sábado, 21 de maio de 2011

AS MUITAS LIÇÕES DO HAITI




MARTINHO JÚNIOR

Se há país cuja história deveria ser obrigatoriamente referenciada ou mesmo estudada nos programas escolares, em especial em países com culturas inter-relacionadas com as culturas Ibéricas e latinas, esse país é o Haiti.

O essencial da lição é a pista da escravatura injectada pelas nações poderosas, com sequelas até aos nossos dias, como se a opressão fosse um vírus resistente que como um anátema tivesse de ser transmitido de década em década, geração após geração, traumatizando sobretudo África e os afro descendentes da América.

Conforme Eduardo Galeano (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16342):

“Em1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca.

O Haiti foi o primeiro país livre das Américas.

Os Estados Unidos tinham conquistado antes a sua independência, mas meio milhão de escravos trabalhavam nas plantações de algodão e de tabaco.

Jefferson,que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.

A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas.

A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio.

A nação recém nascida foi condenada à solidão.

Ninguém comprava do Haiti, ninguém vendia, ninguém reconhecia a nova nação”.

No início do século XIX, a luta pela libertação dos escravos e pela independência do Haiti, traduziu-se em duras provas que se foram sucedendo até aos nossos dias: um terço da população dizimada até se conseguir a independência, o assassinato de Toussaint Louverture em 1803, a divisão da ilha de São Domingos, com a parte oriental a voltar a cair em mãos espanholas de 1822 a 1844 (altura em que se tornou independente com o nome de República Dominicana), um bloqueio francês que impediu o comércio com o exterior e durou 60 anos (mais tempo que o actual bloqueio dos Estados Unidos a Cuba), a imposição em 1825 duma dívida de 150 milhões de francos que só acabou de ser paga em pleno século XX, a sucessão de ocupações e ingerências por parte dos Estados Unidos e de ditaduras impostas pelos interesses norte americanos durante o século XX, a impossibilidade de alternativas (sempre que elas surgiram foram severamente combatidas e neutralizadas)…

Já antes da escravatura dos africanos levados à força para as Américas e para o Haiti a fim de trabalhar nas plantações de açúcar e café, os espanhóis haviam dizimado a população ameríndia indígena, os Tairos, que foram desaparecendo inexoravelmente vítimas dos maus-tratos, como de doenças trazidas pelos espanhóis em relação às quais não tinham imunidade…

Tudo o que de pior se produziu na humanidade, durante os últimos séculos, foi atingindo o Haiti, tornando-o hoje num dos países com os piores Índices de Desenvolvimento Humano à escala global e por isso, todos os impactos negativos que integram a crise imposta pelo império, não podem deixar de ter no Haiti um reflexo vivo e uma referência esclarecedora.

A natureza tem sido também pródiga em tragédias: terramotos, ciclones e por fim, até uma epidemia de cólera…

A Revolução Cubana compreende o encadeado de fenómenos que foram ocorrendo na história do Haiti e sensível às nações vilipendiadas que se formaram com a rota de escravos, tem sido inexcedível enquanto exemplo de solidariedade e de amor rigoroso, esclarecido e indómito.

Antes de deixar o cargo de Presidente daRepública, René Perval condecorou as brigadas médicas cubanas que contribuíram para socorrer os haitianos com a Ordem Nacional de Honra e Mérito, grau de “Grande Oficial”.

Cuba respondeu com a ampliação de sua solidariedade e enviou brigadas para combater o analfabetismo através do programa “Yo si puedo” (http://www.cubadebate.cu/fotorreportajes/2011/05/18/yo-si-puedo-en-haiti/)...

O contraste não é só evidente em relação ao comportamento do império, mas é um exemplo para todos aqueles que vão sendo atingidos pela degenerescência dum capitalismo que entrou num beco sem saída e se tornou voraz para a humanidade e para o planeta, começando a pôr em risco o sentido da vida na Terra.

Neste momento seriam precisos 10 planetas se houvesse um consumo ao nível dos Estados Unidos e esseé um indicador de quanto o capitalismo expande a crise e esvazia processos económicos e políticos, esvazia até as “democracias representativas” formatadas pelo império.

Uma ditadura financeira imposta pela aristocracia financeira mundial tendo como principal sustentáculo interesses anglo-saxónicos potenciados sobretudo nos Estados Unidos e na Europa, vai alastrando pelo mundo à medida que o modelo de globalização de conveniência se vai impondo, minando estados, democracias, nações inteiras e já nem alguns países europeus estão imunes ao flagelo.

Os Estados Unidos são o primeiro dos exemplos ao assumir a ditadura financeira: esvaziou sua própria “democracia representativa” ao ponto detornar seus sucessivos Presidentes em “sargentos às ordens” do poder financeira e de seus “lobbies”.

Os “PIGS”, Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, pejorativamente os “porcos”, ilustram o significado das dívidas modernas na Europa, bem como o carácter e o perfil da ditadura financeira, obrigando-nos a evocar a dívida imposta ao Haiti para se ver livre do bloqueio naval da terrível potência colonial que foi a França…

Também em relação aos “PIGS” essa aristocracia está a tentar, tal como a França colonial do século XIX em relação ao Haiti, impor o pagamento da dívida procurando eliminar a possibilidade de crescimento, à boa maneira dum bloqueio que arregimenta, para sua prossecução, poderosas forças aliadas dentro das instituições nacionais, inclusive dentro das instituições do poder desses estados europeus.

