sexta-feira, 5 de maio de 2023

Angola | LIBERDADE DE ESTABELECER E INTERESSE PÚBLICO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa é comemorado amanhã* sob o lema “Jornalismo sob Cerco Digital” que é como quem diz falsas notícias nas redes sociais e redacções povoadas de escribas pagos à linha, letra a letra. O objectivo devia ser alertar os jornalistas para a galopante perda de credibilidade do sector e da profissão por erros próprios. 

A democracia está em risco porque ainda se fala de algo que já não existe (liberdade de imprensa), desde que a notícia passou a ser uma mercadoria e o espaço uma fonte de rendimentos, vital para as empresas jornalísticas, sejam quem forem os donos. Os Media do sector empresarial do Estado não precisam dessas negociatas para viver. Se entrarem no difícil comércio das palavras e do espaço é por vontade própria e não por necessidade. 

No neoliberalismo reinante temos de falar em liberdade de estabelecimento. Quem quiser e puder, abre um jornal, uma rádio ou um canal de televisão, desde que cumpra as leis. E esta “liberdade” já não é pouco! No que diz respeito ao audiovisual, dadas as especificidades do sector, a liberdade de estabelecimento chama-se contrato de concessão. Mas a Lei da Publicidade tem de ser muito clara e intransigente, no que diz respeito às janelas da publicidade, sobretudo quando estão em causa obras de arte como filmes, documentários ou peças de teatro. A finitude do espectro radioeléctico também conta. Há vida para além da Internet.

O “digital” é amigo do Jornalismo. Muito amigo mesmo. O “cerco” das redes sociais só existe porque os poderes (político e económico) precisam dele para destruírem o Jornalismo e rebaixarem ainda mais os jornalistas. De arautos da Liberdade de Imprensa passámos a “rapazes dos jornais” assalariados. Há muito tempo! Depois papagaios com penas coloridas de artistas da rádio. Finalmente vedetas da televisão reduzidas à miserável condição de entreter o pagode. Neste quadro tenebroso, William Tonet é o melhor do mundo e Reginaldo Silva vale ainda mais. 

Os chamados crimes por abuso da liberdade de imprensa são castigadas com bagatelas penais e muitas vezes as penas são suspensas. O Rafael Marques, condecorado do Presidente João Lourenço, rouba a Honra de quem lhe apetece, até do Venerando Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo. Excelente. Aplausos ao ladrão!

Os poderes instituídos (político e económico) acossam, permanentemente, a mais alta figura do Poder Judicial. Assim, sob pressão, ele faz o que lhe mandam ou é trucidado. Isto acontece em Washington, Londres, Paris, Berlim, Bruxelas, Lisboa ou Madrid. Em Luanda acontece às vezes. Depende dos titulares e da sua disponibilidade para colaborar. Falar em liberdade de imprensa nestas circunstâncias é piada de mau gosto.

Angola teve muitos jornais que eram espaços de liberdade. E jornalistas excelentes. Recordo “O Mercantil” cujo director e proprietário era o jornalista José Pinto da Silva Rocha devidamente acompanhado pelo jornalista Urbano de Castro. O mesmo “capitão da imprensa” lançou mais tarde o “Notícias de Loanda”, com o subtítulo Á Sahida do Bengo. Foi arrasado pelo governador e deportado para Jixitu, hoje conhecida como Egito e lá morreu sozinho e amargurado.

No dia 7 de Julho de 1878 nasceu o “Jornal de Loanda” fundado por Alfredo Troni. Tinha tipografia própria por isso o governador não conseguiu destruí-lo. Dez anos depois publicou o celebérrimo jornal “Mukuarimi” (o maldizente?). As oficinas gráficas do Bungo passaram a chamar-se Typographia do Mukuarimi. Nestes periódicos colaborou Ladislau Batalha, grande combatente pela República.

Em 12 de Novembro de 1881 nasceu o “Echo de Angola”. Foi o primeiro jornal exclusivamente propriedade de angolanos e cuja Redacção era composta também por jornalistas africanos negros. Entre os seus redactores estava José de Fontes Pereira, justamente considerado um mestre do jornalismo luandense do último quartel do século XIX.

Arantes Braga, um angolano também negro, é fundador do jornal “Pharol do Povo”, subtítulo Folha Republicana. Foi o primeiro jornal de Angola que em plena monarquia, se declarou defensor dos ideais republicanos. Aqui trabalhava Pedro da Paixão Franco, o príncipe do Jornalismo Angolano

Júlio Lobato fundou em 1908 o jornal “A Voz de Angola” que tinha como legenda: Libertando pela Paz; Igualando pela Justiça; Progredindo pela Autonomia. Um arauto do moderno Nacionalismo Angolano que deu o MPLA. Todos estes jornais eram espaços de liberdade. Os seus jornalistas exerciam superiormente a Liberdade de Imprensa. 

E hoje? Escreve-se sem “h”. Mataram as notícias e reportagens. As entrevistas são fretes asquerosos. As regras básicas do Jornalismo são esmagadas em nome do “interesse público” um truque hediondo que está a destruir a credibilidade dos jornalistas. 

Sempre que os profissionais da comunicação social vão para a cama com polícias, agentes do Ministério Público ou magistrados judiciais publicam tudo como se fossem cães de palha, sem respeito pelos critérios que suportam os conteúdos comunicacionais. Como estão a cometer crimes invocam o “interesse público” e já está.

 Como amanhã se comemora o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa venho mais uma vez lembrar isto: Quando está em causa a honra, o bom nome e a consideração social de pessoas e instituições, não basta reproduzir o que diz o Ministério Público e as polícias. Não podemos construir notícias com factos falsos, soprados por mafias organizadas ao serviço de poderes ilegítimos. Então que fazer? Primeiro. O jornalista tem de reputar os factos como verdadeiros. Mas para isso é obrigatório ouvir todas as partes. Só no fim da linha pode invocar o interesse público. Caras e caros jornalistas. Ponham a mão na consciência e digam se esta tem sido a prática universal e particularmente em Angola. 

O Grupo Parlamentar da UNITA respondeu ao desafio de Virgílio de Fontes Pereira, para que seja promovido o diálogo permanente com todas as forças políticas e com a sociedade. Os sicários da UNITA já responderam: Então agendem nos próximos 30 dias a conclusão do pacote autárquico! Não percam tempo. A associação de malfeitores do Galo Negro nem sabe o que é isso de diálogo. O máximo de que são capazes é queimar mulheres vivas nas fogueiras da Jamba, reproduzidas em todo o país. 

*Jornalista

* Publicado só hoje (5/5), data posterior à efeméride. Por responsabilidade da redação PG. Apresentamos as nossas desculpas.

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