partia da sua periferia de infância a norte de Sheffield (e de uma Londres que considera insuportável) em direção às periferias de outras cidades europeias. Tinha intenção de documentar, a partir de baixo, a interseção que nelas se dá entre África e Europa: as semelhanças e as diferenças, as continuidades e as desavenças, as heranças dolorosas do colonialismo e as resistentes culturas que aí florescem - híbridas, subversivas, futuristas e utópicas. O resultado foi o seu livro Afropeu - A diáspora negra na Europa.

Para o autor britânico, Afropeu é uma “antítese para o absolutismo étnico”. Um conceito tornado premissa para um livro de viagens que depois se transformou também num longo ensaio histórico e sociológico sobre as comunidades subalternas que povoam as franjas literais e figuradas das nossas metrópoles. Ainda que admita a fluidez do termo e a sua fragilidade, usa-o como signo do futuro otimista que deseja deixar para as suas filhas numa Europa mestiça onde “alcançamos juntos aquilo que o capitalismo nos prometeu e nunca conseguiu garantir”. 

Disse em várias entrevistas, ao falar deste livro, que o título Afropeu nasceu de uma vontade de construir um sentido de identidade "sem hífenes", sem distância entre "africano" e "europeu". O que significa ser afropeu e como se constrói este afropeanismo?

Para mim era importante tentar encontrar uma maneira de celebrar e expressar as minhas múltiplas alianças sem estar constantemente a escolher entre uma ou outra, ainda que não ande por aí a dizer às pessoas que sou "afropeu". Se alguém me perguntar de onde sou conto-lhes a história toda. 

Uso "afropeu" como portal para um mundo fantástico. É um espaço imaginário onde tento estabelecer ligações entre diferentes culturas e histórias, que há tanto tempo estão em conflito, para as reconciliar e as transformar em algo coerente.

Há palavras que conseguem materializar certas coisas, evocando-as. E eu gostava da ideia de não ser anglo-isto ou afro-aquilo. Sou afropeu. Ambos, juntos como um. Sou uma mistura de todas essas coisas e todos nós somos, de alguma maneira, mestiços. "Afropeu" pareceu-me uma forma elegante de expressar isso numa palavra. 

A palavra surge a partir do trabalho da artista belgo-congolesa Zap Mama. Servia para descrever a sua música, a fusão de diferentes estilos num som coeso. Depois, percebi que a palavra começou a ser usada como uma espécie de marca e que passou a meter diretores de arte e fotógrafos de moda .

Ao tentar aplicá-la a experiências de vida, a palavra desfez-se. Na realidade, a viagem do livro sou eu a perceber que esse conceito se estilhaçou em mil pedaços e, depois, a tentar montar tudo de novo, como um mosaico que celebra o quão desigual tudo é, com as suas complexidades e lacunas, mas que também é coerente, apesar de não ser o que idealizei no início. No final, descrevo isso como uma "bricolage de negritudes". É como se o livro fosse um falhanço feliz.

Viajou pela Europa, de Bruxelas a Moscovo, passando por Estocolmo e Lisboa, durante seis meses. Encontrou mais exemplos dessa coesão que refere ou de conflito, atrito e resistência?

Para ser sincero, encontrei muito de ambos, mas basta ir às redes sociais para encontrar trolls que acham que não é possível ser europeu e negro. É uma maneira tão simplista de ver as coisas. A minha mãe é branca, o meu avô lutou atrás das linhas do inimigo na II Guerra Mundial. A minha família passou por muitos dos indicadores tradicionais de "europeidade" que as pessoas adoram louvar, mas eu, por causa da tez da minha pele, já não posso ser europeu? É tão redutor, tão ridículo, que "europeu" ainda seja sinónimo de "branco". Ainda há essa resistência.

O conceito de branquitude é muito frágil?

Sim, especialmente neste momento. É interessante entender como as noções de branquitude foram mudando ao longo do tempo. A certo ponto, se fosses judeu não eras branco. A Europa moderna foi buscar noções de branquitude à Grécia Antiga, mas se hoje fores um grego na Suécia talvez já não sejas branco o suficiente. 

