Eduardo Febbro - Correspondente da Carta Maior em Paris
Os dois candidatos com mais votos, Hollande e Aubry, não esclareceram ainda a conta pendente que o PS tem com sua própria definição: o que é o socialismo europeu em tempos de estragos capitalistas? Como passar a ser outra coisa depois dos anos de ambivalência entre socialismo liberal e liberalismo social? O peso eleitoral que a ala esquerda do PS obtiver nas primárias do próximo domingo pode mudar nos próximos meses os ingredientes do discurso socialista. O artigo é de Eduardo Febbro.
O Partido Socialista francês entra na reta final do processo da eleição primária com vistas a apontar um candidato para as eleições presidenciais de 2012 sob um céu de brigadeiro. Pesquisas de opinião favoráveis, hecatombe da direita no poder, degradação da imagem do presidente Nicolas Sarkozy e, pouco a pouco, consolidação da candidatura do ex-primeiro secretário do PS, François Hollande. Ao mesmo tempo, o debate público organizado entre os seis candidatos que participam, dia 9 de outubro, do primeiro turno fez emergir algumas ideias novas no interior da chamada esquerda socialista, entre elas o conceito-chave da campanha de um dos candidatos, a “desglobalização” ou a “desmundialização”.
A eleição primária deste domingo oferece à esquerda uma tribuna que ultrapassa os limites de seu eleitorado e de seus simpatizantes. O PS calcula que se mais de um milhão de pessoas votarem na eleição ela terá sido um êxito. O processo é inédito na cultura política francesa. O voto não é reservado aos socialistas, mas a todas as pessoas inscritas nas listas eleitorais. A única condição para participar é pagar um euro e firmar uma “carta de adesão” aos valores da esquerda. Esta metodologia não restritiva teve um efeito inesperado: muitos eleitores ecologistas, comunistas, centristas e conservadores pensam participar. As pesquisas de opinião revelam que entre uma terça parte e a metade daqueles que participarão da primária do próximo domingo não são eleitores socialistas.
A configuração é paradoxal: esses eleitores “extra muros” do socialismo francês não votariam em nenhum candidato do PS no primeiro turno das eleições presidenciais de 2012, mas poderiam influenciar na interna socialista para optar pelo candidato que consideram melhor para disputar a eleição com a direita. O raciocínio é o seguinte: se o próximo presidente for um socialista, então que o seja o melhor deles.
As pesquisas internas apontam uma vitória expressiva de François Hollande frente a outra favorita, a atual primeira secretária do PS, Martine Aubry. Hollande poderia obter no próximo domingo cerca de 45% dos votos. A cifra é insuficiente para evitar um segundo turno no dia 16 de outubro. O candidato que avançou mais é Arnaud Montebourg e sua ideia de “desglobalizar” a sociedade. Montebourg conseguiu inclusive atrair os eleitores da esquerda da esquerda, agrupados na Frente de Esquerda.
Esta figura emergente foi a única que, até agora, tomou clara distância do liberalismo. “Proponho recuperar o controle da economia pela política”, disse, acrescentando: “não derrotaremos Nicolas Sarkozy respeitando as tábuas da lei da Organização Mundial do Comércio (OMC), não o derrotaremos aplicando suas ideias. Nós só vamos derrotá-lo combatendo os tabus que nos conduziram à quebra”. Seu projeto de “desglobalização” aponta para o “rompimento das cadeias ideológicas”, para a “quebra da ordem antiga”. De todos os candidatos, Arnaud Montebourg tem sido o mais severo em suas propostas contra o setor financeiro e em sua estratégia de incluir os “esquecidos da globalização”. O deputado socialista fez dos bancos seu principal cavalo de batalha. Para este deputado de 46 anos, o “espírito” socialista consiste em “desinflar” a esfera financeira e empregar “todos os meios para controlar os bancos”. Em uma entrevista ao diário Libération, Montebourg declarou que “os bancos deveriam ser cortados em pedaços (...) Os bancos têm uma responsabilidade pela derrocada do sistema financeiro”.
Nenhum outro candidato do PS falou até agora com essa agressividade. Frente a ele, François Hollande é mais modesto, quase um centrista cauteloso. Seu programa prevê um plano nacional de educação, a reforma fiscal a fim de reequilibrar as contribuições “entre o capital e o trabalho”, a imposição de regras para o sistema financeiro – não detalhadas – a instauração de um contrato geracional mediante o qual as empresas privadas conservariam os empregados mais antigos para que esses transmitam o ofício aos novos jovens contratados.
