ANGOLA
Rafael Marques de Morais (Luanda, 31 de agosto de 1971) é um Jornalista e ativista dos direitos humanos angolanis cujos relatórios sobre a industria de diamantes e a corrupção governamental têm lhe conquistado aclamação internacional. Ele atualmente dirige a sítio na Internet anti-corrupção Maka Angola (www.makaangola.com) - Fonte: Wikipedia.org
Iremos aqui publicar um dos seus vários artigos que relata mais um facto de extrema corrupção em Angola, e que apesar disso, ainda serve de bandeira política do regime, para os olhos internos e do exterior. Segundo palavras do próprio autor, “um um verdadeiro modelo de corrupção em África, se tornou no principal cartão-de-visita das autoridades angolanas.” Ou seja, uma dupla vitória para o regime do Zé du. (ou será rei Dú?). Leia o artigo que se segue.
Desde Julho passado, milhares de cidadãos angolanos residentes em Luanda têm desesperadamente envidado esforços para adquirirem apartamentos sociais no Kilamba. Os preços praticados pela empresa encarregada das vendas, a Delta Imobiliária, variam entre US $125 mil e US $200 mil por apartamento. Esses valores especulativos e aparentemente incompreensíveis para um projecto social do Estado, bem como a revelação dos nomes dos sócios da Delta Imobiliária, configuram mais um escândalo de corrupção.
Em 2008, a promessa eleitoral do presidente da República para construir um milhão de casas ao longo de quatro anos afirmou-se como triunfante. Ajustado à capacidade real de construção de apenas alguns milhares de casas, o projecto de habitação social do Kilamba tornou-se o símbolo deste sonho prometido ao povo.
A cargo da empresa estatal chinesa CITIC, o projecto envolvia inicialmente a construção de um total de dois mil edifícios residenciais e infra-estruturas de apoio, num valor global de US $3,5 mil milhões, conforme dados disponibilizados pela construtora no seu sítio online.
A CITIC procedeu à entrega do primeiro lote de 115 edifícios, correspondentes a 3118 apartamentos, a 11 de Julho de 2011, numa cerimónia presidida pelo chefe de Estado José Eduardo dos Santos. Este havia reconhecido, no seu primeiro discurso sobre o estado da nação alguma vez feito na Assembleia Nacional, a 15 de Outubro de 2010, que “o sector em que a situação é muito má é o da habitação. Mais de 70 por cento das famílias angolanas não têm casa condigna. Neste domínio, temos que fazer um esforço gigantesco para revertermos a actual situação”.
Os angolanos têm sido assolados por uma onda de indiferença presente nos discursos e comportamentos contraditórios dos seus dirigentes e cujas consequências são nefastas para a sociedade. Apesar de Angola ser um país extremamente rico em petróleo, a maior parte dos angolanos encontra-se entre as pessoas mais pobres do mundo; o produto interno bruto per capita é de US $4,941/ano, ao mesmo tempo que mais de metade da população (54,3 por cento) vive abaixo do limiar de pobreza, com US $1,25/dia.[1] Por um lado, regista-se a nobre ideia de construção de casas sociais e, por outro, assiste-se à sua especulação exorbitante, conformando políticas de exclusão social, económica e política daqueles a quem o projecto é dirigido.
No seu discurso de inauguração parcial do bairro social do Kilamba, o presidente José Eduardo dos Santos considerou-o como “o maior projecto habitacional jamais construído em Angola [constituindo], à escala global, um profundo exemplo da política social levada a cabo no país para resolver o défice habitacional”. De forma eloquente, o presidente afirmou que o seu executivo vai “ensaiar aqui um novo modelo de gestão urbana, que seja funcional, simples, racional, transparente e cumpridor das suas atribuições, capaz de encontrar as melhores soluções para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.”
Força Delta
A presente investigação centra-se exclusivamente na gestão do projecto e na sua transparência. A Delta Imobiliária – Sociedade de Promoção, Gestão e Mediação S.A, a quem se atribuiu a responsabilidade da venda dos apartamentos, foi criada a 27 de Dezembro de 2007. Tem como sócios o presidente e director-geral da Sonangol, o ministro de Estado e chefe da Casa Militar e o principal conselheiro deste, respectivamente: Manuel Vicente, general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e general Leopoldino Fragoso do Nascimento. A empresa apresenta, como testas-de-ferro, funcionários da Casa Militar – os coronéis José Manuel Domingos “Tunecas”, João Manuel Inglês e Belchior Inocêncio Chilembo, bem como o assistente privado do general Kopelipa, Domingos Manuel Inglês “Avô Inglês”, os quais representam 0,16 por cento do capital social da empresa. No mesmo dia, representados pelo cidadão português Ismênio Coelho Macedo e com a mesma estrutura accionista, os sócios procederam também ao registo da empresa Delta Engenharia – Sociedade de Consultoria e Engenharia S.A.
A Nova Centralidade do Kilamba, denominação oficial do projecto, foi supervisionada, até finais de 2010, pelo então Gabinete de Reconstrução Nacional (GRN), afecto à Casa Militar do presidente da República e dirigido pelo general Kopelipa. Esse gabinete foi criado em 2004 para negociar a aplicação de empréstimos chineses, até agora orçados em US $15 mil milhões, em obras de reconstrução nacional por si definidas. Ao GRN, coube também a gestão dos fundos e a supervisão dos trabalhos.
