domingo, 10 de julho de 2022

Portugal | O RANKING DO TRICICLO

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião

Então, as crianças pobres perderam e as ricas ganharam, não foi? Uau! Que grande novidade. Parabéns à prima. E um amendoim, vai? A comunicação social que amplifica e reproduz estas patranhas devia cobrir a cara de vergonha, o corpo de alcatrão e sair da cidade. A sério? Prestarem-se a ser meros braços armados de interesses particulares e fazerem-lhes propaganda descarada? Ainda por cima, pisando no trabalho duro de tanto professor e guetizando ainda mais tanto miúdo.

Caramba! Que sentido faz, a corrida entre um Ferrari e um triciclo? Se o triciclo se esforçar, pedalar à força toda vai ganhar, acham?

Os rankings (só usar este nome já diz quase tudo sobre o que se pensa sobre a educação) não passam de um instrumento ao serviço de uma agenda política para beneficiar a escola privada em detrimento da pública. Como se não bastasse, trata-se de algo completamente distorcido, enviesado, uma aberração. As escolas são completamente diversas, uma é Ferrari, outra triciclo, e não é por fazerem estas ridículas comparações que se eclipsam os constrangimentos económicos, sociais, geográficos e a prática dos colégios de escolherem os seus alunos conforme o pedigree. Ou alguém acredita que o Colégio do Rosário vai aceitar crianças da Cova da Moura (mesmo que pagassem)? Aliás, basta atentar no que se passa nas universidades - a esmagadora maioria com qualidade é pública. Porque simplesmente seleciona os seus alunos pelas médias.

Os rankings (só usar este nome já diz quase tudo sobre o que se pensa sobre a educação) não passam de um instrumento ao serviço de uma agenda política para beneficiar a escola privada em detrimento da pública.

O ensino privado tem, em muitos casos (mas não em todos, como é mediaticamente metralhado), resultados melhores porque faz uma concorrência desleal. Recruta e recebe alunos por castas, com apoio escolar em casa e explicações, transporte à porta e instalações de primeira. Como se não bastasse, embora os rankings pretendam passar uma imagem de sacrossanta objectividade, de um facto comprovado, encerram grande aleatoriedade, pois os seus principais indicadores - alunos e professores - estão sempre a mudar. Não mora aqui pinga de ciência (basta aliás comparar com as classificações das universidades e o PISA). Há apenas um negócio - uma repetida e gigante promoção. De resto, a Nova SBE compilou dois rankings das escolas secundárias. Um que apenas considera as médias nos exames nacionais. Outro que leva em conta as origens sócio-económicas dos alunos. No primeiro, nas 60 primeiras posições, só 7 são públicas. No segundo, nas 60 primeiras posições, só 3 são privadas. Entendido?

Abram a pestana. Se são os rendimentos que garantem acesso aos colégios, qual é dúvida que é de privilégio que se trata?! Estas classificações batoteiras malsinam que a escola pública é facilitista e o eduquês a sua linguagem quando, na verdade, só servem para destacar qual é o colégio que dá melhores notas. Querem fazer do povo o que Eusébio Tamagnini, Ministro da Instrução Pública de Salazar, sentenciava: "8% são ineducáveis; 15% estúpidos e 60% têm uma inteligência média", é isso? Esquecem-se é que foi a escola pública e não a privada o principal garante do nosso desenvolvimento. Fez-nos passar de 30% de analfabetismo, em 1974, para uma percentagem residual. Enfim, atacam-na por dinheiro e porque desejam uma escola do Estado moribunda e um povo iletrado. Que crime.

*Psicóloga clínica. -- Escreve de acordo com a antiga ortografia

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