Durante muito tempo os irlandeses não foram admitidos dentro da categoria de "branco", os nómadas roma ainda não são. Até pessoas que se acham brancas são, muitas vezes, impedidas de participar na ideia de "branquitude". No Reino Unido, até ao início dos anos 1970, havia sinais à porta dos pubs a dizer "interdita entrada a negros, cães e irlandeses". E é assim que funciona a supremacia branca: é algo em constante movimento que tem de descartar certas pessoas para criar uma elite apurada.

Isso torna-me muito consciente da fluidez do conceito "afropeu". Não quero ser demasiado prescritivo sobre quem é ou não afropeu, porque é algo que está constantemente a fazer-se e a refazer-se. Tem que funcionar como antítese para um absolutismo étnico.

Portugal | LUTAS LABORAIS OPORTUNAS

Carvalho da Silvaª | Jornal de Notícias | opinião

Um conjunto de lutas sindicais e laborais vêm-se desenvolvendo em vários setores de atividade. Tiveram, na última quinta feira, a sua expressão pública mais forte numa grande manifestação da CGTP - Intersindical Nacional. As suas reivindicações focaram-se na necessidade do aumento dos salários e das pensões de reforma, contra o empobrecimento de quem trabalha e pelo reforço dos serviços que devem garantir a prestação dos direitos fundamentais a todos os cidadãos. São temas no cerne de qualquer debate sério sobre o desenvolvimento da sociedade portuguesa.

O atual quadro político convoca entrosamento entre as agendas social e política e muita atenção ao mundo do trabalho. Precisamos de: i) mobilização social ampla que mexa com as agendas dos partidos, forçando clareza na política; ii) empenho da academia na construção de análises críticas sobre os grandes problemas; iii) uma comunicação social que reduza espaços de show off e entretenimento estupidificante e crie outros de análise qualificada sobre grandes temas; iv) empresários que avaliem seriamente as reivindicações laborais e assegurem a participação dos trabalhadores nas mudanças e modernização, garantindo-lhes contrapartidas reais; v) um governo com qualidade (está ausente em várias áreas), com liderança, e com coesão feita da ação articulada dos ministérios e não de jogos palacianos.

Estes dias houve sinais políticos a merecerem particular atenção. Primeiro, a confirmação de que os impactos da guerra na Ucrânia estão longe de ser percecionados (António Costa avançou que "a inflação vai continuar"), mas também de que são as realidades concretas de cada país que determinam o êxito ou fracasso dos governos e seus líderes.

Segundo, parece continuarmos a ter e a proteger empresários especialistas em negócios privados com dinheiros públicos e a ter governantes ou ex-governantes distraídos.

Terceiro, o presidente da República (PR) condecorou o ex-presidente Cavaco Silva "pela inclusão social ao serviço dos portugueses" a propósito da vida da Associação EPIS, criada em 2006, que teve como primeiro líder um banqueiro com graves problemas com a justiça (recentemente falecido) e cuja ação global muito pouco trouxe ao combate pela inclusão.

Quarto, o Congresso do PSD não nos apresentou qualquer programa sustentado para o desenvolvimento do país, mas no plano social a receita é convergente com práticas do PR: o assistencialismo caritativo.

Temas para dar respostas às reivindicações dos trabalhadores e resolver entropias que peiam o nosso futuro, estão aí. O Acordo de Política de Rendimentos tem de incluir uma estratégia de crescimento dos salários (e atualizações relativas a 2022 que atenuem as perdas provocadas pela inflação) e a valorização dos contratos coletivos, ou não passará de uma fraude.

Da Agenda do Trabalho Digno reclamam-se respostas para reequilíbrio e revitalização do sistema de relações laborais, valorização da contratação coletiva, combate às desigualdades e à precariedade. A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza tem de assentar no princípio de que nenhum cidadão deve ficar na dependência da caridade alheia, sob pena de se retirar dignidade a uma grande parte dos portugueses. E espera-se que a discussão da sustentabilidade da Segurança Social não vá beber, direta ou indiretamente, nas receitas do FMI ou fragilizar o seu caráter solidário e universal.

Saudemos e apoiemos as lutas laborais.

