quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Angola | Sucesso por Geração Espontânea – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Um camarada de profissão analisou o mundo desportivo angolano e particularmente o futebol. Concluiu que o sucesso vem por geração espontânea. Cada cabeça, sua sentença. Se fosse eu o autor do texto escreveria que o fomento desportivo entre nós é à balda. Ou todos ao molho e fé em Deus. Só não é diferente porque os agentes desportivos não querem. No início dos anos 60, era Angola uma colónia, Luanda e outras províncias do litoral tinham campeonatos para as camadas jovens. Na capital, o professor Daniel Leite promovia o desporto escolar em várias modalidades, sobretudo futebol e atletismo.

No Uíge existia o complexo desportivo que inclua uma quadra para patinagem e piscina. No Negage ringue de patinagem e o velho campo de futebol nas traseiras da serração Santex. Professores de educação física, nem um. Mesmo em Luanda, o Liceu Salvador Correia tinha apenas dois professores. A Escola Industrial e a Escola Comercial tinham um, cada. Estádio, só o dos Coqueiros. Pavilhões gimnodesportivos, o luxuoso do Sporting de Luanda, o mais pobrezinho do Benfica, a quadra do Atlético e o quintal da Liga Africana onde o Simões fabricava campeões de basquetebol do Vila Clotilde. O complexo da Cidadela só apareceu no início dos anos 70. Desporto escolar acontecia no meio desta pobreza.

Mas existia. As provas das camadas jovens existiam. O grande dinamizador do desporto jovem foi o Mais Velho Demóstenes de Almeida. Com ele nada era de geração espontânea. Tudo passava por muito esforço, muito trabalho e muita disciplina. Treinar todos os dias com afinco. Melhorar, melhorar sempre a técnica e o físico fosse no atletismo, no futebol, no hóquei ou no basquetebol. Estas modalidades exigem muito trabalho, nada acontece por geração espontânea. 

No basquetebol feminino Angola conquistou o honroso título de campeã nacional. Este “nacional” incluía também Portugal. As basquetebolistas do Lubango e do Benfica de Luanda eram as melhores do mundo. Muito trabalho, muita prospecção, muito treino. No hóquei em patins Angola atingiu níveis supremos. Primeiro o Desportivo de Lourenço Marques arrebatou todos os títulos nacionais e internacionais. Depois os hoquistas angolanos deram cartas e continuam a dar. Muito trabalho de base há muitas décadas. 

Benfica, Sporting, Ferroviário e BCA (equipa de um banco) tinham atletas de eleição. Mas não chegaram ao topo por geração espontânea. Muito trabalho, muito sacrifício, muito treino. A província do Namibe era uma espécie de viveiro dos melhores hoquistas!

O Jornalismo Desportivo Angolano tinha um nível supremo. E isso ajudou ao fomento do desporto. Aníbal de Melo, Luís Alberto Ferreira ou Rebelo Carvalheira foram referências no sector. Hoje temos muitos mais jornalistas e de elevado nível. Não é por aqui que o desporto angolano está entregue à geração espontânea. 

Depois da Independência Nacional técnicos de atletismo elevaram o basquetebol, e o hóquei em patins a níveis continentais e mundiais. O andebol feminino igualmente. Muito trabalho, muita prospecção, muito sacrifício, muito suor. Andamos por aí e chocamos com miúdos do futebol de rua com qualidades excepcionais. Perdem-se na rua. Apesar das escolas que já temos.

Os grandes clubes não apostam nas camadas jovens de uma forma decisiva. E aí vem a geração espontânea. Temos dezenas de técnicos e professores de educação física. Mas nem assim saímos da geração espontânea. Temos equipamentos desportivos de elevada qualidade. Tudo para a geração espontânea. Os nossos jovens talentosos perdem-se no pântano da mediocridade desportiva. Porque a geração espontânea não dá mais do que isso.

O problema é que se olharmos para a realidade nacional concluímos que é tudo por geração espontânea. O Executivo resulta da geração espontânea. Os deputados que integraram as listas dos partidos foram escolhidos por geração espontânea. É justo reconhecer que alguns parlamentares do MPLA têm categoria excepcipnal. Uma flor no pântano da mediocridade. Até os cactos dão flores.

Os Media mergulharam na mais apagada e vil tristeza. Abaixo, muito abaixo da mediocridade. O Jornalismo Desportivo rema contra essa maré, que ameaça afogar-nos a todos. Não chega. É muito pouco.

A TPA exibe diariamente, 24 horas sobre 24, buracos técnicos medonhos. Desde que entraram em funcionamento as novas técnicas, ainda não conseguiram sincronizar o som com a imagem. Realizadores que só conhecem um plano exibem alegremente a sua incapacidade. Pivôs sem ofício nem oficina. Está tudo nas mãos da geração espontânea. Há uma inquietante e inaceitável interferência do chefe Miala nas políticas editoriais mas também no entretenimento e na publicidade. Negócios.  Muito pior do que geração espontânea. Os polícias na comunicação social têm uma acção devastadora. Em seis anos ainda não perceberam.

A Imprensa está reduzida às publicações da Empresa Edições Novembro. Por razões éticas (trabalhei lá oito anos seguidos…) não me vou pronunciar. Mas espero que ninguém me leve a mal se disser que estão a resvalar para a geração espontânea. Por razões que desconheço e não compreendo, jovens profissionais de altíssima categoria estão na prateleira, que é o único sítio onde os jornalistas não dão nada.

Também não vou pronunciar-me sobre a Rádio Nacional onde deixei um Manual de Rádio Jornalismo e um Livro de Estilo. Um Gabinete de Formação Permanente. Mas é com grande inquietação que detecto falhas gravíssimas no edifício sonoro. A Rádio Eclésia é chinfrim e tudo o resto funciona por geração espontânea. A LAC é excepção.

É neste quadro desportivo, mediático e político que o Presidente João Lourenço vai prestar vassalagem à múmia apodrecida da Casa Branca. Quando a geração espontânea chega à Presidência da República, estamos prontos para regressar aos anos longínquos dos sobados.

Mil vezes piores estão os portugueses. Está em construção, tijolo a tijolo, o regresso do fascismo ao poder, mesmo às portas dos 50 anos do 25 de Abril. A Revolução dos Cravos morreu no dia 25 de Novembro de 1975. Assassinada às mãos de Mário Soares, o pai da geração espontânea na política à portuguesa.

* Jornalista

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