terça-feira, 27 de dezembro de 2011

UM ANO PARA ESQUECER





1. 2011 foi, efectivamente, um ano para esquecer. Foi péssimo para Portugal, mas não só, com a fúria dos mercados especulativos a querer transformar-nos em "lixo" (imagine-se!), e foi também mau para a União Europeia, que todavia, felizmente, sublinho o advérbio, penso "não estar a desaparecer do mapa", como escreveu na Visão o meu lúcido amigo Eduardo Lourenço, nem integrada num "impossível Estado Europeu", como salientou, na mesma revista, o conceituado professor José Gil. Julgo que nas duas afirmações foram longe de mais, embora o que está para vir, ao que parece, não nos traga qualquer tranquilidade imediata. Bem pelo contrário.

A razão do meu moderado não pessimismo resulta, como os meus eventuais leitores já perceberam, na ideia (para mim impensável) da Europa poder cair no abismo, como tantos profetas da desgraça têm vindo a profetizar. Só se os dirigentes europeus, que tanto tenho criticado, na sua falta de visão estratégica e mediocridade, não tiverem um mínimo de senso comum, que os force, mesmo que não queiram, por razões ideológicas ou de mero interesse, a mudar radicalmente de política e a delinear uma saída para a crise. É o que se impõe, como salta à vista.

Os Estados Unidos de Barack Obama - apesar de tudo o que dizem e tentam fazer os irresponsáveis republicanos - começam a dar sinais consistentes de melhoria, em relação à crise, que aliás teve neles a sua origem. Barack Obama, com a sua autoridade, humanismo e persistência, tem feito repetidos apelos à Europa, para lutar contra a crise, mudando de paradigma. E outros Estados emergentes como a China, o Japão, a Rússia, a Índia e o próprio Brasil têm, de diferentes maneiras, aderido aos apelos de Obama. Ninguém ganha com o colapso europeu, a não ser, no imediato, os especuladores.

2. A verdade é que a crise, como se sabe, é global. Ou seja, de uma ou outra maneira, afecta todos. Por isso, talvez, se multipliquem as pressões para evitar um colapso da União Europeia, que, nos últimos cinquenta anos, tem sido uma referência para o Mundo.

Ora isso implica ter uma estratégia anticrise que impeça a recessão e reduza substancialmente o desemprego. As receitas neoliberais, têm provado, pela prática dos últimos anos, que não dão qualquer resultado. Agravam a situação dos Estados em dificuldades. A austeridade sem crescimento económico só conduz a uma situação pior do que aquela que temos. Foi o que disse o nosso primeiro-ministro, sem tirar a conclusão que se impunha, quando reconheceu que - cito - "daqui a 20 anos estamos pior do que hoje". Se assim for, nesse caso - e para evitar o que seria uma desgraça -, é urgente mudar de política e apostar no crescimento económico, no conhecimento, na inovação e, sobretudo, em mais e melhor emprego. Sem empurrar os portugueses, sobretudo os que têm mais conhecimentos, para a emigração.

3. Não esqueçamos que a situação da Europa vai agravar-se consideravelmente durante 2012. Para além dos três primeiros Estados nacionais, vítimas dos mercados especulativos - a Grécia, a Irlanda, que agora começa a bater o pé, e Portugal -, o grande problema é agora a Itália, ameaçada gravemente nos próximos primeiros meses do novo ano. Mas a Espanha está também na mesma linha de ameaças, o que é tanto pior quanto o novo Governo, presidido por Mariano Rajoy, é ainda mais neoliberal do que o português. O que é bastante mau para Portugal. Seguir-se-á a Bélgica, a França, seguramente, e talvez países como a Finlândia ou a Holanda, por mais arrogantes que agora pareçam. A Alemanha, principal responsável por todas as indecisões e erros cometidos, não vai, durante o próximo ano, ficar imune. Como escreve lucidamente o ilustre sociólogo e ambientalista Viriato Soromenho-Marques: "Se a Zona Euro sucumbir, será a terceira vez, num século, que a Europa se suicida, com a Alemanha no posto de comando". Palavras sábias que nos obrigam a reflectir.

Será que a Europa, que nós conhecemos e amamos, com a desagregação e a decadência que a ameaçam, poderá vir a tornar-se "um mero apêndice geográfico da Ásia"? Tanto Soromenho-Marques como eu não queremos acreditar que tal aconteça. Como ele diz: "Os dados não estão todos lançados." "O futuro da Europa não é propriedade exclusiva de chanceleres e presidentes." É preciso portanto reagir, cívica e politicamente. "O tempo da Europa feita nas costas dos povos terminou. A nova geografia da Europa começará a ser desenhada em 2012, nas urnas e nas ruas. O combate será entre a cidadania e o federalismo, de um lado, e o populismo chauvinista do outro", diz Soromenho-Marques, a meu ver com toda a razão.

4. É neste contexto europeu tão incerto e complexo que Portugal tem de se defender para vencer a crise. As imposições da troika - não o esqueçamos - dependem da evolução da Europa, em especial da Zona Euro. Foi por isso que sempre defendi que o memorando da troika, que já teve emendas e acrescentos, não devia ser considerado como a Bíblia Sagrada. Ora o pior foi a preocupação do Governo de ir além do memorando da troika, nas suas "receitas", para poder ser considerado pela senhora Merkel um "bom aluno da Europa". Que inocência...

2012 vai ser um ano seguramente muito difícil para todos os Estados europeus, pertençam ou não à Zona Euro. Para o Reino Unido também, apesar de ser ter afastado da Zona Euro, como já começa a pressentir-se. Mas creio, como atrás afirmei, que a União Europeia vai ser finalmente obrigada, pela força das circunstâncias, a fazer uma ruptura política profunda. De que todos os Estados europeus vão beneficiar. E nós portugueses, obviamente, também. Espero não me enganar.

5. A Rússia, que é um Estado europeu, ou melhor, euro-asiático, por efeito de uma eleição fraudulenta entrou em convulsão, com manifestações nunca vistas nas ruas e praças das grandes cidades, chegando até à Sibéria. À semelhança da "primavera islâmica" - que está longe de concluída -, temos agora, de forma por enquanto mais pacífica, o "outono russo". Os russos, ao que parece, fartaram-se de Vladimir Putin, do clã saído da antiga KGB, que se instalou no poder, após o colapso do comunismo, da corrupção e da fraude eleitoral. E veio manifestar-se para a rua com uma indignação que há quase um século nunca foi vista.

No entanto, Putin e o seu clã, continuam no poder, tentando assegurar as suas posições sem grande violência. Há sintomas indisfarçáveis do profundo descontentamento da população russa, mas não se sabe o que daí vai resultar, desse fenómeno inesperado que tem, como noutros países, a sua origem na "revolução informática" e na nova informação que leva, com rara rapidez, até às populações mais fechadas, o conhecimento do que se passa. Veremos como tudo irá acabar. Mas não é excessivo prevenir, neste fim de 2011, que os tiranos se cuidem. Contra eles, felizmente, as revoltas estão a ocorrer em todos os continentes.

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