segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Portugal | NORMALIZAR O CHEGA É NORMALIZAR A XENOFOBIA E A VIOLÊNCIA

Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião

O Presidente da República afirmou o seu "repúdio indignado por um ato que traduz xenofobia e intolerância inaceitáveis" e o que devemos exigir dele e dos restantes democratas é que deixem de tratar com paninhos quentes quem promove a xenofobia e a intolerância. A agressão a um jovem imigrante nepalês, feita por um grupo de jovens portugueses racistas e xenófobos, não aparece do nada. Há um discurso político que se repete à exaustão e que descreve estes imigrantes como personae non gratae, pelo que a existência de pessoas que se sentem no direito de os tratar como não-humanos é uma consequência desse discurso.

"Revolve-me as entranhas quando comparam a nossa antiga emigração à nossa atual imigração", afirmou André Ventura, na última Convenção do Chega. Num passado recente já tinha dito que "a imigração islâmica é um perigo para Portugal, é um perigo sobre as nossas mulheres e sobre as nossas cidades". E, em Lisboa, o deputado municipal do Chega Bruno Mascarenhas acusou os imigrantes que "invadem o país e a nossa cidade, aproveitando-se da nossa boa vontade, e ainda abusam porque conseguem que lhes paguemos casa, comida e ainda damos dinheiro".

Qualquer pesquisa num motor de busca com apenas duas palavras (Chega e imigrantes) nos revela de imediato de que é feito este partido. Não é o que foi dito uma ou outra vez, é um discurso que se repete como estratégia para ganhar votos pelo medo, promovendo um discurso de ódio que pode terminar, como aconteceu agora em Olhão, em violência física. Sem surpresa nenhuma, porque a violência é a marca de água da extrema-direita.

Haver quem, no PSD, admita qualquer tipo de negociação com um partido que promove o racismo e a xenofobia, mostra o estado em que se encontra o maior partido da oposição. E não é de agora, a anterior liderança também apostou na ambiguidade e aceitou deixar o governo regional dos Açores preso a um acordo feito com o Chega. Pagamos caro por isso, porque um governo cansado e desgastado precisa de alternativa, mas um partido que aceita o racismo e a xenofobia como mal menor para derrubar o governo socialista de António Costa precisa é de encontrar alternativa para si próprio.

O papel da comunicação social não pode, igualmente, assentar numa ambiguidade. O respeito pelas regras da profissão, designadamente o dever de não contribuir para a normalização do discurso de ódio, não concorre com a ambição das melhores audiências. Não há jornalismo sem regras, nem jornalismo com boas audiências sem ser bom jornalismo, sendo que há grandes audiências no entretenimento, mas, lá está, nem sequer estamos a falar de jornalismo. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que há bem pouco tempo deu de si própria uma triste imagem ao sugerir que a SIC compensasse a ausência de Ventura num programa de entretenimento com a presença do líder do Chega noutro programa, daria uma prova de vida se passasse a monitorizar a quantidade de vezes que a comunicação social, com o falso argumento de ser isenta e pluralista, publicita o discurso racista e xenófobo do partido de André Ventura. Em nome da necessidade inquestionável de pluralismo e isenção, o discurso político do Chega deve ter espaço na comunicação social, mas isso não pode nunca significar que o discurso de ódio contra determinadas nacionalidades, etnias ou raças passe incólume. Um dia vamos estar a falar de mortes e toda a gente vai sacudir a água do capote.

*Jornalista

Portugal |TRINTA E CINCO METROS QUADRADOS

Pedro Candeias, editor de sociedade | Expresso (curto)

Bom dia,

Levante-se, dê dez passos em frente e a seguir oito à direita, faça o caminho inverso, primeiro para trás e depois para a esquerda, até voltar ao ponto de partida completando um retângulo imaginário.

