sábado, 4 de fevereiro de 2012

O VASCO DO NOSSO CONTENTAMENTO




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

O recém-empossado presidente do Centro Cultural de Belém (CCB), Vasco Graça Moura, fez distribuir – escreve o Público – uma circular interna na qual dá instruções aos serviços do CCB para não aplicarem o Acordo Ortográfico e para que os conversores sejam desinstalados de todos os computadores da instituição.

Considero, sobretudo dada a disparidade das forças em confronto, que a luta pelo português de Portugal está condenada à derrota. Apesar disso, continuo a entender que só é derrotado quem desiste de lutar. Ora desistir é algo que me recuso a fazer, mesmo sabendo que do outro lado está uma força monumentalmente maior em todos os aspectos, sobretudo no número de falantes.

Sou, portanto, contra o Acordo Ortográfico. Admito, quando muito, que se deixe que sejam o tempo e os protagonistas a transformar a língua, a dar-lhe eventualmente diferente grafia, tal como acontece com a introdução de novos termos.

É claro que existem letras que, no português de Portugal, podem ser suprimidas sem que venha grande mal ao mundo. Mesmo assim, também não viria grande mal ao mundo se o meu Bilhete de Identidade disse que eu nasci no “uambo”. Mas a verdade é que eu nasci no “Huambo”.

Se o sapato português já foi «çapato» e a farmácia foi «pharmácia», é bem possível que, de forma natural, também o facto passe um dia a fato. Mas a forma natural é deixar a língua fazer a sua viagem ao logo dos anos, das décadas, dos séculos, sem as amarras que lhe querem pôr.

E o que defendo para Portugal, defendo para qualquer outro dos países lusófonos. É legítimo que os brasileiros, não só porque são especialistas em inventar palavras, mas, sobretudo, porque podem impor a razão da força dos seus muitos milhões de cidadãos, queiram neutralizar a força da razão daquela “meia dúzia” de tugas que estão nas ocidentais praias lusitanas.

Não cabe aos que defendem o português, contudo, abdicar e atirar a toalha ao tapete quando podemos ser poucos, mas podemos ser bons (sem querer dizer que os outros são maus). Creio, aliás, que a língua ainda é das poucas coisas que são verdadeiramente nossas. Tudo o resto é “made in” qualquer outro país.

Por isso, esta é para mim, uma questão de identidade e de honra que deve continuar a ter as suas próprias características, respeitando a dos outros e convivendo em sã harmonia com as diferenças.

Aliás, quando me falam de harmonização (seja do que for) cheira-me logo a algo hitleriano. Por isso, custe o que custar, não serei eu a render-me a um acordo ortográfico contra-natura e violador das diferenças que são, aliás, a grande força da Lusofonia.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: OBIANG QUER PÔR EM ORDEM A GUINÉ… BISSAU

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