sexta-feira, 23 de março de 2012

A BATALHA POR UMA RÚSSIA “MULTIPOLAR” – II



Martinho Júnior, Luanda

Há 5 anos, a 10 de Fevereiro de 2007 na Conferência de Munique sobre as questões de segurança (http://www.voltairenet.org/La-gouvernance-unipolaire-est), Putin já havia considerado a forma de governo uni polar como “ilegítimo e imoral”; agora, no quadro das últimas eleições, Putin vai mais longe: assume com mais convicção as responsabilidades geo estratégicas da Rússia nesse universo multi polar, aproximando-se de outros actores como a China, os outros BRICS e os latino americanos (sobretudo os que compõem a ALBA).

Isso é extremamente sensível para o imenso continente euro-asiático, com dimensão de Lisboa a Vladivostock, inclusive para as alternativas que a Rússia não deixa de estender à própria União Europeia (ainda que tendendo a privilegiar as relações com a Alemanha), à medida que consolida as relações com a China e com a Índia.

China e Índia são os outros dois componentes dos BRICS com território nesse super continente; os outros dois, Brasil e África do Sul, encontram-se “descolados” na América, o primeiro e em África, o segundo.

Os que apesar da lógica capitalista advogam o multi polarismo na Rússia tiveram com as últimas eleições a oportunidade de fazer um ponto de situação com o argumento político e geo estratégico de Putin, enquanto candidato, de forma a perspectivar o futuro da Rússia ao longo da segunda década do século XXI.

É evidente que esse argumento só foi passado a nível interno, com a dinâmica dos debates e, a nível externo, só nos media alternativos como o Voltairenet, por imperativos do carácter em que se exerce a própria hegemonia uni polar.

É importante perceber-se esse argumento, tendo em conta a evolução da situação global e as tensões que vão atingindo todas e cada uma das nações da Terra, por que cada vez mais se torna possível a opção pelas alternativas.

Nesse argumento Putin observou duas linhas fundamentais no seu raciocínio:

- “A Rússia e a evolução do mundo” (http://www.voltairenet.org/La-Russie-et-l-evolution-du-monde).

- “A Ásia – Pacífico adquire uma nova dimensão” (http://www.voltairenet.org/La-Russie-et-l-evolution-du-monde,172990).

Em relação à análise que fez em “A Rússia e a evolução do mundo”, Putin evidenciou:

- O papel da Rússia (síntese introdutória).
- A erosão da confiança.
- A primavera árabe: as lições e as conclusões.
- Os novos desafios e ameaças.

O papel da Rússia para Putin é sensível, promissor e construtivo:

“A Rússia faz parte do grande mundo, tanto sob o ponto de vista da economia, como da difusão da informação, quanto da cultura.

Não nos podemos isolar.

Esperamos que a nossa abertura permita contribuir para melhorar o bem-estar e a cultura dos cidadãos russos e de reforçar a confiança, que se tornou num raro recurso.

Nós sistematicamente devemos apoiar-nos sobre os nossos próprios interesses e os nossos objectivos e não sobre decisões ditadas por outros.

A Rússia não é respeitada, nem levada a sério, enquanto ela não for forte e firmemente fundamentada sobre posições.

A Rússia teve praticamente sempre o privilégio de levar a cabo uma política independente em relação ao estrangeiro e será assim também no futuro.

Além do mais, estou convencido que não é possível assegurar a segurança no mundo sem a contribuição da Rússia e não alimentar o esforço de enfraquecer as suas posições geo políticas e a sua capacidade de defesa.

Os objectivos da nossa política externa revestem-se dum carácter estratégico, não conjuntural e reflectem o lugar exclusivo da Rússia na carta política mundial, o seu papel na história e na evolução da civilização.

Nós prosseguimos evidentemente uma política pró-activa e construtiva, visando reforçar a segurança global, a renunciar à confrontação, a reagir eficazmente aos desafios tais como a proliferação das armas nucleares, os conflitos regionais e as crises, o terrorismo e o tráfico de droga.

Faremos tudo para que a Rússia disponha das últimas aquisições do progresso científico e tecnológico e para assegurar às nossas empresas um lugar importante no mercado mundial.

Faremos tudo para colocar em prática uma nova ordem mundial, baseada nas realidades geo políticas contemporâneas, duma maneira progressiva e sem inúteis perturbações”.

