sábado, 19 de novembro de 2011

HÁ 50 ANOS AVIÕES DA NATO BOMBARDEAVAM EM ANGOLA – VII




MARTINHO JÚNIOR, Luanda

1 – Socorremo-nos do livro da autoria do historiador Fernando Correia, Américo Boavida – tempo e memória (1923-1968), para evidenciar a narrativa do ataque à Base Hanoi II, acampamento Dengue, onde se encontrava o insigne médico angolano, a 25 de Setembro de 1968, que resultou na sua morte.

“O dia 25 de Setembro no acampamento Dengue amanhecera com uma névoa no horizonte, a rotina diária repetia-se: pelas 05H00 da manhã os residentes foram despertos com o habitual bater de palmas; seguiu-se a higiene pessoal e pelas 06H00 a formatura geral na parada do acampamento e a distribuição de trabalhos diários. (…)

Logo de manhã quando estávamos na parada fomos informados: temos que estar preparados porque em qualquer altura podemos ser atacados, pois um dos mensageiros que conhecia esta base foi capturado e é capaz de nos denunciar, uma vez que já fora capturado há cerca de uma semana, nós não sabemos se eles querem que nos esqueçamos do assunto, ou se não deram importância às declarações do capturado.

De qualquer forma, temos que estar preparados e atentos.

Esta informação foi dada a todos os níveis, inclusivamente ao SAM e, bem assim ao dr. Américo Boavida.

Pelas 07H00 seguiu-se o matabicho e durante o mesmo os comandantes Jaginda, Mwihula, Massunga Kota, Likambuila e o jornalista Donald Barnett trocavam impressões sobre os últimos acontecimentos no mundo.

Depois foi ouvido o ruído longínquo de um motor de avião.

Todos pensaram que se tratava de um Nord Atlas, popularmente conhecido pela barriga de ginguba, assim designado pelo formato oval de sua fuselagem: (…) algum tempo depois passa um outro e exclamámos: não é barriga de ginguba, é de reconhecimento!

Então o comandante da base, Mundo Real, deu ordem para dispersar.

As crianças e as mulheres que estavam na lavra dispersaram por causa da aviação.

Nesse instante, já nas imediações do rio Dengue e sobre o acampamento, o DO-27 lançou três rockets de fósforo e delimitou a área a ser bombardeada, afastando-se depois do local.

No momento seguinte, apareceram o PV-2, bombardeiro pesado e seis caças de ataque ao solo tipo T-6 lançando uma nova onda de ataques, metralhando e lançando bombas de 250.

Seguidamente um helicóptero, que actuava a solo, equipado com um canhão de 20mm, que rasando os contornos do terreno, fazia a protecção ao desembarque das tropas que se encontravam noutros helicópteros, a cerca de quinhentos metros do acampamento.

Quando caíram as primeiras bombas sobre o acampamento gerou-se uma balbúrdia geral, com gritos de mulheres, choros de crianças, ordens e contra ordens: a primeira bomba que eles deitaram foi entre a nossa cozinha e a casa onde estava o Américo Boavida.

A partir daí foi o desvario e a dispersão total”…

2 – A doutrina da NATO está presente nos relacionamentos bilaterais entre Portugal e os países africanos, quantas e quantas vezes a coberto do “mercado” e do modelo que a hegemonia gerou para a globalização que é interesse e conveniência dos ricos para com os outros., com toda a influência nos relacionamentos norte-sul.

Portugal tem servido a NATO, tirando partido da amplitude sócio-cultural e o facto de continuar a ser um veículo de transmissão desses interesses e conveniências, é determinante para o seu papel em relação aos PALOP e CPLP.

Portugal é de facto uma “potência intermediária”, utilizada para ser veículo das mensagens apropriadas ao sistema a que se encontra preso, que começa na conceptualização com as referências ao “mercado” e acaba depois em questões de especialidade, quer dos serviços de inteligência, quer das questões militares.

Vários exemplos podem ser recolhidos da Revista Militar; deles extraímos um dos últimos, um artigo do Coronel de Infantaria Nuno Miguel Pascoal Dias Pereira da Silva, A relevância do papel de Portugal em Organizações Internacionais – A relevância de Portugal na NATO e na EU” (http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=607).

Note-se como as estratégias são colocadas, por vezes da forma mais capciosa:

(…)
“O Conceito Estratégico de Defesa Nacional, em vigor, assume pela primeira vez explicitamente que Portugal não tem capacidades para se defender sozinho, necessitando de alianças para poder defender‑se contra uma eventual agressão exterior.

Baseado no que acabámos de referir podemos afirmar que, actualmente, Portugal conta com a NATO para a sua eventual defesa, organização a que pertence desde a sua fundação acerca de sessenta anos, e que concomitantemente está a trabalhar no aprofundamento da Política Comum de Segurança e Defesa no âmbito da União Europeia.

Em termos políticos e militares, Portugal está profundamente empenhado na cooperação bilateral com os Países de Expressão Portuguesa, bem como se encontra empenhado no aprofundamento da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), participando activamente em exercícios militares conjuntos e na promoção de uma força de paz para ser empregue em África.

Assim, pode‑se concluir que a mais‑valia de Portugal na Europa e no mundo é poder constituir‑se como porta de entrada de relações privilegiadas destes países com a Europa”.

(…)
“A plataforma naval disponibilizada pelos EUA, para ser utilizada pelo “nosso” comando de segundo nível é o navio “Mount Whitney”, tendo sido testada e validada no exercício Strong Resolve.

Nas conclusões do Strong Resolve, a que tivemos acesso, podemos realçar que este tipo de comando, embarcado numa plataforma naval, garante grande flexibilidade permitindo reduzir o tempo de intervenção da NATO em qualquer área do Globo, nas operações designadas por Out of Area.

Como já referimos, várias nações com peso na aliança foram contra este processo de transformação do nosso Comando em comando do Segundo Nível da NATO, tendo no entanto esta opinião sido preterida em prol do Comando sedeado em Oeiras.

Portugal, em nossa opinião, negociou este dossier de uma forma muito hábil tendo conseguido o seu desiderato, fundamentalmente pelo apoio político dado à invasão do Iraque, pela coligação liderada pelos EUA, a que se juntou o facto de estar relativamente próximo do Continente Africano, onde a NATO pretende começar a ter alguma preponderância, o que aliado às relações privilegiadas que Portugal tem com os países do Norte de África e com as suas ex‑colónias, também pesou nesta decisão”.

PAZ SIM, NATO NÃO!

Gravura: Poster do MPLA relativo ao Dr. Américo Boavida.


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