*Investigador e professor universitário

Portugal | O SALVADOR

Henrique Monteiro | Henricartoon

Portugal | O RANKING DO TRICICLO

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião

Então, as crianças pobres perderam e as ricas ganharam, não foi? Uau! Que grande novidade. Parabéns à prima. E um amendoim, vai? A comunicação social que amplifica e reproduz estas patranhas devia cobrir a cara de vergonha, o corpo de alcatrão e sair da cidade. A sério? Prestarem-se a ser meros braços armados de interesses particulares e fazerem-lhes propaganda descarada? Ainda por cima, pisando no trabalho duro de tanto professor e guetizando ainda mais tanto miúdo.

Caramba! Que sentido faz, a corrida entre um Ferrari e um triciclo? Se o triciclo se esforçar, pedalar à força toda vai ganhar, acham?

Os rankings (só usar este nome já diz quase tudo sobre o que se pensa sobre a educação) não passam de um instrumento ao serviço de uma agenda política para beneficiar a escola privada em detrimento da pública. Como se não bastasse, trata-se de algo completamente distorcido, enviesado, uma aberração. As escolas são completamente diversas, uma é Ferrari, outra triciclo, e não é por fazerem estas ridículas comparações que se eclipsam os constrangimentos económicos, sociais, geográficos e a prática dos colégios de escolherem os seus alunos conforme o pedigree. Ou alguém acredita que o Colégio do Rosário vai aceitar crianças da Cova da Moura (mesmo que pagassem)? Aliás, basta atentar no que se passa nas universidades - a esmagadora maioria com qualidade é pública. Porque simplesmente seleciona os seus alunos pelas médias.

Os rankings (só usar este nome já diz quase tudo sobre o que se pensa sobre a educação) não passam de um instrumento ao serviço de uma agenda política para beneficiar a escola privada em detrimento da pública.

O ensino privado tem, em muitos casos (mas não em todos, como é mediaticamente metralhado), resultados melhores porque faz uma concorrência desleal. Recruta e recebe alunos por castas, com apoio escolar em casa e explicações, transporte à porta e instalações de primeira. Como se não bastasse, embora os rankings pretendam passar uma imagem de sacrossanta objectividade, de um facto comprovado, encerram grande aleatoriedade, pois os seus principais indicadores - alunos e professores - estão sempre a mudar. Não mora aqui pinga de ciência (basta aliás comparar com as classificações das universidades e o PISA). Há apenas um negócio - uma repetida e gigante promoção. De resto, a Nova SBE compilou dois rankings das escolas secundárias. Um que apenas considera as médias nos exames nacionais. Outro que leva em conta as origens sócio-económicas dos alunos. No primeiro, nas 60 primeiras posições, só 7 são públicas. No segundo, nas 60 primeiras posições, só 3 são privadas. Entendido?

Abram a pestana. Se são os rendimentos que garantem acesso aos colégios, qual é dúvida que é de privilégio que se trata?! Estas classificações batoteiras malsinam que a escola pública é facilitista e o eduquês a sua linguagem quando, na verdade, só servem para destacar qual é o colégio que dá melhores notas. Querem fazer do povo o que Eusébio Tamagnini, Ministro da Instrução Pública de Salazar, sentenciava: "8% são ineducáveis; 15% estúpidos e 60% têm uma inteligência média", é isso? Esquecem-se é que foi a escola pública e não a privada o principal garante do nosso desenvolvimento. Fez-nos passar de 30% de analfabetismo, em 1974, para uma percentagem residual. Enfim, atacam-na por dinheiro e porque desejam uma escola do Estado moribunda e um povo iletrado. Que crime.

*Psicóloga clínica. -- Escreve de acordo com a antiga ortografia

Portugal | PS E DIREITA CHUMBAM DIREITOS DO TRABALHO

A reposição dos valores do trabalho suplementar, a eliminação da caducidade da contratação colectiva e o cumprimento efectivo do horário foram algumas das matérias chumbadas esta manhã no Parlamento.

