ANTÓNIO VERÍSSIMO
Abordar Angola em termos políticos e humanistas é descoroçoante. Assistimos a uma versão moderna das práticas Politburo corrupto da ex-URSS naquele país, representada por Eduardo dos Santos e pelo MPLA. Eduardo dos Santos, dono do MPLA, é também o dono de Angola. As injustiças, a fome, a miséria, a repressão, a corrupção, os roubos das riquezas angolanas também pertencem por “direitos próprios” ao dono do MPLA e de Angola. Testemunham e beneficiam os que o rodeiam, os filhos, outros familiares e, principalmente, pelo que sabemos, a filha – uma magnata angolana à custa do surripiado aos angolanos. Todos o sabem, quase todos o dizem, mas ninguém muda o curso do esvaimento das fortunas roubadas. Angola tem uma oposição amordaçada mas também impreparada.
Ultimamente Angola tem sobressaído internacionalmente pela repressão aos grupos de jovens universitários e não universitários que assumiram a coragem de contestar a permanência do ditador Eduardo dos Santos na presidência da república há 32 anos sem que nunca se sujeitasse a sufrágio eleitoral. Mas há muito que Angola é palco de uma das maiores ocupações de outro país: Cabinda. Políticos portugueses em conluio com Eduardo dos Santos fizeram tábua rasa de documentado e comprovado acordo entre o reino de Cabinda e de Portugal há alguns séculos. Nesse documento está provado que Angola não vai territorialmente de Cabinda ao Cunene, como é dito por Eduardo dos Santos, por Cavaco Silva e outros das conivências ocupacionistas. Grosso modo, documentalmente, Cabinda ainda hoje poderia ser um protetorado de Portugal se os cabindenses assim desejassem, mas nunca fazer parte integrante de Angola como é pretendido e efetivado por Angola através da ocupação pela força. Essa é a luta justa de Cabinda, pela autonomia, pela independência. Procuraram o diálogo para resolver a questão, optando pela luta armada quando constataram que o que de melhor podia acontecer era um monólogo, uma conversa de surdos. Também a repressão tem feito parte do quotidiano de Cabinda. Afinal não são só os jovens corajosos de agora os opositores ao regime ditatorial eduardista. A luta dos cabindenses existe desde que Angola decidiu ocupar o território e fazer ouvidos moucos às aspirações legítimas dos naturais e habitantes naquele território.
Historicamente, assistimos a uma repetição de um método sempre usado pelos mais fortes em detrimento dos mais pequenos e mais fragilizados. O gigante Angola passou de país oprimido e ocupado pelo colonialismo português a opressor e ocupante de uma pequena nação sua vizinha, Cabinda.
A história também nos tem demonstrado que todas as ditaduras têm um fim e que todas as ocupações territoriais seguem igualmente esse destino. Temos por isso a garantia de que independentemente do tempo que possa passar Eduardo dos Santos e o seu regime vão cair e que Cabinda conseguirá a almejada independência.
Detentores dessa certeza podemos agora e no futuro questionar sobre as vantagens de que o justo seja o prémio dos que ontem, hoje e amanhã lutam em Angola contra o ditador Eduardo dos Santos e seu séquito partidário. Pergunte-se o que virá a seguir no futuro de Angola e dos angolanos depois do eduardismo. É uma grande incógnita. E é isso mesmo porque não parece que presentemente o maior partido da oposição ao MPLA de Eduardo dos Santos seja confiável e competente para governar os destinos do país e do povo. Esta ansiedade invade o espírito de todos aqueles que não sendo angolanos estão contra o sistema ditatorial, ladrão e criminoso, do atual regime angolano. Será que tal ansiedade também ocupa a mente e os sentimentos da vasta maioria dos angolanos e que por essa razão não aderem massivamente aos protestos dos jovens contestatários? Ou será só por medo da repressão do regime e da dependência que muitos têm dele a nível de empregos e de tábua de salvação para sobreviverem?
Na realidade os líderes da UNITA não demonstram ser escrupulosos, honestos e indiscutivelmente capacitados para governar Angola com justiça e democracia para todos os angolanos até agora vítimas injustiçadas. Entregarem de bandeja o país à homogeneidade dos EUA-Europa e dos da finança global não é a solução. Não foi para isso que os mais velhos lutaram no mato. Não foi para isso que morreram na luta milhares de combatentes angolanos. Esta nova geração de políticos da UNITA deixa muito a desejar. Intui-se isso mesmo através de comportamentos e de declarações. Sobre a FNLA, pela sua quase invisibilidade, é melhor nem dizer uma vaia, tão “estranho” tem sido o seu depauperante percurso na pseudo democracia angolana.
Em Angola existem outros partidos políticos. O Bloco Democrático, há relativamente pouco tempo oficializado. Poderá constituir uma esperança capacitada para governar Angola e garantir a justiça social para a população? Poderá garantir a democracia, um verdadeiro estado de direito eleito pelo povo e a governar no estrito interesse de todos os angolanos? Talvez, mas não para já. Ainda não se vislumbra no Bloco Democrático líderes devidamente capacitados para tarefa tão árdua e importante. Para já é uma questão de tempo. Tempo que os angolanos carenciados e injustiçados não têm. Também com o tempo a UNITA ou outros partidos poderão revelar-se alternativa pós queda do eduardismo. Tempo. Repito: tempo é aquilo que o povo angolano não tem para que Angola seja um estado de direito e se liberte da ditadura eduardista que atualmente vive a sua plenitude mascarada de democrata.
É através deste dilema que Eduardo dos Santos joga e vai garantindo a sua perpetuação. Em maior parte o dilema foi criado pela repressão e assassinatos praticados pelo regime eduardista. Mas também pela gula, egoísmo e servilismo de alguns líderes dos partidos da oposição, que a troco de uma colher mal cheia de mel coado e de algumas mordomias alinharam – ao engano ou não - com o MPLA numa aparente democracia. Quem é que agora pode e deve confiar neles? Este “carapuço” serve principalmente à UNITA. Derrubar o ditador e o regime imposto de democracia podre para outros ocuparem os poderes e voltarem a fazer o mesmo com outros figurinos não é aquilo que interessa aos angolanos. Porque não têm tempo, devido a um manancial de injustiça os causticarem, é chegada a hora de melhores e bons líderes se revelarem, principalmente que sejam honestos, justos, democráticos, e devolvam ao povo angolano aquilo que lhes tem sido roubado pelo regime eduardista. Aliás, num mundo promissor de justiça não seria para admirar que Eduardo dos Santos e o seu séquito fossem justamente acusados de depauperarem o que legitimamente pertence aos angolanos. Daí a fome, as doenças e a falta de quase tudo, que agora está a surgir a conta-gotas para efeitos eleitoralistas, para o eduardismo continuar a ser dono de Angola e dos angolanos que vilipendia.
Sobre Cabinda é sabido que também não será o novo regime que venha a substituir o eduardismo em Angola que entregará de mão-beijada Cabinda aos cabindenses. Muita água correrá sob as pontes. Mas a independência é certa porque a luta é justa. É uma questão de tempo. Os cabindenses têm todo esse tempo, ao contrário dos angolanos – que não o têm, para resolver os seus problemas de fome e miséria completa a vários níveis.
*Texto parcial de publicação integral intitulada "TRÊS TEXTOS SOBRE TRÊS PAÍSES E TRÊS TRASTES", em Página Lusófona – blogue do autor – que também aborda Portugal e Timor-Leste.
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