MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND* – DIRETO DA REDAÇÃO
É grave a crise econômica na Europa. Há analistas que dizem ser pior do que a de 1929. Não é só a Europa, mas os Estados Unidos estão em recessão. Como as duas áreas do planeta são consumidoras, e a China é uma das principais beneficiárias com a exportação de seus produtos de consumo, se a fonte secar ou mesmo o fluxo de consumo de produtos chineses for reduzido, a América Latina automaticamente será afetada. Não poderá contar, como agora, com a República Popular da China para escoar as commodities. Essa análise é feita por analistas que acompanham de perto o desenrolar dos acontecimentos.
Na Europa, depois da Grécia, a bola da vez é a Itália, que se encontra também em situação desesperadora. Depois de Silvio (bunga bunga) Berlusconi ocupa o cargo de presidente do Conselho de Ministros, que corresponde a primeiro-ministro, um tal de Mario Monti, ex-vice-presidente da Goldman Sachs, gigante do mercado. Ou seja, a Itália, como a Grécia coloca um “técnico” para fazer o jogo sujo do capital financeiro, perdendo mesmo a sua soberania.
Como afirmou Mikis Theodorakis, o compositor grego de longa tradição política e que aos 14 anos perdeu um olho quando combatia na resistência antinazifascista, se a Grécia se submeter às exigências dos chamados "parceiros europeus" será "o nosso fim quer como povo quer como nação".
Theodorakis, que ao longo dos anos sempre combateu o bom combate, além de compor músicas belíssimas (quem não se lembra da trilha sonora de Zorba, o grego?), alerta ainda que “se europeus não se levantarem, bancos trarão de volta o fascismo”. Gregos, italianos, espanhóis, portugueses, estadunidenses estão nas ruas protestando contra as investidas do capital financeiro, responsável pela crise e que exige dos trabalhadores o pagamento da fatura.
Embora os europeus não conheçam a fúria dos generais de plantão, como aconteceu na América Latina nos anos 70, com o apoio integral de sucessivos governos dos EUA, não se exclui a possibilidade de que o mesmo capital financeiro exija a instalação de governos fortes no velho continente. Em princípio estão tentando os técnicos ao seu serviço, mas se o caldo engrossar...
Um parêntesis: a Grécia com o regime dos coronéis nos anos 70, Portugal com o famigerado Oliveira Salazar e a Espanha com o hediondo Francisco Franco assolaram os seus povos com ditaduras ao estilo Pinochet/Médici e outros do gênero. Os tempos são outros, claro, e figuras como as mencionadas não teriam mais vez, mas isso não impede que em situação de emergência o capital financeiro se valha de regimes fortes.
Na verdade, quem dita as cartas das finanças na Europa é a Alemanha. A primeira ministra Angela Merkel é a senhora dos anéis. Ela tem ditado regras aos demais países, cujos dirigentes pouco se importam com a perda de soberania, que muitos analistas consideram coisas do passado. Para estes dirigentes e os analistas de sempre, o que importa mesmo é a pós-modernidade. E a pós- modernidade é isto que está aí no cenário internacional.
Mas já que falamos em repressão, um fato histórico vergonhoso, envolvendo as relações Brasil-Argentina, veio à tona. Documentos que se tornaram públicos indicam que por volta de 1982, o então embaixador brasileiro em Londres, Roberto Campos, defensor histórico do capital financeiro, batalhou no sentido de o então capitão Alfredo Astiz ficasse livre. Como se sabe, Astiz, o anjo da morte, que torturou e matou sem piedade, acabou de ser condenado a prisão perpétua.
Astiz, que literalmente se borrou quando foi preso nas Malvinas pelos britânicos, contou com os esforços de Roberto Campos no sentido de libertá-lo, segundo informa o jornal argentino Pagina 12. Tal fato demonstra também como a ditadura brasileira e argentina andavam juntas. A diferença agora é que os torturadores assassinos argentinos estão sendo julgados, enquanto os similares brasileiros contam com a impunidade de uma lei de anistia promulgada em 1979, nos estertores da ditadura, mas ainda na vigência do regime ditatorial e sob pressão dos que tinham culpa no cartório.
No mais, exemplo de promiscuidade jornalística mais recente fica por conta da TV Globo na cobertura, na quinta-feira (17) do que está acontecendo na Bacia de Campos com o derramamento de petróleo pela empresa estadunidense Chevron-Texaco. Sem o menor constrangimento, o repórter sobrevoou o local num avião cedido pela própria Chevron-Texaco, passando a relatar o que era de interesse da referida empresa. Ou seja, dourando a pílula da agressão ao meio ambiente provocada pelo derramamento.
Os noticiários dos outros canais de televisão simplesmente diziam que a Chevron-Texaco não tinha se pronunciado. Ficou caracterizada a exclusividade da TV Globo, mas com o noticiário divulgado em conformidade com a empresa estadunidense.
Eis mais uma faceta do jornalismo global.
*É correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE
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