A 27 de Setembro de 2010, José Eduardo dos Santos transferiu formalmente todas as responsabilidades do GRN sobre o projecto Kilamba e outros projectos similares em Luanda para a Sonangol Imobiliária, uma subsidiária da petrolífera estatal .
Apesar da falta de justificação oficial para a entrega do maior projecto de habitação social do Estado à Sonangol, analistas chineses oferecem a explicação possível: “A CITIC tem estado a tentar financiar o projecto com o seu próprio dinheiro, porque o governo já não o tem. Entregou o projecto à Sonangol, que recentemente pagou as prestações em falta. A CITIC teve de investir US $350 milhões do seu próprio banco para continuar o projecto e manter os dez mil trabalhadores chineses no local.”
Quaisquer das opções adoptadas pelo Estado determinam a contínua injecção de fundos públicos no projecto, desta vez por investimento directo da Sonangol, cujo patrão, Manuel Vicente, tem sido, a par do general Kopelipa, personagem central nas negociações com a China. Os empréstimos são pagos com carregamentos de petróleo.
A contratação da Delta Imobiliária, pela Sonangol, para a venda dos apartamentos sociais do Kilamba atropela, de forma extensiva e arrogante, a legislação em vigor. A Lei da Probidade Pública qualifica como acto de corrupção conducente ao enriquecimento ilícito o recebimento de vantagem económica, de forma directa ou indirecta, a título de comissão, entre outros actos, por acção “decorrente das atribuições do agente público” (Art. 25.º, 1.º, a).
Manuel Vicente, como responsável máximo da Sonangol, faz negócio consigo próprio ao engendrar a contratação da sua empresa privada pela estatal que dirige. Está em vias de obter lucros fabulosos, para seu enriquecimento pessoal, com a venda dos apartamentos, sob a forma da comissão que a Delta Imobiliária receberá pelo negócio. O mesmo argumento jurídico aplica-se ao general Kopelipa, uma vez que tem sido simultaneamente sócio da Delta Imobiliária, gestor máximo do projecto e indiscutivelmente influente junto do presidente José Eduardo dos Santos, a quem cabe a última palavra sobre a gestão do projecto.
Apesar da situação criminosa, a Presidência da República anunciou a inauguração do Kilamba e a gestão da venda dos apartamentos como um grande sucesso. “Consideramos esta promessa como cumprida, sendo que o Governo fez sair um comunicado onde anunciou os critérios de acesso aos apartamentos construídos na cidade de Kilamba cumprindo com a promessa feita ao povo”, assegura o ministro de Estado e chefe da Casa Civil, Carlos Feijó, na sua alocução trimestral sobre as realizações do executivo.
Cartão-de-visitas e modelo de corrupção
O projecto de habitação social do Kilamba tem sido apresentado pelo executivo de José Eduardo dos Santos como o grande modelo da sua política social.
Nos últimos dois anos, com bastante êxito, as autoridades angolanas têm convidado vários dignitários estrangeiros a visitar o projecto do Kilamba, conferindo-lhe não só notoriedade internacional mas também legitimidade interna. Os seus gestores usam o selo de aprovação das entidades internacionais para abafar as reclamações internas, enquanto “privatizam” o projecto para enriquecimento pessoal ilícito.
A presidente da Libéria, Ellen-Johnson Sirleaf, foi a mais recente estadista a visitar o projecto, a 12 de Setembro de 2011, tendo-o classificado como “grandioso e impressionante”, de acordo com a agência de notícias estatal Angop .
Em Agosto passado, durante a sua visita ao projecto, o presidente moçambicano, Armando Guebuza, considerou-o uma “maravilha” . O rei Mswati II, da Swazilândia, também lá esteve.
Por sua vez, o ministro angolano do Urbanismo e da Construção, Carlos Fonseca, falou em nome do presidente namibiano, Lucas Pohamba, quando este visitou o projecto, em Junho passado. “O Presidente gostou muito desta apresentação, naturalmente que tirou muitas lições deste grande desenvolvimento e acreditamos que poderemos prestar-lhe toda nossa solidariedade e tributo ao povo namibiano no que se refere a projectos do género.” Mais, o ministro disse que “estamos a dar um exemplo a toda África sob a perspectiva da nossa juventude que está desejosa de uma oportunidade de desenvolvimento e que este complexo habitacional vem mostrar que temos um compromisso com a juventude e com a nossa população” .
Em Junho passado, o presidente de Timor-Leste, Ramos Horta, também visitou o projecto e emprestou a sua voz ao coro da propaganda oficial: “Está de parabéns o Governo por este projecto e visão, que corresponde as ansiedades do sonho dos jovens, das famílias angolanas.”
O vice-presidente chinês, Xi Jinping, cujo país concede o crédito para o projecto, realizou, segundo o Jornal de Angola, uma visita de inspecção ao Kilamba, a 20 de Novembro de 2010 .
É caso para dizer que o projecto Kilamba, um verdadeiro modelo de corrupção em África, se tornou no principal cartão-de-visita das autoridades angolanas. O uso do crédito chinês, destinado a projectos sociais para as camadas mais desfavorecidas, passa a ser mais uma avenida, sem impedimentos, para que os dirigentes angolanos engordem as suas fortunas.
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