Um dia após a manifestação da CGTP-IN, onde milhares de trabalhadores, reformados e pensionistas reclamaram condições de vida dignas, a começar pela devida valorização dos salários e das pensões, o PS chumbou uma boa parte das propostas que podiam ajudar a equilibrar as relações de trabalho e aumentar o salário dos trabalhadores e que o Governo não quis incluir na chamada Agenda para o Trabalho Digno. 

A reposição dos valores do trabalho suplementar foi uma das propostas votadas na Assembleia da República, ao final da manhã. Recorde-se que o governo do PSD e do CDS-PP, com a intervenção da troika, foi o autor do corte de 50% no pagamento do trabalho suplementar, do trabalho em dia feriado ou em dia de descanso semanal, situação que vigorou desde 2015. Desde então, apenas a contratação colectiva garante o pagamento sem redução. No entanto, «várias empresas têm incumprido a lei e negado o pagamento do trabalho suplementar, em dia de descanso semanal ou em dia feriado sem redução de 50% do seu valor», lê-se no diploma dos comunistas, rejeitado hoje com os votos contra de PS, PSD e IL.

A tripla manteve o sentido de voto nos projectos de lei com vista a um efectivo cumprimento dos horários de trabalho, de forma a garantir a conciliação do trabalho com a vida pessoal e familiar, revogando mecanismos de adaptabilidade e bancos de horas, bem como a reposição do tratamento mais favorável para o trabalhador e a eliminação da caducidade das convenções colectivas, factor-chave para o aumento dos salários no sector privado, a qual mereceu também o voto contra do Chega.

Esta sexta-feira foi também aprovada na generalidade a proposta de lei do Governo para alterar a legislação laboral no âmbito da chamada Agenda para o Trabalho Digno, que «não resolve nenhum dos problemas de fundo» com que os trabalhadores estão confrontados, tal como afiançou recentemente ao AbrilAbril a secretária-geral da CGTP-IN, Isabel Camarinha. O documento contou apenas com o voto favorável da bancada do PS. PSD, Chega, BE, PAN e Livre abstiveram-se, IL e PCP votaram contra. 

AbrilAbril

JAPÃO: A MORTE DE UM BELICOSO NACIONALISTA

#Publicado em português do Brasil

Assassinado anteontem à noite, o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe fustigava China e Coreia e, revisionista, pregava o renascimento de um Japão imperial. Crime abre espaço para o atual líder Kishida, de mesma ideologia, se prolongar no poder

Bernhard Horstmann* | Outras Palavras | Tradução: Maurício Ayer

Anteontem à noite, um homem com uma arma desmontável matou o ex-primeiro ministro do Japão, Shinzo Abe.

Aderindo à tradição familiar, Shinzo Abe foi um japonês imperialista. Como Peter Lee escreveu sobre ele em 2013:

Mito: Shinzo Abe é um dos principais membros do time de democracias mundiais e asiáticas que lutam contra a China em nome de valores universais como “liberdade de navegação” e para ajudar a garantir a paz e a prosperidade compartilhadas na Ásia.  

Realidade: Shinzo Abe é um nacionalista revisionista que usa o atrito com a China para perseguir os interesses nacionais japoneses, colocar o Japão no lado direito de uma equação econômica de soma zero em oposição à República Popular da China, maximizar a independência de ação do Japão como nação hegemônica regional, na esperança de que seja de modo pacífico, mas se não for…

Missão para a mídia ocidental: Gerenciar a dissonância cognitiva entre o mito reconfortante e a realidade perturbadora para o bem de seus fiéis leitores.

Desafio: Explicar a visita do primeiro-ministro Abe, em 26 de dezembro de 2013, ao Santuário Yasukuni.

Alguns dos mais monstruosos criminosos de guerra Classe A da Segunda Guerra Mundial, que incluem o avô de Abe, foram enterrados no Santuário Yasukuni. O santuário e seu museu anexo extrapolam os limites para a maioria dos políticos japoneses. Mas Shinzo Abe o visitou com pompa e circunstância, porque ele partilhava da ideologia daqueles que estão enterrados lá:

As questões centrais do revisionismo histórico de Abe não eram apenas que os territórios da China e da Coreia, infestados de bandidos, exigiram a tutela japonesa nas décadas de 1930 e 1940, mas também que o Império Japonês naquele momento liderava a luta dos povos oprimidos da Ásia contra o colonialismo britânico e o imperialismo estadunidense – em outras palavras, o verdadeiro crime de guerra da Segunda Guerra Mundial foi a agressão dos EUA contra o Japão. Os Estados Unidos, e suas pretensões de superioridade moral sobre o Japão, bem como as presunçosas alegações da China e da Coreia de serem vítimas inocentes, eram o alvo da visita de Abe a Yasukuni.