Parabéns. Acabou de calcular aproximadamente 35 m2, a dimensão média de um apartamento T0, onde cabem uma sala, uma cozinha, uma casa de banho e – no mundo ideal – um ou dois moradores, três no máximo. Nunca dez e muito menos vinte e dois, precisamente o número de residentes do rés do chão na Mouraria que ardeu, ferindo 14 deles e matando dois, um deles um adolescente de 14 anos.

Eram, dizem as notícias, todos eles imigrantes asiáticos que viviam e dormiam encostados e acotovelados uns nos outros e que trabalham não se sabe bem no quê. Os vizinhos já tinham dado por ela; na verdade, naquela zona não faltam casos destes e casas assim, cheias de gente em condições indignas, permeável aos subarrendamentos selvagens e à agiotagem.

Há por ali um esquema de rendas e de moradas falsas.

Ora, o fogo foi um acontecimento extraordinário, sim, mas nada do que se passava dentro daquelas quatro paredes surpreendeu alguém. Bastava espreitar pelas janelas: os pequenos apartamentos e os reduzidíssimos quartos lisboetas reconverteram-se em camaratas insalubres para imigrantes indostânicos, explorados por compatriotas que vieram à frente.

São os mesmos que abrem as mercearias aonde vamos, que transportam a comida que queremos e que nos transportam para onde queremos ir nas plataformas que usamos, e os mesmos que noutros sítios apanham os mirtilos e os morangos dos nossos pequenos-almoços. Mal-pagos, inseguros, alguns até escravizados, entorpecem-se com drogas.

O perverso, aqui, é que isto sucede na mesma capital frequentada agora pelos nómadas digitais de modos sofisticados, que aproveitam os seus salários para trabalhar em coworking e viver numa cidade que (ainda) lhes é barata.

E mais perverso ainda é olhar para os números: os estrangeiros investiram 403 milhões de euros na habitação em Lisboa no ano passado; na Freguesia de Santa Maria Maior, onde fica a Mouraria e onde fica o res do chão que ardeu, 83% do capital usado para comprar casas em 2022 proveio do estrangeiro.

Há algo de errado aqui, uma cidade dentro de outra cidade com diferenças cada vez mais acentuadas entre as duas, quase um lugar dickensiano, em que a Revolução Industrial foi substituída pela Revolução Digital que também vai deixando gente para trás. As Apps, os Bookings, os Uber, as fábricas de unicórnios, as Web Summit, os Airbnb e os altares-palco não são para todos.

PORQUE A TENTATIVA DE GOLPE DE ESTADO NAZI NA ALEMANHA CONTINUA TABU?

Suspeitas de agentes de serviços de segurança do Estado no 'golpe' de extrema-direita na Alemanha

Kit Klarenberg* | Internationalist 360º | # Traduzido em português do Brasil

Uma grande reação policial frustrou os planos extremistas de derrubar o governo da Alemanha. Mas o momento da trama e seu absurdo levantaram questões sobre o papel da segurança do Estado em instigá-la – algo visto muitas vezes no passado da Alemanha.

Na manhã de 7 de dezembro de 2022, os serviços de segurança da Alemanha realizaram a maior invasão policial de sua história, quando 3.000 policiais invadiram 130 propriedades em quase todo o país, além da Áustria e da Itália.

Quando a varredura policial terminou, 25 indivíduos haviam sido presos por conspirar para derrubar o governo alemão. Eles foram acusados ​​de conspirar para invadir o parlamento, prender legisladores e declarar a restauração da monarquia do país pela força, liderada pelo aristocrata Heinrich XIII Reuss.

No entanto, um exame mais detalhado da ação policial e seu momento levanta sérias questões sobre a legitimidade do suposto golpe e se o estado de segurança alemão desempenhou um papel em instigá-lo. Se assim for, isso se encaixaria no padrão histórico de infiltração do governo em movimentos extremistas desde o período pós-guerra. Em 2003, um tribunal alemão foi forçado a abandonar um caso contra um notório grupo neonazista quando determinou que a organização era pelo menos parcialmente, se não totalmente, controlada por ativos estatais.

