sexta-feira, 16 de maio de 2025

Angola | O Desmoronar dos Sonhos -- Artur Queiroz

Os hereros. O primeiro genocídio do século XX

 Artur Queiroz*, Luanda >

Samakuva, Adalberto e a UNITA o que têm a ver com Hitler e o nazismo? São fotografias desfocadas do original. São resíduos sólidos do regime racista de Pretória. Sinais de alarme para que a Terra não esqueça a guerra que impuseram ao Povo Angolano entre Agosto de 1974 e 23 de Março 1988, data da Batalha do Cuito Cuanavale no Triângulo do Tumpo. Ponto final do regime nazi da África do Sul. Fim da ocupação ilegal da Namíbia. Dia da Libertação da África Austral. Tanto sofrimento, tanta dor. 

O meu amigo Sérgio Guerra fotografou os hereros e a sua cultura milenar. Fez uma exposição no Museu de História Natural, em Luanda. Depois a editora Maianga publicou um livro fabuloso com esse material. Uma bela homenagem aos Alegres do Norte, que habitam Angola, desde a Huíla até ao Namibe e Cunene. O Padre Carlos Estermann conta-nos tudo sobre esses angolanos que resistiram à escravatura e ao colonialismo entre nós. Foram vítimas de genocídio na Namíbia, então Damaralândia ou Sudoeste Africano, colónia alemã. Publiquei estórias dos hereros no meu livro “Contos Populares Angolanos” (2008). 

O colonialismo é genocídio. Todas as potências coloniais são genocidas. Na Namíbia os colonialistas alemães duplicaram o genocídio pela força das armas, como fizeram os karkamanos em Angola, com o apoio de Jonas Savimbi e a UNITA.

No dia 2 de janeiro de 1904 os Herero e os Mama revoltaram-se  contra os colonialistas alemães no então Sudoeste Africano. Guerreiros namibianos atacaram os colonos alemães. A luta armada durou até 1908. Nesse período os alemães mataram mais de 80.000 civis.

O general  Von Trotha distribuiu profusamente esta mensagem aos revoltosos: "Eu, general dos soldados alemães, envio esta carta aos herero. O povo herero deve abandonar o país. Se negarem, forçarei sua partida com canhões. Qualquer herero, com ou sem armas, será executado." Foram quatro anos de mortandade. Os alemães armados com canhões e espingardas mauser (Königliche Waffen Schmieden). Os herero e mama com porrinhos e facões. As mulheres e crianças foram empurradas para o deserto. Antes as tropas alemãs envenenaram a água das mulolas. Morreram de fome e envenenadas. A civilização ocidental no seu melhor em África.

Após a Independência da Namíbia, o genocídio não ficou esquecido. Os namibianos exigiram um pedido de perdão, “de forma inequívoca”, emitido pelos deputados federais eleitos (Bundestag). Em 2021 o governo de Berlim pediu perdão pelo genocídio cometido no tempo do “kaiser” Guilherme II. Agora correm negociações para o pagamento de indemnizações às famílias das vítimas, como a Alemanha fez com os judeus exterminados nos campos de concentração nazis de Adolf Hitler.

A África do Sul ainda não pediu perdão pelos massacres cometidos em Angola entre Agosto de 1974 e a assinatura do Acordo de Nova Iorque. Não indemnizou as vítimas ou seus familiares. Não indemnizou a República de Angola pelas destruições que causou durante a guerra. Isto porque os matadores e destruidores puseram a circular (as autoridades angolanas aceitaram…) que houve uma guerra civil entre 1974 e a assinatura do Acordo de Nova Iorque (23 de Dezembro1988). 

Guerra civil? Mas a UNITA não assinou o Acordo de Nova Iorque que pôs fim à guerra, porque era apenas uma unidade militar ao serviço dos nazis de Pretória. Assinou mais tarde o Acordo de Bicesse, uma espécie de perdão do Povo Angolano. O Galo Negro escondeu milhares de homens e as suas melhores armas em bases secretas do Cuando Cubango, ainda a tinta da assinatura de Jonas Savimbi não tinha secado.

Isaías Samakuva participou activamente nesta operação de suprema traição ao Povo Angolano, à Paz e à Democracia. Até hoje não pediu perdão pelos milhares de mortos e destruições, entre 1992 e 2002. A rebelião armada do Galo Negro depois da derrota eleitoral em 1992, também foi guerra civil? As destruições de tudo e mais alguma coia foi guerra civil ou banditismo? A UNITA provocou mais de três milhões de deslocados. Foi guerra civil?

Samakuva tem o desplante de comparar o Fundador da Nação Angolana, Agostinho Neto, com Jonas Savimbi, o assassino e criminoso de guerra. Numa entrevista recente afirmou que o povo na rua lhe pede o regresso de Savimvbi. O povo canta por Savimbi. E se houver um referendo sobre a preferência do Povo Ang9olno, Samakuva diz que Savimbi fica em primeiro lugar.

A UNITA lutou ao lado dos colonialistas contra a Independência Nacional. Em nome da reconciliação nacional foi lançado um véu de esquecimento sobre este crime hediondo contra o Povo Angolano. A UNITA vendeu-se aos independentistas brancos. Depois serviu de capa ao regime racista de Pretória na guerra contra Angola. Em nome da reconciliação nacional foi perdoada e até teve a oportunidade de chegar ao poder, em eleições livres e justas. Perdeu. Savimbi e a UNITA levantaram armas contra a democracia nascente. Mesmo assim foi parte do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN).

Samakuva deu ordens aos deputados da UNITA para abandonarem a Assembleia Nacional quando foi aprovada a Constituição da República. A UNITA enveredou pelo banditismo político desde então. Continuou a perder eleições e em cada derrota, multiplica o banditismo. O partido Alternativa para a Alemanha (AfD) lidera a oposição. Ficou em segundo lugar nas últimas eleições. O Departamento Federal para a Protecção da Constituição emitiu um parecer que classifica a organização como extremista e “um perigo para a democracia”.  Corre o risco de ser ilegalizado, apesar do apoio recebido da Casa dos Brancos.

A UNITA é mil vezes pior. Não votou a Constituição da República por isso não a respeita nem reconhece. Andou aos tiros contra a democracia até Savimbi morrer em 22 de Fevereiro 2002, no Lucusse. Agora lança bandidos contra o regime democrático como ficou provado no julgamento do Huambo, cuja sentença foi ignorada, apesar da gravidade dos factos provados e que implicam dirigentes do Galo Negro, no banditismo e terrorismo.  

João Lourenço promoveu Savimbi. Fundação Savimbi em Angola é igual à Fundação Hitler na Alemanha, à Fundação Von Trotha na Namíbia, PW Botha na África do Sul ou Ian Smith no Zimbabwe. João Lourenço está a destruir o país nascido em 11 de Novembro 1975. Quando acabar o mandato em 2027 não resta pedra sobre pedra dos nossos sonhos. Nada do que construímos nestes 50 anos resiste à sua fúria destruidora.

* Jornalista

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