Pedro Tadeu* | Diário de Notícias, opinião
Esteve a atenção do mundo político e mediático disperso pela discussão à volta do Orçamento do Estado, dos incêndios do final do verão, da fuga da cadeia de Vale de Judeus, do triplo homicídio numa barbearia em Lisboa, do genocídio em Gaza, da invasão do Líbano por Israel, da guerra na Ucrânia, das eleições nos Estados Unidos, de tantos factos importantes ou chocantes que quase passou despercebido um verdadeiro escândalo na nossa justiça: o Juízo Central Criminal de Lisboa decretou a prescrição de 11 crimes indiciados no caso Banco Espírito Santo, que já não serão julgados no tribunal. O julgamento começa os seus trabalhos na semana que vem, mais 10 anos depois do banco ter falido.
Claro que ainda há outros crimes que constam da acusação que permitem que o grupo que foi liderado por Ricardo Salgado veja a sua atuação escrutinada pela justiça, mas a juíza Helena Susano que declarou a prescrição escreveu no seu despacho que nos primeiros meses de 2025 irão prescrever mais 30 crimes e isso tem efeitos no julgamento de cada um dos arguidos: por exemplo, Salgado, que foi acusado em julho de 2020, há quatro anos, de um total de 65 crimes, será, em princípio, julgado por 62.
Poderemos pensar que, apesar de tudo, haverá julgamento e que o essencial do exercício dos tribunais não está perdido. É ver o copo meio cheio e é uma forma de aliviarmos a consciência. Mas podemos também pensar que, num dos casos mais importantes relacionados com crimes económico-financeiros que o país já conheceu, a justiça, na sua plena dimensão, já não vai ser feita. E este copo meio vazio deveria desassossegar-nos a todos.
Por muito complexo que o caso BES seja, não é aceitável que a acusação falhe a viabilização da discussão jurídica das suas teses e os tribunais demorem tanto tempo a iniciar o julgamento – por muitos recursos e expedientes jurídicos discutíveis que a defesa faça para provocar a demora do processo, a base deste retardamento que inviabiliza sentenças de culpado ou de inocente em tantas acusações (um dos arguidos já não vai mesmo ser julgado) deve-se muito vezes a problemas de fundamentação das acusações, que levam o Ministério Público a pedir adiamentos à procura de mais provas e, também, a meter recursos a decisões desfavoráveis que entretanto são decididas.
Este constante adiar de inícios de julgamentos deve-se também a uma lentidão exasperante dos juízes em despachar com rapidez a análise das várias fases do processo e dos vários recursos que vão sendo interpostos e, ainda, a uma sobrecarga de trabalho inaceitável.
A lentidão do Ministério Público e dos tribunais contrasta, escandalosamente, com a agilidade e a rapidez dos advogados de defesa que os ricos e poderosos conseguem contratar – e esse problema de eficácia, que no debate sobre os problemas da justiça em Portugal aparece quase sempre como algo lateral e secundário, favorece a ideia de impunidade que beneficia os poderosos. É um veneno para o espírito do país. É fatal.
* Jornalista
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