Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião
O Presidente da República afirmou o seu "repúdio indignado por um ato que traduz xenofobia e intolerância inaceitáveis" e o que devemos exigir dele e dos restantes democratas é que deixem de tratar com paninhos quentes quem promove a xenofobia e a intolerância. A agressão a um jovem imigrante nepalês, feita por um grupo de jovens portugueses racistas e xenófobos, não aparece do nada. Há um discurso político que se repete à exaustão e que descreve estes imigrantes como personae non gratae, pelo que a existência de pessoas que se sentem no direito de os tratar como não-humanos é uma consequência desse discurso.
"Revolve-me as entranhas quando comparam a nossa antiga emigração à nossa atual imigração", afirmou André Ventura, na última Convenção do Chega. Num passado recente já tinha dito que "a imigração islâmica é um perigo para Portugal, é um perigo sobre as nossas mulheres e sobre as nossas cidades". E, em Lisboa, o deputado municipal do Chega Bruno Mascarenhas acusou os imigrantes que "invadem o país e a nossa cidade, aproveitando-se da nossa boa vontade, e ainda abusam porque conseguem que lhes paguemos casa, comida e ainda damos dinheiro".
Qualquer pesquisa num motor de busca com apenas duas palavras (Chega e imigrantes) nos revela de imediato de que é feito este partido. Não é o que foi dito uma ou outra vez, é um discurso que se repete como estratégia para ganhar votos pelo medo, promovendo um discurso de ódio que pode terminar, como aconteceu agora em Olhão, em violência física. Sem surpresa nenhuma, porque a violência é a marca de água da extrema-direita.
Haver quem, no PSD, admita qualquer tipo de negociação com um partido que promove o racismo e a xenofobia, mostra o estado em que se encontra o maior partido da oposição. E não é de agora, a anterior liderança também apostou na ambiguidade e aceitou deixar o governo regional dos Açores preso a um acordo feito com o Chega. Pagamos caro por isso, porque um governo cansado e desgastado precisa de alternativa, mas um partido que aceita o racismo e a xenofobia como mal menor para derrubar o governo socialista de António Costa precisa é de encontrar alternativa para si próprio.
O papel da comunicação social não pode, igualmente, assentar numa ambiguidade. O respeito pelas regras da profissão, designadamente o dever de não contribuir para a normalização do discurso de ódio, não concorre com a ambição das melhores audiências. Não há jornalismo sem regras, nem jornalismo com boas audiências sem ser bom jornalismo, sendo que há grandes audiências no entretenimento, mas, lá está, nem sequer estamos a falar de jornalismo. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que há bem pouco tempo deu de si própria uma triste imagem ao sugerir que a SIC compensasse a ausência de Ventura num programa de entretenimento com a presença do líder do Chega noutro programa, daria uma prova de vida se passasse a monitorizar a quantidade de vezes que a comunicação social, com o falso argumento de ser isenta e pluralista, publicita o discurso racista e xenófobo do partido de André Ventura. Em nome da necessidade inquestionável de pluralismo e isenção, o discurso político do Chega deve ter espaço na comunicação social, mas isso não pode nunca significar que o discurso de ódio contra determinadas nacionalidades, etnias ou raças passe incólume. Um dia vamos estar a falar de mortes e toda a gente vai sacudir a água do capote.
*Jornalista
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