sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Angola | O Elevado Preço da Ignorância -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A rebelião armada de Jonas Savimbi após a publicação dos resultados eleitorais, em 1992, causou mais estragos em Angola do que nos anos da Luta Armada de Libertação Nacional e na Guerra Pela Soberania e Integridade Territorial. Pela primeira vez desde 11 de Novembro de 1975 bandidos armados escorraçaram as populações das aldeias, que fugiram para as vilas. Depois os sicários do Galo Negro atacaram as vilas. Os habitantes fugiram para as cidades. Finalmente atacaram as cidades. Milhões de pessoas refugiram-se em Luanda e no eixo Lobito-Catumbela-Benguela-Baía Farta.

Equipamentos sociais importantíssimos para a qualidade de vida das populações foram destruídos. Edifícios do Estado, desde repartições públicas aos palácios dos governos distritais, foram arrasados a tiros de canhão. Circuitos de produção e distribuição refeitos entre 1988 e 1992 foram desmantelados e saqueados. Destruição total. No canal ferroviário do CFB os sicários da UNITA destruíram as pontes e pontecos. Fizeram o mesmo no Caminho-de-Ferro de Luanda e no Caminho-de-Ferro de Moçâmedes. Aeroportos destruídos. Estradas cortadas com a destruição das pontes. Não ficou pedra sobre pedra.

Os bandidos armados saquearam minas de diamantes. Colocaram engenhos explosivos nos trilhos que iam dar às lavras. Milhares de camponesas e camponeses morreram ou ficaram mutilados. Famílias que não conseguiram fugir mandavam as crianças para Luanda ou para os grandes centros do litoral. Desacompanhadas! Milhares e milhares. Já ninguém se lembra dos nossos Meninos de Rua. Concentravam-se junto dos hotéis que ainda funcionavam. Nos mercados e postos de venda na rua. As meninas andavam pelas ruas à procura de clientes. A Marginal (Avenida 4 de Fevereiro) era o centro da prostituição infantil.

Todos os esforços estavam concentrados em enfrentar os bandidos armados de Jonas Savimbi. As FAPLA foram extintas e as Forças Armadas Angolanas (FAA) só tinham oficiais. A Polícia de Intervenção Rápida teve que fazer o papel da tropa. Várias capitais provinciais foram ocupadas pelos bandidos armados. Milhares de civis foram massacrados pelos sicários da UNITA.

Os Meninos de Rua eram cada vez mais. A Igreja ajudou a resolver este problema gravíssimo. Grande ajuda! A Dra. Ana Paula dos Santos, Primeira-Dama, também se empenhou na solução do problema. Nos bairros, a população alojava e alimentava as crianças sem família. Solidariedade dos pobres aos mais pobres.

Em 1992, essas crianças tinham entre 5 e 12 anos. Em 22 de Fevereiro de 2002, quando o chefe dos bandidos armados morreu nas matas do Lucusse, Já tinham entre 15 e 22 anos. Muitos chegaram a adultos sem nunca terem ido à escola. Sem um lar. Sem família. Hoje têm entre 35 e 45 anos. São mães, pais, trabalhadores. Desempregados. Pedintes.

O jornalista Kumuenho da Rosa publicou um texto sobre o “preço da indiferença” e levanta problemas muito sérios que devem ser resolvidos urgentemente. Mas não atribui à rebelião armada de Jonas Savimbi a tragédia social que vivemos em Angola. Quando D. Alexandre do Nascimento implorou “ajudem-nos que perecemos!”  ele queria que a comunidade internacional não deixasse cair na marginalidade, na exclusão, na miséria moral e material, milhões de angolanas e angolanos.   

Marcolino Moco, primeiro-ministro, foi a Bruxelas participar numa conferência de doadores. Recusaram-se ajudar Angola a enfrentar a tragédia humana causada pelos bandidos armados de Jonas Savimbi. Mas tinham assumido esse compromisso. Como a UNITA perdeu as eleições, não cumpriram. Hoje estamos a pagar com juros altíssimos o preço dessa indiferença. 

Ao longo de décadas aprendemos a viver de esquemas para sobreviver. Foram mais os que sucumbiram do que aqueles que conseguiram. Enquanto não refizermos o tecido social estraçalhado pelos bandidos armados entre 1992 e 2002, não há progresso. Não há desenvolvimento. Não há liberdade. Porque não existem as condições concretas lhe dão espessura: Educação, Saúde, Trabalho, Habitação.  

