domingo, 10 de novembro de 2024

A GUERRA DE SAVIMBI - Matança no Paraíso* -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O coronel Jan Breytenbach era um dos mais condecorados oficiais das forças de defesa e segurança do regime de apartheid, que fez da África do Sul um imenso campo de concentração. O famoso Batalhão Búfalo foi criado e treinado por ele, na faixa de Caprivi. Os cabos e “flechas” da UNITA passaram-lhe pelas mãos até serem promovidos a generais do banditismo. Um dia ele descobriu que a guerra de Savimbi tinha apenas um fim: Roubar os diamantes de Angola, dizimar elefantes e rinocerontes para o contrabando de marfim. Devastar o último reduto da savana africana, para roubar madeiras preciosas.

Jan Breytenbach publicou um livro onde denuncia aquele que deve ser o mais grave crime ambiental que alguma vez foi cometido no mundo. A obra tem o título “Eden’s Exiles” e o subtítulo “One soldier’s fight for Paradise”. O velho oficial fala de exilados do Paraíso e descreveu em dezenas de páginas a luta de que travou contra esses crimes. Por razões que só a ignorância e o colaboracionismo conhecem, esta obra nunca foi publicada em Angola. Por isso, até hoje poucos angolanos conhecem a dimensão da traição de Jonas Savimbi e seus sicários da UNITA.

O paraíso era o Cuando Cubango, último reduto da savana virgem africana. O velho soldado descobriu que Savimbi era um peão dos sul-africanos no tráfico de diamantes e marfim (páginas 247 a 351). Mas também de madeiras preciosas, sobretudo girassonde. Isto ainda é pouco: A Jamba também era o centro de um esquema de tráfico de droga que vinha de Lusaka e era depois distribuída para toda a África e mercados da Europa, EUA e Oriente.

O tráfico de marfim foi denunciado alguns anos antes da publicação do livro de Breytenbach, pela Environment and Animal Welfare que entregou um relatório inquietante à Comissão do Ambiente da Câmara dos Representantes (Congresso) dos EUA. O documento responsabilizava Savimbi e oficiais sul-africanos de alta patente, por gravíssimos atentados ambientais no Cuando Cubango. 

Craig Van Note, da Environment and Animal Welfare, foi chamado a depor e confirmou todo o conteúdo do relatório. Mas acrescentou este ponto: “As forças rebeldes angolanas da UNITA de Jonas Savimbi, apoiadas pela África do Sul, liquidaram 100.000 elefantes para ajudar a financiar a guerra”. 

A Environment and Animal Welfare explicou que o contrabando de marfim se fazia através da Faixa de Caprivi num esquema montado por oficiais das forças de defesa e segurança da África do Sul. O coronel Breytenbach no seu livro título “Eden’s Exiles- One soldier’s fight for Paradise” vai directamente ao assunto: “Descobri que oficiais das SADF estavam implicados numa máfia que contrabandeava dentes de elefante e rinoceronte, diamantes, madeira e droga”. Savimbi dizia que estava em luta contra russos e cubanos! Afinal esses “inimigos” tinham tromba, brilhavam e alucinavam.

Elefantes e Rinocerontes

Breytenbach localiza a Jamba: “A sede de Savimbi estava num lugar chamado Jamba, um pequeno acampamento 15 quilómetros a sul do rio Luiana”. O velho coronel não o diz, mas convém esclarecer que Luiana era um posto administrativo da era colonial e existia apenas para marcar a soberania portuguesa.

Quando o MPLA lançou a guerra na Frente Leste, o posto de Luiana foi guarnecido com um pelotão do Exército Português. E construíram uma pista onde aterravam os famosos aviões Nord Atlas popularmente conhecidos por “barriga de jinguba”. Mas também se tornou uma base para os aviões de guerra sul-africanos e rodesianos que ajudavam Portugal a combater os guerrilheiros do MPLA na Frente Leste.

Savimbi conheceu a zona através dos “flechas” da PIDE e dos pilotos de helicópteros sul-africanos e rodesianos que aterravam na sua pista, quando regressavam das operações com as tropas especiais portuguesas, comandos e paraquedistas. 

“Savimbi usava estas áreas como terreno privado de caça para si e seus amigos, especialmente políticos estrangeiros que podiam ajudá-lo na sua guerra contra o MPLA”, escreve o coronel Breytenbach. O paraíso começou a transformar-se num inferno para elefantes e rinocerontes. Mais de 90 por cento dos efectivos destas espécies foram dizimados. Estamos a falar dos raros “Cobiense”. 

“Savimbi começou a disparar sobre estas duas espécies de forma organizada. As presas dos elefantes e os chifres dos rinocerontes foram armazenados na Jamba, enquanto ele foi procurando uma forna de exportar o saque para o Extremo Oriente, especialmente Hong Kong. Para isso foi necessário organizar a máfia.

