sábado, 27 de abril de 2024

Portugal | 1º DE MAIO: LIBERDADE A SÉRIO

Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Em 1974, tivemos um 1.º de Maio em que os trabalhadores e o povo português expressaram, numa excecional dimensão, duas coisas fundamentais. Primeira, os seus anseios de liberdade e do que ela significava naquele tempo, em que eram necessárias respostas prementes que garantissem “a paz, o pão, habitação, saúde e educação”, bases de uma “liberdade a sério” (Sérgio Godinho). Segunda, a expressão de confiança na construção de um compromisso coletivo transformador da sociedade - revolucionário. Essa confiança emanava de um acreditar pleno num regime democrático que ia começar a ser construído e se plasmou na Constituição da República, a 2 de abril de 1976. A igualdade e a justiça surgiam implícitos ao próprio conceito de democracia.

Nesta quinta-feira, tivemos as maiores manifestações de evocação do 25 de Abril feitas na caminhada dos 50 anos da democracia. Os grandes meios da comunicação social quase só nos deram imagens ou reportagens de Lisboa e do Porto, quando se sabe que, no dia 25 e nos últimos dias, se têm realizado inúmeras iniciativas amplamente participadas por portugueses de todas as gerações, em freguesias, vilas e cidades.

No dia 25, tivemos uma evocação imensa e bonita, com muita juventude e mais abrangente e inclusiva que outras. Isso constatou toda a gente que veio à rua, e quem esteve atento a muitos discursos (e ações) feitos no dia. As expressões do que significa hoje “a liberdade a sério” talvez tenham sido menos evidenciadas do que é necessário. Aqui está um dos grandes desafios que se colocam para o próximo 1.º de Maio.

Para alguns milhões de portugueses, as prioridades enunciadas pelo Sérgio continuam a estar na primeira linha das reivindicações dos trabalhadores. Desde logo, a denúncia da guerra (que rapidamente escraviza o trabalho) e o compromisso de luta pela paz. Também a melhoria urgente dos salários e pensões, e de todos os rendimentos diretos e indiretos vindos do trabalho, porque é com eles que se geram as condições materiais para uma vida digna com pão, habitação, saúde e educação.  

Temos de reclamar justiça e igualdade: na democracia que temos vivido, os poderes instituídos e os fátuos têm-se esquecido de as garantir. A efetividade da contratação coletiva e do diálogo social são necessárias para “mudar e decidir”, nos setores privado e público.

Jorge Miranda diz que “liberdade é não ter medo”. Ora, hoje a vida de grande parte dos trabalhadores e dos jovens que querem entrar no “mercado de trabalho” está carregada de medos e frustrações: uns veem a “vida parada”, a outros nega-se o sonho de voar de forma autónoma e livre. Grande parte é desconsiderada nos seus saberes e capacidades, porque persiste uma economia de baixo perfil de especialização e uma tolerância inaceitável face à pobreza, aos baixos salários e à precariedade.

Quanto ao trabalho, emprego e proteção social, o Governo parte da visão obtida por uma lupa hiperliberal. Nem uma vez o substantivo “sindicato” aparece no seu programa. Está ausente uma leitura sobre a real espessura das relações coletivas de trabalho e são abertas muitas brechas quanto ao Estado social. O Governo afirma (p.31) que procurará “a convergência entre empresários e trabalhadores em torno do objetivo de aumentar a produtividade”. E como serão distribuídos os respetivos ganhos, mesmo longe de “pertencer ao povo o que o povo produzir”? Isto diz tudo sobre o que pretendem dos trabalhadores.

Neste 1.º de Maio, há que lutar pela liberdade a sério.

* Investigador e professor universitário

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