domingo, 5 de janeiro de 2025

Angola | Massacres e Acção Directa – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Nacionalismo Angolano ganhou força na segunda metade do século XIX com a consolidação da Imprensa Livre. Em 9 de Julho de 1870, nasceu “O Mercantil”, um jornal com grande qualidade gráfica e oficina própria na Rua Direita, ao Bungo, Luanda. O director e proprietário era José Pinto da Silva Rocha, jornalista e publicista de grande mérito. Estilo panfletário e contestatário do poder colonial instituído. O jornal tinha correspondentes em Lisboa, Paris e na Baía, Brasil. O governador mandou fechar o periódico. O director foi desterrado para o Egito Praia.

Outro jornal importante na difusão do Nacionalismo Angolano foi o “Echo de Angola” (12 Novembro de 1881). Propriedade de angolanos e cuja Redacção era composta também por jornalistas africanos negros. Entre os seus redactores estava José de Fontes Pereira, justamente considerado um mestre do jornalismo luandense do último quartel do século XIX.

Arantes Braga, um angolano também negro, é fundador do jornal “Pharol do Povo”, subtítulo “Folha Republicana”. Foi o primeiro jornal de Angola que em plena monarquia, numa fase de tremenda repressão, se declarou defensor dos ideais republicanos. Ainda estamos na segunda metade do Século XIX. O Nacionalismo Angolano avançava imparável, apesar de feroz repressão dos ocupantes estrangeiros..

Júlio Lobato era igualmente um jovem e talentoso jornalista que começou a sua carreira profissional na Imprensa Livre do último quartel do século XIX. No início do Século XX fundou o jornal “A Voz de Angola” (1908) que tinha como legenda: “Libertando pela Paz; Igualando pela Justiça; Progredindo pela Autonomia”. Este jornal fez um contrato com a agência Reuters e publicava todas as semanas noticiário de Londres. Pela primeira vez um jornal de Angola assumia em subtítulo que era defensor da autonomia de Angola. A repressão caiu sobre Lobato e o seu jornal, mas a semente ficou e germinou.

A implantação da República em Portugal, 5 de Outubro de 1910, levou o Nacionalismo Angolano para um patamar irreversível. Após a I Guerra Mundial (1914-1918) Portugal multiplicou a repressão sobre os nacionalistas angolanos. A burguesia negra, largamente representada no Senado da Câmara e outros poderes públicos, foi atacada onde mais doía, o seu poder económico. Em 28 de Maio de 1926, um golpe militar em Portugal pôs fim ao regime republicano. Em 1933 triunfou o Estado Novo, que ganhou roupagem fascista e nazi. Foi a ditadura salazarista que durou até 25 de Abril, 1974. 

Os aparelhos de repressão em Angola redobraram as suas acções. Forças Armadas e Polícia de Segurança Pública foram reforçadas. Entre 1933 e 1960, os sucessivos governadores-gerais atacaram as organizações políticas e culturais nacionalistas. Nem a Liga Africana escapou. A partir de 1958, entrou em acção a PIDE, polícia política do regime nazi-fascista. 

Neste clima de repressão generalizada nasceu o invencível Movimento Popular de Libertação de Angola, no dia 10 de Dezembro de 1956. Foi a resposta contundente dos nacionalistas angolanos ao confisco das liberdades. No início era reivindicada a autonomia por meios pacíficos. O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) apresentou, em 13 de Junho de 1960, uma proposta ao Governo de Lisboa “um encontro com todos os partidos angolanos”. 

A resposta foi dada na imprensa oficial do regime (praticamente tofos os jornais) e na Emissora Nacional: “Portugal não aceita discutir a autodeterminação dos seus territórios ultramarinos”. Representantes das organizações nacionalistas das colónias, reunidos em Londres, anunciaram a luta armada “para fazer prevalecer o direito dos povos das colónias portuguesas à autodeterminação e à independência”. Nesta fase, os dirigentes do MPLA, UPA, PAIGC e FRELIMO ainda lhe chamavam “acção directa”.

Data histórica: No dia 14 de Dezembro de 1960, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu o direito dos povos das colónias portuguesas à independência. A Resolução 1542, de 15 de Dezembro de 1960, declarou Angola território colonizado, sem autonomia e sob administração portuguesa. A comunidade internacional votou a favor da descolonização de Angola. 

Entre 1959 e 1960 as forças nacionalistas intensificaram as suas acções em Angola. No Norte a UPA beneficiou da mobilização dos movimentos messiânicos ainda que estes fossem pacifistas. Valores mais altos se levantavam. As Forças Armadas Portuguesas, entre 1950 e 1960 instalaram-se em toda a colónia. A Força Aérea foi reforçada. No Toto criaram um aeródromo militar para controlarem o Vale do Loge. No Negage foi construída a maior base da colónia. As autoridades coloniais temiam que a população do Norte de Angola fosse “contaminada” com o movimento independentista do Congo Belga (RDC).

No ano de 1960 as forças armadas portuguesas, entre militares e agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP), não ultrapassava os 20.000 homens. E mais de 90 por cento eram de recrutamento local, muitos negros e mestiços. Impossível resistir à “acção directa” anunciada pelo MPLA em Londres! Porque o amplo movimento representava milhões de angolanas e angolanos. Lisboa despachou para Angola, durante todo o ano de 1959, quase duas toneladas de armas e munições.

A PIDE, instalada em Angola um ano antes, no ano de 1959 começou a prender nacionalistas ligados ao MPLA. Em Agosto estavam 50 presos e logo a seguir começou o seu julgamento fantoche (Processo dos 50). A luta anti-colonial começou em força e organizadamente. Em Julho de 1960 as forças colonialistas desencadearam um massacre de camponeses nos campos de algodão em Icolo e Bengo. No dia 4 de Janeiro de 1961 foi o massacre da Baixa de Cassanje. 

Aviões de guerra portugueses bombardearam 17 aldeias da região. Tropas invadiram as plantações de algodão e mataram centenas de trabalhadores das algodoeiras que estavam em greve. A acção directa era inevitável. Logo a seguir aos massacres, os dirigentes do invencível MPLA lançaram o “Projecto de Programa de Acção Político-Militar”. O mundo ficou a saber que a luta armada foi a estratégia adoptada para derrotar o colonialismo português.  

As células clandestinas do invencível MPLA prepararam imediatamente a primeira acção armada, desencadeada no dia 4 de Fevereiro de 1961. Os colonialistas tiveram as primeiras baixas e começou a sua derrota total, em 11 de Novembro de 1975.

* Jornalista

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