RUI MARTINS, Berna – DIRETO DA REDAÇÃO
Berna (Suiça) - O espectro da fome ressurge na África. São três milhões de mortos em perspectiva. Mas os países ocidentais não podem ajudar, ao contrário, até diminuíram suas ajudas pela metade, pois o dinheiro disponível para as emergências precisou ser usado na ajuda aos bancos, ameaçados de falência na recente crise.
Nesta quinta-feira, os dirigentes dos países europeus se reúnem para tentar encontrar uma saída para a crise grega, um país inteiro à beira da falência, com o risco de arrastar consigo toda a estabilidade financeira e mesmo política da Europa.
Nos EUA, Obama tem mais algumas semanas para encontrar uma solução para a crise da dívida interna, enquanto o dólar vai perdendo o valor e sua cotação é menos da metade do valor do ano retrasado na Europa.
Na França, já em plena pré-campanha eleitoral para a presidência, não se fala no terremoto financeiro detetado pelos sismógrafos das bolsas. Mas da telenovela de sexo, mentira, complô, traição e tentativa de violação de uma camareira pelo ex-dirigente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan, DSK, agravada pela denúncia de uma jovem escritora francesa, de ter também sido assediada pelo potente e insaciável economista, que, pelo jeito, não precisa de Viagra.
A telenovela DSK tem todo os ingredientes de um vaudeville ou ópera tragicômica, com a entrada em cena das personagens francesas. A jovem quase violada vem a público e abre processo oito anos depois dos fatos, quando nada se poderá provar. Mas sua intempestiva intrusão na justiça acaba por envolver sua própria mãe, que confessa ter tido uma relação sexual consentida com DSK, porém de rara violência.
O caso assume feições familiares, pois a queixosa de tentativa de violação é amiga da filha de DSK, que estuda em Nova Iorque e apareceu na televisão com a atual esposa de DSK, no episódio da prisão e libertação preventiva do ex-dirigente do FMI. E, por sua vez, a ex-esposa de DSK é madrinha da escritora vítima de tentativa de violação. Ao que parece todas estavam a par dessa história, mas, interrogadas pela polícia francesa, contaram versões diferentes.
E, reforçando a hipótese dos amantes de complôs, houve realmente uma tentativa de se envolver o candidato socialista, François Hollande nessa confusão, por ter sido informado, quando presidente do Partido Socialista, dos ardores de DSK, mas sem tomar qualquer iniciativa. Enraivecido e com receio de ser envolvido, Hollande fez questão de ir à polícia para declarar não ter nada a ver com essa história.
Com isso, os franceses se esquecem de que o capitalismo está de novo hospitalizado no serviço de cuidados intensivos. Os sintomas são os mesmos da crise ocorrida nos EUA – muito capital especulativo, pouco capital produtivo, muito dinheiro nas mãos de poucos e pouco nas mãos da população provocando um alto endividamento, ou seja, o excesso de acumulação de capital está provocando uma baixa de consumo.
Para reforçar suas exportações, os patrões alemães conseguiram dobrar os sindicatos e baixar seus salários, competindo no mercado com os produtos portugueses, espanhóis, gregos, irlandeses e italianos.
Embora hoje alvo das críticas européias, a Grécia cedeu às ofertas dos países ricos europeus, comprando um excesso de desnecessários armamentos, que agora reforça sua dívida e não tem condições para pagar.
Sem se esquecer que as riquezas desses países ameaçados de falência como a Grécia voaram rapidamente para lugares seguros como a Suíça e outros paraísos, que mesmo melhor controlados continuam sendo um bom refúgio.
A política neoliberal está destruindo a União Européia tanto politica como economicamente. E o pior é que se a Grécia falir, virão junto os bancos que dela se apropriaram e com os bancos toda a Europa. E logo a seguir os EUA.
A fome no Sudão, a perda das conquistas sociais dos gregos e logo a seguir de todos os europeus, a força dos bancos que dominam países com seus empréstimos, tudo isso são violações econômicas em cadeia, como na telenovela DSK.
* Jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, ex-membro eleito no primeiro conselho de emigrantes junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreve para o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência.
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