terça-feira, 5 de março de 2024

Angola | O Dia Primeiro de Um Só Povo – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O mapa de Angola tem menos de 100 anos. Ficou concluído quando o governo de Lisboa trocou com a Bélgica o Vale do Mpozo pela Bota do Dilolo. Os belgas ganharam espaço para construir o caminho-de-ferro até aos portos de Matadi, Boma e Banana. Os portugueses receberam grande parte da Lunda que se ligou ao saliente de Cazombo. Tem a forma de uma bota. Cabinda ficou um “enclave”. Foi mais ou menos assim que os países colonialistas construíram as suas colónias. Como se África fosse deles e não tivesse gente. 

A ignorância mas também o embuste e a traição levam à falsificação da História Contemporânea de Angola. O país é apresentado como um espaço vazio. Desde 11 de Novembro de 1975 até agora nada se fez. Ou tudo está mal feito. Tremendo engano de alma.

Um Só Povo Uma Só Nação é a autêntica Constituição da República. Mas para a ignorância reinante não passa de um “slogan”. Assim negam mais facilmente as gerações que fundaram a Pátria Angolana.

Entre 11 de Novembro de 1975 e hoje os angolanos construíram mais do que todos os povos do mundo juntos. Até 2002 a construção foi feita em clima de Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial. E os últimos dez anos desse período, insurreição do bando armado de Jonas Savimbi.

Em 1974 e 1975 houve a debandada dos portugueses e muitos quadros angolanos. Os colonialistas e a CIA até criaram pontes aéreas a partir de Luanda e do Huambo, para não ficar ninguém. Resultado catastrófico. Ficámos sem professores do ensino primário, secundário e técnico em todo o país. Os que ficaram, todos juntos não chegavam para as escolas de Luanda. Mais de 95 por cento dos professores universitários partiram. Os polos universitários, sobretudo do Huambo e Huíla, ficaram praticamente vazios.

Na Saúde o panorama era ainda mais grave. Médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde desapareceram de um dia para o outro. Os quer ficaram, todos juntos não chegavam para completar o quadro de pessoal do Hospital de São Paulo (Américo Boavida). Ficaram as Heroínas e os Heróis. Muitos passaram a viver nas unidades hospitalares. As farmácias encerraram em todo o país. Fomos salvos pelos cubanos. Um alto dirigente do Partido Comunista de Cuba, o médico Rodolfo Puente Ferro, trabalhava no Hospital de Cabinda. E aos sábados comandava as equipas de limpeza geral das instalações.

Na Justiça, catástrofe! Os poucos magistrados judiciais e funcionários que ficaram, não davam para pôr a funcionar o Tribunal da Comarca de Luanda. Até os Serviços Prisionais ficaram desertos. Pouco mais do que nada.

Cantineiros, motoristas, funcionários públicos, trabalhadores do comércio indústria e serviços, quase todos partiram. Serviços essenciais encerrados. Em poucos meses tudo parou. Ao mesmo tempo as tropas invasoras partiam tudo e saqueavam. 

Face a esta catástrofe humanitária nunca antes vista no planeta, o MPLA disse-nos que somos Um Só Povo Uma Só Nação e que tínhamos de lutar pelo Povo e pela Nação, até ao último sopro de vida. Agostinho Neto apelou à Resistência Popular Generalizada.

Hoje a Nação Angolana ganhou raízes sólidas, apesar da UNITA e seus aliados semearem o tribalismo. Temos milhares de professores, médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, advogados, magistrados judiciais e outros operadores da Justiça, diplomatas, profissionais de todos os ofícios. Como vi o copo vazio, sem uma gota, só posso dizer que nos anos de Independência Nacional fomos capazes de criar um maravilhoso mundo novo, sob as ruinas do colonialismo e das guerras.

Para que os angolanos não esqueçam, é preciso revelar como foi possível criar tanto em tão pouco tempo. A resposta é esta: Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e as herdeiras da sua História, Forças Armadas Angolanas (FAA).

Em 1970 a FNLA abandonou a luta armada. Graves divergências entre políticos e militares resultaram na Revolta de Kinkuzu. Os comandantes que não conseguiram fugir foram fuzilados pelas forças especiais de Mobutu. Já estava em marcha o projecto dos supremacistas brancos. Washington e as capitais das grandes potências decidiram não incomodar os colonialistas portugueses. África branca entre o Cabo da Boa Esperança e o Maiombe era o projecto. 

Logo a seguir Daniel Chipenda anunciou a Revolta do Leste. A guerrilha do MPLA avançava imparável para o Planalto Central com o objectivo de abrir uma frente no litoral. E rumo ao Planalto de Malanje para chegar a Luanda. Era o “abraço do urso” para aliviar a pressão à I Região Política e Militar do MPLA que abrangia os então distritos de Luanda, Cuanza Norte e Uíge. Jonas Savimbi colocou as suas tropas ao serviço dos colonialistas na Zona Militar Leste (Operação Madeira). Mais de dois terços da força armada do Galo Negro foram reforçar os Flechas da PIDE.

