sábado, 7 de janeiro de 2012

Portugal: QUE DIÁLOGO SOCIAL?




Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Em tempos de crise, a invocação da importância do diálogo social é recorrente no discurso de múltiplas entidades. Mas não faltam falsas invocações!

O presidente da República afirmou que é preciso "uma agenda orientada para o crescimento da economia e para o emprego", que "a coesão social é da maior importância para o crescimento económico", realçou "a importância da repartição equitativa dos sacrifícios aos portugueses" e colocou a necessidade de "um diálogo frutuoso... sobre as medidas dirigidas à melhoria da competitividade das empresas".

Estas mensagens são correctas, mas não passam de afirmações bondosas face à ausência de identificação das situações concretas que as pessoas vivem, das suas causas e dos seus responsáveis. Por outro lado, discutir a competitividade exige hoje muitas cautelas para se conseguir defender condições de dignidade no trabalho, respeito pelos direitos sociais, introdução de alguma justiça na distribuição da riqueza e abordar o desenvolvimento das actividades produtivas e das actividades financeiras ao serviço das pessoas e do país.

O Governo, através do ministro da Economia, do ministro da Solidariedade e Segurança Social e do primeiro-ministro enchem os portugueses de profissões de fé no diálogo social, mesmo quando não dialogam sobre coisa nenhuma. O primeiro-ministro desde Setembro que clarificou o que quer da Concertação Social: discutir com os parceiros sociais as formas de "credibilizar os sacrifícios necessários", ou seja, utilizá-los como muletas da aplicação de políticas comprovadamente injustas, violentas e profundamente condicionadoras do desenvolvimento.

Os dirigentes das confederações patronais fazem juras sobre a importância do diálogo social. Mas o diálogo e negociação nas empresas com os trabalhadores e as suas organizações escasseia e o exercício do poder é cada vez mais unilateral.

Dizem que não têm nada a ver e que até não lhes interessava muito a proposta de aumento do horário de trabalho, mas seguem o ditado popular "a cavalo dado não se olha o dente". Foram construindo um leque de "sugestões" contra os direitos dos trabalhadores que o Governo vai legislando medida atrás de medida.

Os patrões estão a actuar com uma grande ausência de hombridade. Aplaudem o que o Governo faz contra os trabalhadores e o povo e, candidamente, dizem que continuam disponíveis para o diálogo e a concertação. Mais cedo ou mais tarde vão ter de negociar de verdade!

Os impactos do fundamental das medidas já impostas ou anunciadas pelo Governo provocarão: mais 200 mil desempregados sobre o desemprego que já temos; mais de 30 dias de trabalho de borla a cada trabalhador, por ano, e perda de 2 a 3 salários, no sector privado ou no público; a perda, em alguns casos de forma insustentável, de direitos na saúde e no ensino, cortes violentos nas pensões ou nos subsídios de desemprego; a impossibilidade de milhares e milhares de portugueses e portuguesas, em particular jovens, subsistirem e organizarem a vida pessoal e familiar no seu país.

Será que podemos aceitar um exercício de credenciação destas políticas, dizendo aos portugueses que caminhem passivamente para o empobrecimento acelerado, para a regressão económica e para a destruição da democracia?

Será que podemos credenciar o Memorando da Troika, e as interpretações que o Governo dela faz, como sendo o "interesse do Estado", como nos diz todos os dias o Governo?

É preciso diálogo e negociação sobre como conseguir mais emprego e investimento e onde fazê-lo, como resolver problemas de tesouraria das empresas e impulsionar actividades de bens e serviços úteis não apenas para exportações, como tornarmos a nossa economia mais competitiva, como combater a economia clandestina ou a de ausência de solidariedade. Mas, numa agenda de sério diálogo social têm de estar em pé de igualdade os temas laborais e sociais.

Não se pode impor a destruição de um quadro de relações de trabalho de (ainda) alguma dignidade e pôr em frangalhos o Estado Social, e querer que o diálogo social resolva a competitividade, os problemas da economia e do país. Seria a quadratura do círculo.


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