Os suspeitos acusados ​​de conspirar para derrubar o governo da Alemanha fazem parte de um movimento conhecido como  Reichsbürger , ou Cidadãos do Reich. Diz-se que esse grupo rejeita a legitimidade da República Federal da Alemanha e afirma que o país não é de fato um estado soberano, mas uma corporação criada pelos EUA e pela Grã-Bretanha após a Segunda Guerra Mundial.

#  Polícia alemã invade 'grupo terrorista de extrema direita liderado por  #PrinceHeinrich  XIII' que planejava atacar o parlamento e derrubar o governo em golpe mortal' https://t.co/jON2u0FjXb

Eis o 4º Reich. Tenha medo, tenha muito medo! pic.twitter.com/sNuDrwwdkN

— DNS (@DubaiNameShame)  8 de dezembro de 2022

Esse é apenas um aspecto marcante de um evento tão repleto de elementos farsescos e manchetes clickbait que parece ter sido feito sob medida para gerar frenesi na mídia. Um chef gourmet famoso  recrutado para  “assumir as cantinas do novo Reich alemão” está entre os presos, assim como um ex-deputado do partido de direita Alternative für Deutschland (AfD). Assim como uma cidadã russa, namorada de Reuss,  que teria  contatado a embaixada de Moscou na Alemanha para discutir uma nova ordem mundial pós-golpe.

As autoridades claramente se propuseram a cortejar o intenso interesse das notícias, convidando grupos de jornalistas para documentar os ataques em tempo real, garantindo assim que os meios de comunicação em todo o mundo fossem quase instantaneamente cobertos com fotos dos conspiradores sendo escoltados algemados. Ao todo, 125 policiais foram destacados para cada suspeito levado para interrogatório – uma proporção obviamente extraordinária e excessiva.

Dada a velocidade com que os principais meios de comunicação alemães, como  Der Spiegel  , publicaram relatórios longos e detalhados sobre os ataques, alguns  até sugeriram que  certos artigos foram preparados antes da investida policial e que jornalistas e editores esperavam o dia há algum tempo. . Estranhamente, em um  tweet excluído desde  6 de dezembro, o jornalista da ARD Georg Heil previu fortuitamente: “Suspeito que haverá muitas notícias 'exclusivas' amanhã”.

Numerosos funcionários do governo  forçaram agressivamente a linha de  que os conspiradores “não são inofensivos, loucos”, e a mídia tratou o golpe  com a maior seriedade . No entanto, a emissora estatal alemã Deutsche Welle  admitiu  que o Reichsbürger não tinha nem mesmo uma perspectiva remotamente realista de derrubar o governo. De maneira mais geral, DW reconheceu, um golpe de estado “dificilmente teria sucesso na Alemanha”, pois “a ordem do estado e a constituição são sólidas demais”.

Embora apenas um punhado de armas tenha sido apreendido nas batidas policiais, a ministra do Interior, Nancy Faeser  , declarou que as já rígidas leis de armas  da Alemanha   serão ainda mais rígidas em resposta à insurreição supostamente frustrada. É quase certo que os serviços de segurança e inteligência de Berlim receberão recursos aprimorados para vigiar e assediar os cidadãos e suprimir a agitação também, uma vez que são altamente oportunistas em criminalizar a dissidência em momentos politicamente convenientes.

Em abril de 2021 , enquanto o governo alemão se preparava para impor restrições pandêmicas mais duras diante da  forte oposição  do público e de uma pluralidade de partidos políticos em todo o espectro político, o serviço de segurança interna de Berlim, conhecido como Bundesamt für Verfassungsschutz, ou BfV, estabeleceu uma nova categoria de monitoramento dedicada para oponentes do confinamento.

A agência argumentou que a oposição às ordens de bloqueio representava uma ameaça subversiva ao estado, mas que não se enquadrava nas categorias de preocupação pré-existentes, como extrema-direita, extrema-esquerda ou terrorismo islâmico.