Os dois candidatos com mais votos, Hollande e Aubry, não esclareceram ainda a conta pendente que o PS tem com sua própria definição: o que é o socialismo europeu em tempos de estragos capitalistas? Como passar a ser outra coisa depois dos anos de ambivalência entre socialismo liberal e liberalismo social? O peso eleitoral que a ala esquerda do PS obtiver no domingo modificará nos próximos meses os ingredientes do discurso. Por enquanto, o socialismo francês navega no centro do rio, medindo com muita prudência a influência das costas.
Tradução: Katarina Peixoto
A eleição primária deste domingo oferece à esquerda uma tribuna que ultrapassa os limites de seu eleitorado e de seus simpatizantes. O PS calcula que se mais de um milhão de pessoas votarem na eleição ela terá sido um êxito. O processo é inédito na cultura política francesa. O voto não é reservado aos socialistas, mas a todas as pessoas inscritas nas listas eleitorais. A única condição para participar é pagar um euro e firmar uma “carta de adesão” aos valores da esquerda. Esta metodologia não restritiva teve um efeito inesperado: muitos eleitores ecologistas, comunistas, centristas e conservadores pensam participar. As pesquisas de opinião revelam que entre uma terça parte e a metade daqueles que participarão da primária do próximo domingo não são eleitores socialistas.
A configuração é paradoxal: esses eleitores “extra muros” do socialismo francês não votariam em nenhum candidato do PS no primeiro turno das eleições presidenciais de 2012, mas poderiam influenciar na interna socialista para optar pelo candidato que consideram melhor para disputar a eleição com a direita. O raciocínio é o seguinte: se o próximo presidente for um socialista, então que o seja o melhor deles.
As pesquisas internas apontam uma vitória expressiva de François Hollande frente a outra favorita, a atual primeira secretária do PS, Martine Aubry. Hollande poderia obter no próximo domingo cerca de 45% dos votos. A cifra é insuficiente para evitar um segundo turno no dia 16 de outubro. O candidato que avançou mais é Arnaud Montebourg e sua ideia de “desglobalizar” a sociedade. Montebourg conseguiu inclusive atrair os eleitores da esquerda da esquerda, agrupados na Frente de Esquerda.
Esta figura emergente foi a única que, até agora, tomou clara distância do liberalismo. “Proponho recuperar o controle da economia pela política”, disse, acrescentando: “não derrotaremos Nicolas Sarkozy respeitando as tábuas da lei da Organização Mundial do Comércio (OMC), não o derrotaremos aplicando suas ideias. Nós só vamos derrotá-lo combatendo os tabus que nos conduziram à quebra”. Seu projeto de “desglobalização” aponta para o “rompimento das cadeias ideológicas”, para a “quebra da ordem antiga”. De todos os candidatos, Arnaud Montebourg tem sido o mais severo em suas propostas contra o setor financeiro e em sua estratégia de incluir os “esquecidos da globalização”. O deputado socialista fez dos bancos seu principal cavalo de batalha. Para este deputado de 46 anos, o “espírito” socialista consiste em “desinflar” a esfera financeira e empregar “todos os meios para controlar os bancos”. Em uma entrevista ao diário Libération, Montebourg declarou que “os bancos deveriam ser cortados em pedaços (...) Os bancos têm uma responsabilidade pela derrocada do sistema financeiro”.
Nenhum outro candidato do PS falou até agora com essa agressividade. Frente a ele, François Hollande é mais modesto, quase um centrista cauteloso. Seu programa prevê um plano nacional de educação, a reforma fiscal a fim de reequilibrar as contribuições “entre o capital e o trabalho”, a imposição de regras para o sistema financeiro – não detalhadas – a instauração de um contrato geracional mediante o qual as empresas privadas conservariam os empregados mais antigos para que esses transmitam o ofício aos novos jovens contratados.
Os dois candidatos com mais votos, Hollande e Aubry, não esclareceram ainda a conta pendente que o PS tem com sua própria definição: o que é o socialismo europeu em tempos de estragos capitalistas? Como passar a ser outra coisa depois dos anos de ambivalência entre socialismo liberal e liberalismo social? O peso eleitoral que a ala esquerda do PS obtiver no domingo modificará nos próximos meses os ingredientes do discurso. Por enquanto, o socialismo francês navega no centro do rio, medindo com muita prudência a influência das costas.
Tradução: Katarina Peixoto
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