Sempre a Mentira

Fred Bridgeland, no seu livro “Savimbi: a chave para África”, escreveu que o chefe dos sicários da UNITA tinha que pagar a ajuda sul-africana com diamantes e marfim. Uma mentira que o coronel Breytenbach não deixa passar: “O apoio da inteligência militar a Savimbi, em 1986/1987, totalizou 400 milhões de rands. Sei também que com este dinheiro os sul-africanos compraram praticamente todo o combustível, material de guerra e o fardamento. O dinheiro para apoiar a UNITA saiu dos bolsos dos contribuintes sul-africanos”. Savimbi sempre foi um mentiroso compulsivo. E passou a doença aos seus homens.

Ninguém pense que Ian Breytenbach fala por despeito. Ele explica as denúncias no seu livro “Eden’s Exiles-One soldier’s fight for Paradise”. Leiam a sua declaração: “Sou a favor de uma guerra justa, mas tenho grande dificuldade em conciliar a justeza da guerra com a destruição do último reduto da savana africana”. Mais esta passagem do livro: “Destruíram a savana africana do Cuando Cubango a troco das precárias liberdades prometidas por Savimbi, que não é seguido por pelo menos 80 por cento dos angolanos. Na minha forma de pensar isto é totalmente desprezível e uma ofensa à Criação de Deus”.

O cheiro do Contrabando

Savimbi conseguiu colocar o marfim em Hong Kong, os diamantes em Pretória ou na Europa (Antuérpia ou Lisboa) e a madeira preciosa na Namíbia, através de um esquema mafioso que incluiu oficiais das Forças de Defesa e Segurança da África do Sul, os turistas da Jamba, os seus “embaixadores”, entre os quais Alcides Sakala ou Adalberto da Costa Júnior, e portugueses que fugiram de Angola no 25 de Abril de 1974, entre os quais agentes e inspectores da PIDE/DGS. 

O biólogo Manie Grobler, gestor dos parques naturais da Namíbia, um dia foi ter com o coronel Ian Breytenbach e deu-lhe conhecimento da existência de tráfico de dentes de elefante e chifres de rinoceronte, além de madeiras preciosas, sobretudo Girassonde. O velho coronel estava nas altas esferas militares da África do Sul mas nada sabia: “Perguntou-me se eu tinha conhecimento da existência de marfim com o valor de muitos milhões de rands, num aeródromo de Caprivi. Eu não tinha conhecimento de um valor tão grande. Mas Manie Grobler foi informado por um piloto civil que ia buscar o marfim para a Inteligência Militar”.

Ian Breytenbach investigou e descobriu que o marfim pertencia aos “stocks” da UNITA e saía da região numa pista em Bwabwata. Manie Grobler uns dias depois foi ameaçado de despedimento e expulsão se voltasse a falar de marfim, madeira e diamantes. “Comecei a fazer perguntas e a juntar factos. A imagem que gradualmente começou a surgir era muito feia e inacreditável. Nem no meu pior pesadelo eu podia ter imaginado que oficiais das SADF se tinham envolvido em algo digno da máfia”, escreve o coronel que fundou as tropas da UNITA.

Operações dos Mafiosos 

No livro de Ian Breytenbach é apontado como padrinho da máfia um comerciante português, Arlindo Manuel Maia, dono de uma empresa de transportes em Joanesburgo e com “filial” no Rundu. Outro mafioso era José Francisco Lopes, comerciante no Rundu e tido como multimilionário.

“A inteligência sul-africana criou uma organização, a Inter Frama, para transportar material de guerra para a UNITA. No regresso os camiões traziam madeira e marfim”, escreve Breytenbach. Milhões de toneladas de madeira foram roubados de Angola durante a guerra.

“As árvores eram derrubadas em Angola e serradas em tábuas numa serração pertencente à Inter Frama, em Bwabwata, no ocidente de Caprivi”, escreve o coronel.

O marfim era vendido a um comerciante de Hong Kong perito em violar as sanções que foram impostas ao regime de apartheid da África do Sul.

Tráfico de Droga

A Lei do Segredo de Estado de Pretória protegia estes negócios. Mas o criminoso de guerra Jonas Savimbi e os seus sicários tornaram-se demasiado ambiciosos e acrescentaram ao contrabando de marfim, diamantes e madeira, o tráfico de droga.

Ian Breytenbach escreve: “Um comerciante português de Katima, na Zâmbia, começou a canalizar para a Jamba, droga que vinha de Lusaka”. Em breve o negócio da droga atingiu níveis “industriais”. A Jamba era o armazém central de mandrax e outras drogas. Começa a perceber-se tanta alucinação de Savimbi e dos seus sicários. Os paraísos artificiais têm o condão de eliminar as diferenças entre a verdade e a mentira.

A Jamba tinha um sinaleiro para disfarçar a verdade: Era o centro nevrálgico do tráfico de marfim, diamantes, madeiras preciosas e droga! 

* Jornalista

*Esta peça foi publicada no Jornal de Angola há dez anos

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