Em todos os processos de ajustamento económico e financeiro, é a massa dos trabalhadores - sobretudo os por conta de outrem - quem mais paga os seus custos. Não pode deixar de ser assim, devido à implacável lei dos grandes números.
Se o que se pretende é travar o consumo das famílias, que representa 67% do produto interno bruto (PIB) do País, isso significa aperto do cinto em rendimento disponível ou em poder de compra real para a grande maioria dos portugueses, constituída pelos pobres e os remediados. E, mesmo quando estes não são tocados por medidas extraordinárias, como a sobretaxa do IRS, acabam por ver cerceado o seu nível de vida com subidas muito altas dos preços de bens essenciais, como os dos passes sociais dos transportes públicos, dos medicamentos, da electricidade ou da água.
O reforço da poupança é desejável e necessário, pelo que é aconselhável actuar com prudência quanto à taxação das poupanças que, aliás, envolvem, em menor ou maior grau, boa parte da população. Mas é difícil de perceber para muitos portugueses que os rendimentos correntes provenientes dos lucros distribuídos pelas empresas não participem equitativamente no esforço de ajustamento, que se proclama nacional.
A revista Exame actualiza hoje o valor das 25 maiores fortunas do País. Em conjunto, elas montam a 17 400 milhões de euros (equivalentes a 10,1% do PIB) e cresceram, entre 2010 e 2011, 17,8%, ou seja, 2630 milhões de euros - o equivalente ao rendimento médio de 210 mil portugueses. É certo que o grosso desta valorização provém das cotações dos seus patrimónios empresariais. Mas note-se que só o contributo de 3,5% deste acréscimo de 25 fortunas renderia 92 milhões de euros ao Estado. O Governo, porém, exige-lhes zero e não se ouve uma só voz entre os 25 portugueses mais afortunados a exortar os seus pares a contribuir patrioticamente para o esforçadíssimo programa nacional de estabilização.
Nos tempos da Administração liderada por George W. Bush, deu brado o célebre manifesto de um conjunto de bilionários americanos (incluindo Warren Buffett e Bill Gates, os dois mais ricos do país) recusando a prorrogação de isenções fiscais em seu próprio benefício, numa situação difícil das contas dos Estados Unidos, a braços com duas guerras em curso no estrangeiro. Entre os nossos muitíssimo ricos, a importância de um sinal dado ao País, de que a solidariedade nacional devia tocar, de facto, a todos, ainda está por acontecer.
Heroísmo humanitário
Dez toneladas de alimentos é já por si um número que pesa, mas que se torna impressionante quando se descobre ser sinónimo de alimentos durante um mês para 3500 crianças subnutridas. Foi essa a quantidade de comida que um avião do Programa Alimentar Mundial descarregou ontem em Mogadíscio, capital dessa Somália que concentra a maior parte dos 12 milhões de pessoas em risco de morrer de fome no Corno de África.
Mas se 3500 crianças podem assim ter esperança de sobreviver à seca que assola a região semidesértica, muitas outras continuam ameaçadas. Por isso a importância de novas entregas, com as agências humanitárias da ONU e as ONG a preverem colocar mais cem toneladas de alimentos especiais para crianças subnutridas nos próximos dias.
É uma missão complexa, tanto mais que na Somália há duas décadas que não existe um verdadeiro Governo a gerir o território. Quem controla agora a zona mais afectada são as milícias islâmicas Al-Shabab, que só perante a morte iminente de milhões de pessoas aceitaram a ajuda. Mesmo assim, um dos seus porta-vozes afirma que a fome é uma invenção dos ocidentais para enfraquecer o islão. O que torna ainda mais heróico este esforço de apoio às populações, tanto por parte dos funcionários da ONU como dos voluntários das ONG.
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