Em 1974 o MPLA foi flagelado pela Revolta Activa. Uma catástrofe. O movimento ficou fragmentado: MPLA Agostinho Neto, MPLA Revolta do Leste (Chipenda) e MPLA Revolta Activa (Gentil Viana e outros). Depois o MPLA Interior (ninho dos golpistas do 27 de Maios de 1977). Tinham surgido mais facções se Hermínio Escórcio, Manuel Pedro Pacabira e Aristides Van-Dúnem não tivessem “refundado” o movimento no interior com Agostinho Neto na liderança.

O dia primeiro de Um Só Povo Uma Só Nação foi 1 de Agosto de 1974. O cenário político era preocupante. Agostinho Neto e os seus Generais decidiram criar as FAPLA. Até então, a doutrina do movimento era esta: Somos civis obrigados a pegar em armas contra o colonialismo. Isso acabou naquele dia 1 de Agosto de 1974. A Proclamação das FAPLA, dirigida ao Povo Angolano Combatente, aos Guerrilheiros do MPLA e aos Solados de Angola Libertada, indicou o caminho.

Um Só Povo com os guerrilheiros que fizeram a Luta Armada de Libertação Nacional e os jovens que cumpriram serviço militar obrigatório nas tropas portuguesas, passou a ter uma força armada autónoma! “Nesta hora em que o Povo é chamado a assumir as suas responsabilidades históricas numa Angola independente, interesses inconfessáveis agitam-se procurando desvirtuar aquilo por que lutastes durante treze anos”, diz a Proclamação. A organização militar autónoma mas sob a direcção do MPLA nasceu para honrar o meio milhão de patriotas que tombou e centenas de milhares que ficaram mutilados durante a Luta Armada de Libertação Nacional (Guerra Colonial).

 A Proclamação das FAPLA é feita “sobre as ruínas de Karipande e de Miconje, reflectindo a vontade manifesta de todos os que lutaram de armas na mão, fiéis à memória dos nossos mortos”. E para que não restassem dúvidas, nasceu o Exército de Um Só Povo Uma Só Nação “de acordo com o estipulado na Lei reguladora dos organismos militares”.

Dezenas de Comandantes de Coluna e de Esquadrão das forças guerrilheiras do MPLA proclamaram “a constituição das FORÇAS ARMADAS POPULARES DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (FAPLA) como instituição autónoma subordinada à direcção política do MPLA”.

As FAPLA receberam milhares de jovens dispostos a dar a vida por Um Só Povo Uma Só Nação. Muitos não tinham qualquer filiação partidária. Eram patriotas. Nada recebiam em troca, apenas o Orgulho de Ser Angolano. Uma força decisiva veio dos jovens que cumpriam ou já tinham cumprido o serviço militar obrigatório nas forças armadas portuguesas. Dos signatários Ainda estão vivos os Comandantes de Coluna João Luís Neto (Xiyetu), César Augusto (Kiluanje), António dos Santos França (Ndalu), Alexandre Rodrigues (Kito), Ernesto Kayombo (Liberdade), Francisco Magalhães Paiva (Nvunda) e André Pitra (Petrof). Por razões operacionais não assinou António Condessa de Carvalho (Toca), almirante e diplomata jubilado. 

Dos comandantes de Esquadrão que eu saiba ainda estão vivos os Heróis Nacionais Mário Afonso de Almeida (Kasesa), Manuel Francisco Tuta (Batalha), Júlio de Almeida (Juju) e Salviano de Jesus Sequeira (Kianda). 

Nos anos de Independência Nacional nada se fez? Temos as Forças Armadas. São o melhor que Um Só Povo Uma Só Nação criou. Querem as provas? Vitória esmagadora sobre os invasores estrangeiros no Norte de Angola. Vitória esmagadora nas Grandes Batalhas da Independência (Ntó, Kifangondo, Luena e Ebo). Vitória esmagadora na Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial, que ditou o fim do regime de apartheid na África do Sul na Batalha do Cuito Cuanavale. Vitória esmagadora sobre a quadrilha de Jonas Savimbi entre 1992 e 2002. Ninguém tem mais credenciais. Ninguém conseguiu melhor.

Sem as FAPLA hoje não existia a Nação Angolana. Por isso o nosso Mobutu castiga a sociedade castrense. Porque os combatentes das FAPLA e das FAA estão subordinados à Liberdade, à Dignidade e à Constituição da República. Que perigo!   

* Jornalista

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