É com esse papel que a Rússia responde à hegemonia uni polar, causadora sobretudo de erosão da confiança nos relacionamentos internacionais, tal como na mudança de poder em vários países e por vezes conduzindo à sua desagregação, redesenhando os mapas de regiões inteiras, como aconteceu nos Balcãs.

Essa erosão de confiança é estabelecida no interior das nações ocidentais, com a ditadura financeira a impor-se às sociedades deliberadamente fragilizadas (um assunto que Putin pouco avançou), mas faz-se sentir acima de tudo em relação aos outros, Rússia incluída, a quem é imposto um “diktat” com o sugestivo rótulo da “democracia representativa”, por meio de ingerências e manipulações de toda a ordem que minam as soberanias nacionais, aproveitando-se de conceitos elitistas indexados aos interesses da aristocracia financeira mundial, por dentro e em torno dos factores do poder nacional.

Como é evidente o seu argumento põe a nu o papel dos Estados Unidos e o papel da OTAN, acusando ao mesmo tempo os ocidentais de não querer compreender (muito menos valorizar) os seus argumentos:

“É preocupante ver que, apesar das nossas novas relações com a OTAN não terem ainda adquirido uma forma definitiva, a Aliança comete actos que não contribuem em algum caso para o estabelecimento dum clima de confiança.

Nisso mesmo, uma tal prática afecta o calendário internacional, impede definir uma ordem do dia positiva nas relações internacionais e diminui a velocidade das mudanças estruturais.

Uma série de conflitos armados, levados a cabo sob o pretexto de objectivos humanitários, sabotam o princípio secular da soberania nacional.

Um outro pacote, moral e jurídico, se cria nas relações internacionais.

Diz-se de repente que os direitos do homem estão em primeiro lugar que a soberania nacional.

É inegável, da mesma maneira que os crimes contra a humanidade devem ser sancionados pelo Tribunal Penal Internacional.

Ao apoiar-nos sobre esta disposição contudo, a soberania nacional é facilmente violada, enquanto os direitos do homem são defendidos a partir do exterior de forma selectiva, enquanto os mesmos direitos são violados no decurso do mesmo processo de defesa, incluindo o sagrado direito à vida, o que se torna não numa causa nobre, mas de pura e simples demagogia”.

Essa erosão da confiança manifesta-se através das “revoluções coloridas”, que provocaram a volatilidade da URSS e dos países socialistas do leste europeu, tiveram sequência na “primavera árabe”, colocam-se no âmbito dos novos riscos e desafios que estão a ser disseminadas por todo o mundo, por via de processos sócio-políticos que constituem medidas “inteligentes” de pressão que impactam os países do sul, à imagem e semelhança do que alguns monopólios faziam no século passado quando sua vontade se impunha às “repúblicas bananas”…

No que diz respeito à “primavera árabe”, Putin detalha os casos do Iraque, da Líbia, da Síria e do que os ocidentais pretendem fazer na direcção do Irão, dando não só realce aos acontecimentos em si, mas no que diz respeito aos procedimentos políticos de ingerência, aos procedimentos económicos e às tecnologias avançadas de comunicação na formação da opinião pública:

(…)
“… Verificou-se que em numerosos países a situação não evoluiu num cenário civilizado.

Ao invés de afirmar a democracia e defender os direitos das minorias, assistiu-se à acusação do adversário, à sua substituição, pelo que uma força dominante foi substituída por uma outra força mais agressiva”…

(…)
“Existe igualmente um outro aspecto.

Constata-se que nos países tocados pela primavera árabe, tal como aconteceu com o Iraque na época, as sociedades russas cedem as suas posições conquistadas ao longo de decénios nos mercados locais e perdem contratos comerciais importantes.

Os lugares vazios são recuperados por actores económicos dos países que contribuíram para o derrube dos regimes que se encontravam no poder”…

(…)
“A primavera árabe colocou igualmente em evidência a utilização particularmente das tecnologias avançadas da informação e da comunicação na formação da opinião.

Pode-se dizer que a Internet, as redes sociais, os telefones portáteis, etc. foram transformados, com a televisão, num instrumento eficaz no âmbito das políticas nacionais e internacional.

É um novo factor que pede reflexão, pois enquanto se promove a excepcional liberdade de comunicação na Web, deve-se reduzir o risco da sua utilização por terroristas e criminosos”…

Foto:
Putin e Hu Jintao numa das últimas reuniões dos BRICS. A Rússia assume cada vez mais uma posição internacional concertada com os BRICS e sobretudo com a China, o que lhe é vital tendo em conta a situação da imensa Sibéria e do leste.

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