domingo, 8 de janeiro de 2012

EMIGRAÇÃO E OS DIREITOS BLÁ-BLÁ




Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião

Portugal está a retomar o caminho da emigração - movimento de algum modo estancado perto dos anos 80, muito por via da injecção de expectativas altas aliadas às vantagens, até financeiras, decorrentes da adesão à então Comunidade Económica Europeia. Há, porém, diferenças entre o antes e o agora.

Nas décadas de 60 e 70 do século passado, primeiro com Salazar e depois com Marcelo Caetano, a recusa de participar na guerra colonial e/ou a pobreza quase generalizada foram responsáveis pela partida de milhares e milhares de portugueses para os quatro cantos do Mundo em busca de uma vida melhor. Ficaram então famosos os chamados "bidonvilles" dos arredores de Paris, constituídos por uma comunidade de pouca escolaridade mas muitíssimo trabalhadora; capaz de se adaptar e nunca renegar as origens. Os laços familiares e a casinha na aldeia contribuíram para a diáspora conquistar o respeito de todos.

Houve, depois, o tal hiato - mesmo a reversão para país de acolhimento. A modernização por via da Europa e dos fundos comunitários permitiu alguns saltos qualitativos no chamado Portugal de Abril, a começar pelo Ensino para todos. Simplesmente, o foco do dinheiro fácil associado à especulação financeira e à falta de uma estratégia nacional deu no que deu: desmantelamento do sistema produtivo, endividamento do Estado, das empresas e das famílias.

O erro sai caro. Impõe políticas restritivas. E o redimensionamento da Economia traz associado o paradoxo: a sociedade do Portugal do século XXI está mais bem preparada, é mais culta, mas esbarra no desemprego galopante. Os últimos números divulgados pelo Eurostat são eloquentes: Portugal passou a ter, em Novembro, a quarta maior taxa de desemprego da Europa - 13,2%, correspondente a 731 mil pessoas. Tão ou mais grave: 30,7% dos jovens abaixo dos 25 anos de idade estão sem perspectivas de arranjar trabalho. Se se tiver presente o número de cidadãos já riscados das contas dos centros de emprego, é fácil concluir estar o país a atravessar dificuldades enormes.

Aqui chegados, qual a saída?

No último ano, mais de 100 mil portugueses fizeram as malas e partiram em busca de um melhor futuro - primeira linha para o regresso a África e ao Brasil. Uma parte da guerra das convicções políticas dos anos 60 e 70 foi substituída por outra: a da sobrevivência num patamar de dignidade.

Na actual conjuntura, só por mera fantasia é possível ao país acomodar bem todos os seus cidadãos. É um direito legítimo. Mas, infelizmente, um direito blá-blá, igualzinho a tantos outros consagrados na Constituição - habitação, educação, saúde. Pois.

A frieza dos números - os da crise e os da dificuldade de retoma de uma rota de progresso - aconselha a adopção da "real politik". Isto é: lamentar a "exportação" de portugueses nos quais o país investiu, mas para quem não tem nada de bom a oferecer no tempo próximo. Eram escusadas algumas afirmações de certos governantes, como Passos Coelho ou Miguel Relvas - reincidente, ontem -, mas tiveram a virtude de pôr a nu a hipocrisia dos que, paralisados na hipótese de encontrar saídas conjunturais, bramam contra tudo o que mexe.

Hoje por hoje já é bom o país respeitar os novos emigrantes, na expectativa de, no futuro, não renegarem as suas origens.


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