As novas gerações europeias têm tudo a aprender com a multiplicidade de exemplos históricos que advêm dos séculos de opressão que tem sofrido o Haiti, pois a ditadura financeira que se extrema com os fenómenos da globalização não terá contemplações, influindo no futuro das actuais e das próximas gerações.

Os “PIGS” arriscam-se em tornarem-se nações forçadas ao neocolonialismo e só a compreensão ampla do encadeado de fenómenos históricos e contemporâneos contribuirá para que a juventude desses países, as principais vítimas, venham a encontrar as melhores soluções, que passam pela prioridade humana, na saúde, na educação, na criação de alternativas que se expandam em busca de solidariedade, amor e dignidade para longe do beco criado pelo capitalismo do seu berço.

Entre projectos humanísticos dessa natureza, a ser enviada como carne para canhão para lugares distantes num quadro como o da OTAN, vai uma enorme distância: os primeiros “danos colaterais” que a Europa está apagar é ver a sua própria juventude empenhada em guerras que só interessam a quem detém o poder financeiro ao nível global e se obriga à hegemonia unilateral sem outros horizontes, como se vivêssemos em plena Idade Média.

Portugal que teve a experiência da ditadura fascista de Salazar, terá força e capacidade suficientes para impedir, com o aprofundamento da democracia e a defesa dos interesses do Povo Português, que a ditadura financeira imponha os seus desígnios sem alternativa à vista?

Se assim for, para quando será um novo 25 de Abril?

Por seu turno África, que tem demonstrado ser incapaz de alimentar o sentido de vida que se forjou com o movimento de libertação na luta contra o colonialismo e o “apartheid”, quantas lições não tem também de aprender com o exemplo do Haiti?

As sociedades de consumo que têm sido impostas ao continente africano estão a esvaziar estados, frágeis democracias, nações vulneráveis em busca de identidade, com as novas elites actuando como mercenários corruptos e estúpidos, esvaziando as incipientes “democracias representativas” e levando as novas elites até a contribuir para semear as minas e as armadilhas que elas próprias começaram já a pisar, como se fossem meros produtos descartáveis da ditadura da aristocracia financeira mundial.

Em Angola está-se a perder o sentido de vida, a solidariedade, a vontade de socialismo para se Reconciliar, para se Reconstruir, para se Reintegrar: o socialismo democrático torna-se uma ilusão quando se gerem fundamentalmente oportunidades para os negócios duma nova elite corrupta, cada vez mais agenciada, mercenária e manipulada, não se abrindo ao reforço da cidadania, da participação responsável e consciente dos fenómenos históricos e contemporâneos, não se abrindo à solidariedade humana, ao amor para com os povos africanos, os mais deserdados da Terra, não se abrindo ao respeito para com o planeta…

Escolheram a via do capitalismo precisamente quando ele mais se degradava e decompunha, a partir dos que promovem o modelo de globalização envenenada pelo seu próprio domínio, daqueles que expandem ditadura e crise, uma crise que afecta a essência, alógica e o sistema do próprio capitalismo.

Quantos Haitis estão na forja, inclusive Europa dentro?

Será a juventude capaz de enfrentar os desafios, sem quantas vezes fazer sequer o inventário de riscos, muito menos de suas razões causais?

Martinho Júnior - 20 de Maio de 2011

Presidente haitiano condecora Brigada Médica Cubana

Juan Diego Nusa Peñalver, enviado especial a Porto Príncipe – Granma

O presidente haitiano René Préval, condecorou a Brigada Médica Cubana com a Ordem Nacional de Honra e Mérito, grau de "Grande Oficial", a máxima distinção desta nação caribenha, em reconhecimento a seu trabalho destacado na luta contra a epidemia de cólera, que permitiu salvar inúmeras vidas.

Em cerimônia efetuada num salão do Palácio Presidencial desta capital, o chefe de Estado haitiano entregou o honroso reconhecimento, na presença do ministro haitiano de Saúde Pública e População, Alex Larsen, outros integrantes do governo deste país e representantes de organismos internacionais e de organizações não-governamentais.

Este acontecimento teve lugar por ocasião de ser realizada uma avaliação após seis meses de iniciada a perigosa doença, que contagiou 280.450 pessoas, das quais 4.835 morreram.

O presidente haitiano salientou a atenção particular que nosso comandante-em-chefe presta à luta contra a cólera no Haiti, "tema ao qual Fidel dedicou várias de suas Reflexões",apontou.

Igualmente, elogiou o labor da Brigada Médica Cubana, que no momento mais difícil do enfrentamento à doença teve 1.300membros nas comunidades mais afastadas.

Por seu lado, o doutor Somarriba López, ao agradecer a outorga da alta condecoração, manifestou que será transmitida a cada um dos cooperadores sanitários cubanos e, especialmente, ao companheiro Fidel.

Até a segunda-feira, dia 18, os médicos cubanos salvaram desta doença da cólera 73.431 haitianos, com uma baixa taxa de letalidade, 0,37 %, enquanto os centros sob sua responsabilidade não noticiaram mortos por 90 dias consecutivos.

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