A medida efetivamente proibiu toda a agitação anti-lockdown na Alemanha, enquanto classificava qualquer pessoa presa por tal atividade – das quais havia  milhares até aquele momento , apesar da decisão do Tribunal Constitucional da Alemanha  um ano antes  de que as restrições do Covid-19 não se estendiam a manifestações – seria ser culpado de esforços extremistas.

Também garantiu poderes expandidos e recursos burocráticos garantidos ao BfV, que os colocou em exibição em dezembro, quando derrubou o suposto plano de insurreição do Reichsbürger.

EM QUE CIRCUNSTÂNCIAS A RÚSSIA USARÁ ARMAS NUCLEARES SEM HESITAÇÃO?

Davor Slobodanovich Vuyachich | Katehon | # Traduzido em português do Brasil

Na chamada Discussão do Café da Manhã Ucraniano em Davos, em 19 de janeiro deste ano, o ex-primeiro-ministro do Reino Unido Boris Johnson afirmou com confiança que o presidente Putin nunca usará armas nucleares e que o Ocidente coletivo pode, portanto, continuar calmamente armando a Ucrânia com armas cada vez mais pesadas. armas para que possa derrotar a Rússia o mais rápido possível. Esta não foi a primeira e certamente não a última declaração irresponsável de Johnson, mas, infelizmente, ele não está sozinho em sua atitude frívola em relação às ameaças reais da eclosão repentina de um conflito nuclear e sua escalada descontrolada.

No mesmo dia, o vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia e ex-presidente da Federação Russa, Dmitry Medvedev, alertou que o eventual fracasso da Operação Militar Especial Russa poderia levar à eclosão de uma guerra nuclear. Esta não é a primeira vez que Medvedev, assim como várias outras autoridades russas, alertam sobre as possíveis consequências da insana guerra por procuração que os EUA vêm travando contra a Rússia através da Ucrânia desde 2014. Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, em no mesmo dia, disse que a Rússia faria de tudo para que os líderes da OTAN e da União Europeia "ficassem sóbrios" o mais rápido possível.

No início de dezembro do ano passado, o presidente Putin deu a entender que a Rússia poderia mudar formalmente sua doutrina militar e permitir a possibilidade de ser o primeiro lado a realizar ataques nucleares. Recordemos que até recentemente a Rússia aderiu ao princípio dos "ataques nucleares retaliatórios" como resposta a um possível ataque americano com as armas mais destrutivas, enquanto a doutrina militar americana sempre se baseou em "ataques nucleares preventivos". Infelizmente, a lógica é muito simples; quem atacar primeiro em uma guerra nuclear tem mais chances de sobreviver a esse conflito. No entanto, esta não é a principal razão para a mudança repentina na doutrina militar russa.

Como Boris Johnson, a maioria dos outros líderes políticos e militares ocidentais optou por ignorar completamente todos os avisos e considerar as linhas vermelhas russas um puro blefe. No entanto, se a Rússia não obrigar o regime nazista de Kiev a capitular, ou seja, se os objetivos originais de sua Operação Militar Especial não forem alcançados, a Rússia, consequentemente, deixará de existir. Nesse sentido, o Ocidente coletivo teria que considerar as linhas vermelhas russas com extrema seriedade. Essas três linhas vermelhas muito grossas são a união da Finlândia à OTAN, a tentativa das forças ucranianas de tomar a Crimeia e fornecer à Ucrânia caças a jato e sistemas de mísseis de longo alcance.

Pode-se esperar que o Ocidente comece entregas aceleradas de tanques para a Ucrânia nos próximos meses, no entanto, a Rússia tem sistemas antitanque mais do que eficazes e isso não representa uma grande ameaça à sua segurança. Quanto à eventual entrega de caças ou sistemas de mísseis de longo alcance para a Ucrânia, a liderança russa simplesmente não deve permitir porque isso seria o fim da Federação Russa. Quando a Rússia ameaça o Ocidente com o Juízo Final se essas entregas acontecerem, certamente não está blefando, mas enviando um aviso final!

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