Anchal Vohra em Bruxelas | Deutsche Welle | # Publicado em português do Brasil
Recondução da presidente da Comissão Europeia ao cargo mais alto da UE pode depender de acordo com uma das duas alas, às quais ela terá que fazer concessões em troca de apoio. Quem ela escolherá?
O rosto de Ursula von der Leyen se iluminou quando ela agradeceu aos líderes europeus que anunciaram seu apoio à recondução dela à presidência da Comissão Europeia, posto mais alto da União Europeia.
Geralmente autocontida e sisuda, a conservadora alemã ficou nitidamente contente em ouvir de seus pares que eles endossam a manutenção dela à frente de um dos maiores mercados comuns do mundo.
Von der Leyen é vista como uma âncora de estabilidade em uma época em que a Europa se vê ameaçada pela Rússia, pronta para atender chefes de Estado que frequentemente ligam para Bruxelas para decidir sobre políticas importantes.
Mas o apoio deles não basta para assegurar a permanência da alemã no cargo. Von der Leyen ainda precisa do respaldo de pelo menos 361 dos 720 membros do recém-eleito Parlamento Europeu em uma votação secreta, marcada para julho.
Especialistas dizem que vencer essa eleição será uma tarefa muito mais difícil, já que cada membro não apenas representa uma das sete bancadas – que vão desde a esquerda radical até a ultradireita, e que congregam em si diferentes partidos nacionais –, mas também seus próprios interesses e eleitorado.
A questão crucial agora é se von der Leyen tem a quantidade de votos de que precisa ou se terá que fazer concessões indesejáveis que ponham em risco os alicerces da UE.
Alguns dizem que o destino da alemã está entrelaçado ao da Europa. As alianças que ela formar agora podem definir a direção para a qual a UE penderá – pelo menos pelos próximos cinco anos –, mas também podem ter um impacto de longo prazo no futuro do continente e até mesmo do planeta.
A matemática da reeleição
À primeira vista, parece que se conservadores, socialistas e liberais votarem todos em von der Leyen, a reeleição dela estará assegurada.
O próprio Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, ao qual ela pertence, é a maior força do Parlamento Europeu, com 188 assentos. Logo atrás vêm os Socialistas e Democratas, de centro-esquerda, com 136 cadeiras. Quarta maior bancada, os liberais da coalizão Renovar a Europa, liderados pelo presidente francês Emmanuel Macron, reúnem 75 deputadas e deputados.
Somando tudo, têm-se 399 votos –
Mas o apoio a von der Leyen não parece ser uma unanimidade – os republicanos franceses, que fazem parte do PPE e têm seis eurodeputados, por exemplo, já disseram que não estão dispostos a apoiá-la.
Conservadores estão otimistas
Porta-voz do PPE, Pedro Lopez de Pablo diz que von der Leyen pode ganhar mais votos do que o inicialmente esperado, em meio às preocupações crescentes – e não só dentro da UE – com a mudança do clima político.
Segundo Lopez de Pablo, o mau desempenho do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, no primeiro debate da campanha eleitoral com o candidato republicano, Donald Trump, pode ter abalado alguns dos progressistas da UE que estavam cogitando votar contra a reeleição de von der Leyen.
"Há muita incerteza e as pessoas aqui estão preocupadas após o debate", disse ele à DW. "Precisamos de certeza na Europa, precisamos de estabilidade política."
Ainda assim, e apesar do apoio institucional de três das quatro bancadas do Parlamento Europeu, em 2019 von der Leyen venceu por uma margem estreita de apenas nove votos. Isso pode impelir ela e seus apoiadores a não deixarem nada ao acaso.
Acenos aos verdes ou à ultradireita
Para analistas políticos, isso deixa a von der Leyen duas opções: aceitar o apoio dos Verdes ou cortejar a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, um dos nomes mais poderosos da ultradireita europeia.
Antes das eleições, o PPE de von der Leyen já havia percebido o apelo popular cada vez maior da ultradireita, abrindo a porta para uma futura aliança com Meloni, a despeito da consternação que isso gerou entre sociais-democratas e liberais.
Agora, von der Leyen tem diante de si um desafio complicado: se oferecer muito a Meloni para conquistar os votos do partido dela, o ultradireitista Irmãos da Itália, ela corre o risco de perder os sociais-democratas; se, por outro lado, optar pelos verdes, pode desagradar parte do PPE.
Do ponto de vista político, afirma Lopez de Pablo, os "Verdes eram pouco confiáveis" e era prudente optar pelos nacionalistas de direita da coalizão dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), da qual Meloni faz parte.
"Os partidos no ECR formam de fato governos, têm números e seu apoio pode ser essencial para aprovar leis importantes", argumenta o porta-voz do PPE. "E eles não são vistos como sendo de ultradireita."
Resistência à ultradireita
Só que nem todos no PPE concordam com Lopez de Pablo. Para a maioria, o ECR permanece um tabu. Um exemplo disso foi a exclusão deliberada de Meloni na quinta-feira (27/06) do grupo de tomada de decisões mais importantes, com seis líderes da UE, que decidiu os nomes para os principais cargos do bloco.
"Não queriam o líder do ECR, um grupo de ultradireita", explica Leo Goretti, do think tank romano Instituto de Assuntos Internacionais (Istituto Affari Internazionali). "Os sociais-democratas e liberais se opõem a líderes como Meloni porque estão tentando proteger os princípios básicos da Europa."
"No fim, Meloni quer uma Europa de Estados", afirma Goretti, aludindo ao persistente euroceticismo que prevalece entre os partidos de ultradireita, apesar das declarações públicas deles de que abraçaram a UE.
Meloni se absteve de votar em von der Leyen na quinta-feira, e também foi contrária aos candidatos para os outros dois principais cargos: o português Antonio Costa como presidente do Conselho Europeu e a estoniana Kaja Kallas como diplomata-chefe da UE.
"Decidi não apoiar por respeito aos cidadãos e às indicações que vieram desses cidadãos durante as eleições", escreveu Meloni na rede social X (antigo Twitter), sugerindo que a tomada de decisões nos níveis mais altos da UE era antidemocrática.
O que os verdes querem
Os Verdes estão ansiosos para apoiar von der Leyen, em troca da promessa de que ela acabará com o retrocesso nas políticas progressistas do Acordo Verde da UE, que visa neutralizar as emissões de carbono do bloco até 2050 – e que, diante da pressão dos produtores rurais, acabou enfraquecido nos meses que antecederam as eleições ao Parlamento.
Os Verdes querem manter o pacto vivo, assim como o "cordão sanitário" que mantém a ultradireita fora do alto escalão da UE.
"O senso comum é que queremos uma UE estável, que com certeza precisa de nós", afirma a alemã Anna Cavazzini, dos Verdes, acrescentando que seu grupo quer "garantias" sobre as políticas ambientais e climáticas do bloco. "Não vamos apoiá-la de graça."
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