Novo programa socioambiental brasileiro quer combater a pobreza e preservar a Amazônia. Ambientalistas alertam que o benefício pago não é suficiente para mudar a lógica econômica da região, que depende do desmatamento.
Em outubro, 3,5 mil famílias brasileiras que vivem em condições de extrema pobreza irão receber pela primeira vez o Bolsa Verde. O benefício é a nova arma lançada pelo governo federal para aliviar as condições sociais precárias desse cidadãos e, ao mesmo tempo, estimular a preservação ambiental e ajudar a conservar até 50 milhões de hectares de floresta.
O Bolsa Verde pretender alcançar os brasileiros que vivem em áreas de conservação dos nove estados da Amazônia Legal e que têm uma renda de até 70 reais por membro. O programa tem a meta de atender 18 mil famílias até o fim do ano, chegando a 76 mil em 2014. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 2,6 milhões de pessoas vivem em condições de extrema pobreza só na Região Norte do país – a metade delas está no estado do Pará.
"Ao assinar o termo de adesão, elas se comprometem a manter suas atividades de conservação ambiental, a respeitar tanto a legislação ambiental como as regras específicas da unidade de conservação onde moram", explica Andréa Oncala, coordenadora do Bolsa Verde do Ministério de Meio Ambiente, sobre as famílias que vão receber o benefício.
Paulo Moutinho, diretor do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), diz que a iniciativa é bem-vinda por ter o mérito de motivar a valorização da floresta, mas faz ressalvas. "O Bolsa Verde não pode ser encarado como uma solução definitiva, pois será necessário que compensações por conservação florestal ou redução do desmatamento sejam parte de uma política maior de valoração florestal e, principalmente, de promoção de um uso mais sustentável e ambientalmente correto das áreas já desmatadas."
Ambientalistas do Greenpeace usam o lançamento do programa para destacar uma contradição na política ambiental brasileira. "A presidente Dilma precisa desligar a motosserra no Congresso, pois para eliminar a pobreza precisamos manter de pé nossas florestas, que são a maior riqueza do país, que abrigam uma parcela importante da população pobre do Brasil e que impulsionam nossa agricultura", criticou Rafael Cruz, da Campanha Amazônia da ONG. Ele se refere à votação do controverso Código Florestal, acrescendo que a presidente ainda não interferiu na discussão.
Uma questão de sustentabilidade
O Bolsa Verde é inspirado no Programa Bolsa Floresta (PBF), instituído pelo estado do Amazonas em 2007 como o primeiro projeto do Brasil voltado para a compensação das populações tradicionais pela manutenção dos serviços ambientais. Atualmente, o PBF contabiliza 35 mil pessoas atendidas em 15 unidades de conservação, numa área que totaliza 10 milhões de hectares.
Os beneficiados dependem da floresta para sustento próprio: eles já moram em unidades de conservação ou assentamentos e exercem atividades extrativistas. "A lei permite que famílias habitem essas áreas", explica Oncala.
Essas pessoas vivem da pesca, da colheita da castanha, do babaçu, da extração da seringa, de fibras, açaí e, na maioria dos casos, praticam atividades agrícolas de subsistência. Questionada sobre qual consciência essas famílias têm do que são ações sustentáveis ou não, Oncala respondeu que o próximo passo do governo é oferecer uma capacitação ambiental mais aprofundada aos beneficiados.
Segundo as regras, as unidades de conservação beneficiadas têm 85% de cobertura vegetal – cinco assentamentos teriam ficado fora da lista do governo por não cumprirem essa determinação. A fiscalização será feita com a ajuda de satélite: o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) vai mapear as áreas onde vivem as famílias atendidas pelo Bolsa Verde. Estão programadas também visitas aos locais para avaliar o impacto do programa.
Se os beneficiados não receberem boa orientação, ressalta Moutinho, a fiscalização terá que ser mais pontual. "A fiscalização só não será tão fundamental se a aplicação dos recursos do Bolsa Verde for bem dirigida, para que gere resultados a longo prazo e que sejam aplicados não só na preservação florestal, mas na busca de valorização das atividades já desempenhadas pelas comunidades contempladas. Pelo menos é isso que a experiência mostra."
Mudança de mentalidade
Um estudo assinado pelo Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia) e World Resources Institute mostrou que quase metade da Floresta Amazônica sofre pressão humana. O relatório analisou várias atividades humanas na região – o setor florestal brasileiro representa aproximadamente 8% de toda o rendimento econômico anual do Brasil.
Mas são nas propriedades privadas que o perigo do desmatamento é maior. "E o programa Bolsa Verde é focado em áreas que já são protegidas, unidades de conservação ou assentamentos. Ou seja, o impacto desse benefício para combater a derrubada de floresta é pouco. Mas é claro que o Bolsa Verde também tira a pressão sobre a floresta porque as famílias recebem ajuda para se sustentarem", lembra Cruz, do Greenpeace.
O combate mais intenso das autoridades contra o desmatamento também fez com que o perfil do agressor ambiental mudasse, "a degradação é cada vez mais pulverizada e de menor escala", adiciona Cruz. Dados do Imazom apontam que a área desmatada entre agosto de 2010 e julho de 2011 foi 9% maior que o total registrado no período de 12 meses imediatamente anterior, saltando de 1.488 km2 para 1.628 km2.
Para manter a floresta em pé, Moutinho acredita que o benefício social não seja o único caminho a ser utilizado nem o mais eficiente. "O mais efetivo é buscar o investimento de recursos em programas integrados de gestão ambiental das comunidades, que valorizem o uso sustentável da floresta e ao mesmo tempo ajudem a mudar a lógica econômica da região – que hoje depende do desmatamento – para uma outra lógica onde a preservação florestal gere crescimento econômico e, particularmente, o uso adequado das áreas já abertas."
Autora: Nádia Pontes - Revisão: Carlos Albuquerque
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