terça-feira, 10 de janeiro de 2012

QUEM VAI PROIBIR CHINESES DE ROUBAR PRAIAS DA GUINÉ-BISSAU?




Leonídio Paulo Ferreira – Diário de Notícias, opinião

Quando Nuno Tristão navegou até à Guiné em 1446, a China tinha desistido de explorar a costa de África havia uma dúzia de anos. O almirante Zheng He chegara quase até Moçambique, mas os juncos receberam ordem dos Ming para regressar e nunca contornaram o, para nós, cabo da Boa Esperança. Assim, foram precisos seis séculos para os chineses descobrirem a riqueza das praias guineenses. É que na sua areia se escondem minérios de valor, como esse ilmenite apreendido sábado em contentores no porto de Bissau e que é um óxido de titânio e ferro usado nas tintas de alta qualidade.

Três funcionários guineenses foram presos por corrupção. Terão facilitado a vida a uma empresa chinesa que atuava na região de Varela, autorizada a fazer prospeção mas não extração.

Além do ilmenite, os contentores que iam ser despachados para a Ásia continham rutilo, utilizado como pigmento, e zircão, aplicado na indústria da cerâmica. Os três minerais podem não ser tão afamados como o ouro ou a prata, mas mostram bem a abundância de recursos da ex-colónia portuguesa.

E desde a cimeira China-África de 2006 que as prioridades de Pequim são óbvias: o continente africano serve como fonte de matérias-primas e recebe as mercadorias chinesas assim como apoio às grandes obras. Resultados? Há um mês o Diário do Povo estimava que as trocas comerciais sino-africanas ultrapassariam em 2011 os 150 mil milhões de dólares. E a China ajuda a Nigéria a lançar um satélite, constrói estádios em Angola, projeta refinarias no Chade e até recupera o palácio presidencial em Bissau, com o embaixador a discursar sobre uma velha amizade.

A Guiné é, aliás, um belo exemplo para recordar que o interesse da China por África não esteve ausente entre a morte de Zheng He e a cimeira de há seis anos. Já nos anos 60 Pequim acolhia Amílcar Cabral e dava treino militar e ideológico à guerrilha do PAIGC, época em que construía uma ferrovia na Tanzânia, o país de onde o almirante tinha levado uma girafa para oferecer ao imperador.

Só que a China hoje possui meios de grande potência. Desde 2010 é mesmo a segunda economia mundial. E com taxas de crescimento de 10% vêm necessidades que se transformam em voracidade. Nisso não há razão para crer que os asiáticos serão diferentes dos europeus quando olham para África como um festim. E se os ocidentais fazem gala de credenciais democráticas, os chineses lembram não ter sido colonialistas.

Em meados do ano passado, a Economist escrevia que os africanos se interrogavam já se os chineses estavam a fazer-lhes o almoço ou a comê-lo? O que se passou agora em Bissau pode dar uma resposta: os chineses só poderão cozinhar aquilo que os africanos permitirem. Que um país frágil como a Guiné prenda os corruptos e trave os abusos das empresas chinesas gera otimismo. Palco de golpes e contragolpes e com fama de estar nas mãos de narcotraficantes, Bissau costuma portar-se mal. Desta vez esteve bem. Assim ninguém se atreverá a roubar as praias africanas.

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