Sua política de promover o militarismo e o conflito, especialmente com a China e com as duas Coreias, e ao mesmo tempo demonstrar simpatia pela Rússia, nasceram dessa ideologia.

A última passagem de Shinzo Abe como primeiro-ministro durou oito anos. Isso foi surpreendente, já que os primeiros-ministros no Japão raramente servem por mais de um ano. Requer qualidades especiais para sobreviver politicamente por um tempo tão extenso, e Shinzo Abe realizou isso. 

Crimes com armas no Japão são extremamente raros. Do punhado que acontece por ano, a maioria ocorre entre grupos rivais da máfia japonesa, a Yakuza.

A polícia japonesa provavelmente descobrirá que o atirador era um “indivíduo solitário”. Pode muito bem ser verdade, mas certamente haverá outros que se beneficiarão com o incidente. Como William Pesek escreve no Asia Times:

Embora os motivos e as implicações de longo prazo deste ataque sejam impossíveis de avaliar, uma dinâmica política pode ter sido alterada: o primeiro-ministro Fumio Kishida pode agora ter um maior espaço para permanecer no gabinete além do marco de um ano, que se completará em outubro.

Mesmo que o campo político de Abe o negue, Tóquio estava alvoroçada com as conversas de que Abe, que renunciou em setembro de 2020, poderia querer entrar no ringue para disputar um terceiro mandato como líder. Abe foi primeiro-ministro de 2006 a 2007, depois de 2012 a 2020.

Abe vinha desempenhando um papel de grande influência política nos bastidores desde que renunciou. Havia grande especulação de que ele estava infeliz com o recuo de Kishida em relação aos esforços que empreendeu de pactuar uma distensão com a Rússia de Vladimir Putin.

Abe também não gostava da visão de Kishida prometendo reformar, após longo tempo, a segunda economia da Ásia, subentendendo-se que a chamada “Abenomics” não teria conseguido colocar o Japão em uma rota mais vibrante.

Os primeiros-ministros japoneses não costumam durar mais de 12 meses. O mandato de oito anos de Abe foi totalmente atípico. Basta dizer que Kishida não precisará olhar por cima do ombro para o poderoso Abe do Partido Liberal Democrata (LDP). As eleições deste domingo para a Câmara Alta provavelmente darão a Kishida um controle mais firme sobre seu conflituoso partido, permitindo que ele emerja da sombra dos líderes do passado.

As políticas de Kishida estão de acordo com as de Abe. Ele quer um Japão fortemente militarizado que possa projetar seu poder para o exterior. Os EUA promovem isso, pois favorece suas políticas anti-China. Mas devem ter cuidado com o que desejam.

O Japão é uma potência nuclear latente, pois armazenou bastante urânio e plutônio:

O Japão tem 47,8 toneladas de plutônio reprocessado de alta sensibilidade, 10,8 toneladas das quais são armazenadas no Japão, o suficiente para fazer 1.350 ogivas nucleares. Além disso, o Japão também possui cerca de 1,2 tonelada de urânio altamente enriquecido (HEU) para reatores de pesquisa.

O país tem competência para lidar com esse material. Em uma situação de crise, poderia construir bombas nucleares rapidamente. O Japão tem veículos de carga de longo alcance devido ao seu programa espacial. Uma vez eclodido, um Japão revisionista seria um perigo, não apenas para seus vizinhos imediatos, mas para os próprios EUA.

China e ambas as Coreias ficarão aliviadas de que Shinzo Abe, o revisionista industrioso, se foi.

Eu me pergunto em qual santuário suas cinzas serão enterradas.

*Bernhard Horstmann é editor da mídia independente norte-americana Moon of Alabama.

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