Com base no julgamento dos jovens detidos na semana passada em Luanda, Alcides Sakala, porta-voz do maior partido na oposição de Angola, UNITA, diz que o problema está no sistema e não apenas na figura do Presidente.
Os jovens, que estão a ser julgados esta semana, foram presos quando, na passada quinta-feira (08.09.) se concentraram em frente do Tribunal de Luanda em sinal de solidariedade com outros 21 que estavam sentados no banco dos réus no interior do tribunal – estes por se terem manifestado, no passado dia 3 de setembro, contra as condições de vida no país e contra o Presidente angolano.
Deutsche Welle: Especula-se quanto a um possível afastamento de José Eduardo dos Santos da presidência de Angola. Que peso poderão ter os protestos dos jovens para alimentar tais rumores?
Alcides Sakala: Estas manifestações dos jovens angolanos, jovens universitários, na sua maioria, que tiveram início no princípio deste ano, marcam efetivamente o início de uma nova fase na história de Angola. Primeiro, o sistema atual angolano, o Executivo, o Governo angolano, não conseguiu dar respostas às expectativas dos jovens com o fim da guerra civil. Em vez de dar solução a essas expectativas, agravaram-se os problemas sociais.
DW: Mas foi precisamente por protestarem contra o Presidente e contra a situação em Angola que os jovens detidos na manifestação de 3 de setembro foram condenados a penas de prisão de até 3 meses. Agora, estão a ser julgados outros jovens que se solidarizaram com os primeiros durante o julgamento destes. Espera um resultado diferente do dos primeiros 21 jovens?
AS: Nós não esperamos muito, numa altura em que também temos vindo a reiterar, já nas últimas semanas, a nossa preocupação face às violações sistemáticas do Executivo angolano das próprias leis, que os seus próprios deputados aprovam na Assembleia Nacional. Os sistemas totalitários africanos não terão outras opções senão seguir a lógica da violência para procurar afirmar o seu poder nacional. Mas quanto mais o fizerem, mais cavam o fosso que vai levar ao agudizar desta situação que levará eventualmente a mudanças no nosso país. Portanto, o que dá a entender é que o regime atual angolano está no princípio do fim.
DW: Até que ponto se pode falar de uma dependência da justiça face ao poder político em Angola?
AS: Não há, de facto, separação de poderes no nosso país. E as hesitações refletem-se na forma como está a decorrer este processo judicial aqui em Luanda. Há tanta incongruência, há tanta irregularidade, há tanta insuficiência. Porque, de fcato, os juízes debatem-se mesmo com este problema de estarem dependentes de orientações que vêm do topo. Está mesmo a haver dificuldades em definir matéria jurídica para responsabilizar estes jovens, que agiram afinal no quadro daquilo que a própria Constituição consagra.
DW: Tem-se especulado que o atual Presidente da companhia petrolífera nacional Sonangol, Manuel Vicente, possa vir a substituir Eduardo dos Santos. Os angolanos estariam em boas mãos, se, de facto, isso acontecesse?
AS: Eu penso que, mais do que pessoas, é o próprio sistema que tem de ser alterado. É provável que, com um ator novo, provavelmente mais sensível a questões ligadas à democratização, o país possa ter um outro rumo, mas, na essência, é o sistema que está em causa. Criou-se um sistema autocrático, um sistema que se aburguesou nestes últimos tempos, um sistema que se encontra cada vez mais distante das camadas desfavorecidas da sociedade angolana, portanto temos ainda muito trabalho para fazer.
Autora: Marta Barroso - Edição: António Rocha
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