O Presidente João Lourenço em 2017 desistiu de refazer o tecido social. Reconstruir mentalidades. Eliminar o défice de humanidade. Garantir condições dignas a todas e todos os angolanos. Embrulhou-se na aldrabice do combate à corrupção e os pobres ficaram ainda mais pobres enquanto os ricos, sejam marimbondos, caranguejos ou carrinhos, ficaram multimilionários. Estão cada vez mais ricos. Esse é o preço que temos de pagar pela indiferença com que são tratados os cidadãos mais vulneráveis.

O Executivo angolano participou, como observador, na reunião de Ministros das Relações Exteriores do G20 no Rio de Janeiro. A delegação de Angola foi chefiada pelo ministro de Estado para Coordenação Económica, José de Lima Massano. Não faltaram ataques traiçoeiros nas redes sociais. Dizem que Téte António, ministro das Relações Exteriores, foi castigado pelo Presidente João Lourenço. Custava alguma coisa esclarecer a opinião pública, explicando as razões que levaram à mudança? Nada. Eta facílimo explicar. Téte António está com o Presidente da República em Praga. 

Nos tempos que correm, Angola valoriza mais um país da OTAN (ou NATO) e da União Europeia do que a reunião do G20, presidido pelo Brasil, país que pertence à CPLP e aos BRICS. O Presidente Pavel teve o cuidado de elogiar Angola por se juntar à turma dos que seguem “regras” em vez de seguirem as Leis. Porque as tais regras são ditadas pelo estado terrorista mais perigoso do mundo e o poder político em Angola está de joelhos ante Washington. Venham as regras! Que se lixe a ordem jurídica mundial e o Direito Internacional Humanitário.

A Assembleia Nacional foi palco da Reunião Plenária Ordinária da Assembleia Parlamentar Paritária dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico (OEACP) e União Europeia (UE), no âmbito do novo Acordo de Samoa. A Presidente da Assembleia Nacional, Carolina Cerqueira, fez um discurso notável. Recomendou o fortalecimento da parceria entre povos. Apelou à criação de pontes. Que sejam abertos caminhos para fortalecer a nova dinâmica das relações paritárias. E apelou à criação de um padrão a ser seguido universalmente para valorizar a dignidade humana. Tratados. Acordos. Leis. 

Cito Carolina Cerqueira; "Estou convicta que fizemos História e lançámos novos alicerces na parceria paritária assente numa nova estrutura institucional, mas que mantém o mesmo foco, a mesma coesão e a mesma determinação de fazer com resiliência cada vez mais e melhor a favor dos nossos povos”. Nunca será elogiada por não aceitar as “regras” no lugar da ordem jurídica Internacional.

Hoje faleceu Artur Jorge, craque do futebol português, rei dos golos na Académica, no Benfica e no Belenenses. Perdi um grande amigo. Quando era futebolista da Académica fizemos juntos exames do sétimo ano no Liceu Salvador Correia, em Luanda.

Já treinador do Futebol Clube do Porto reencontrámo-nos na Corunha, quando a sua equipa participou no Troféu Tereza Herrera. Depois, com Monteiro Pinho e Hélder Bandarra, lançámos a revista “Dragões” do Futebol Clube do Porto. Convivíamos todos os dias. Mais tarde fazíamos almoços no Freitas, restaurante na margem da barragem de Crestuma, com o jornalista Eugénio Alves. No tempo do sável nunca falhámos.

Artur Jorge foi o primeiro treinador português a ganhar uma Taça dos Campeões Europeus. Hoje um jornalista da CNN Portugal fez o seu perfil. Disse que Artur Jorge se licenciou em germânicas na cidade de Leipzig, República Democrática da Alemanha. Convém não falsificar. Artur Jorge licenciou-se em germânicas mas em Portugal, Faculdade de Letras. Começou os estudos superiores em Coimbra e concluiu em Lisboa quando era atleta do Benfica. Em Leipzig fez um curso superior de educação física e motricidade humana. Um treinador doutor!

Perdi mais um amigo. Os que restam são poucos mas excelentes. Eles não podem dizer o mesmo de mim. 

* Jornalista

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