domingo, 25 de março de 2012

A BATALHA POR UMA RÚSSIA “MULTIPOLAR” – III



Martinho Júnior

Três entidades supra nacionais são levadas em conta pela Rússia a fim de estabelecer nexos de resposta perante os riscos e desafios que afectam todo o continente euro-asiático:
 
- A Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC).
- A Organização de Cooperação de Shangai (OCS).
- A Comunidade de Estados Independentes (CEI).
 
A abordagem desses riscos e desafios é feita por Putin, não só no âmbito das relações bilaterais, mas também no âmbito da ONU, do G-20, dos BRICS e dessas Organizações.
 
As questões que se prendem aos países do Cáucaso e do Médio Oriente, em particular neste momento a Síria, o Irão, o Afeganistão e o Paquistão, assim como as questões referentes à península da Coreia, constam entre as suas maiores preocupações.
 
Em relação aos países do Médio Oriente, a Rússia segue a crítica aos métodos e processos que estimularam a partir de interesses externos a “primavera árabe”, buscando alternativas ao abrigo dos conceitos que se prendem com a multi polaridade, mas leva também em particular atenção outros fenómenos, como a droga, no caso do Afeganistão, ou o terrorismo que afecta quer o Afeganistão, quer o Paquistão.
 
Por outro lado, observa a interligação do que se passa no Médio Oriente, com os fenómenos que ocorrem no Cáucaso e na Ásia Central.
 
No que diz respeito ao Irão, Putin adverte:
 
“… O Irão encontra-se actualmente sob a luz dos projectores.
 
Evidentemente que a Rússia está preocupada pela crescente ameaça duma operação militar contra esse país.
 
Se ela se produzir, as consequências serão verdadeiramente desastrosas, sendo impossível imaginar a sua verdadeira amplitude.
 
Estou convencido que este problema deve ser regularizado unicamente por via pacífica.
 
Propomos reconhecer o direito do Irão a desenvolver o seu programa nuclear civil, incluindo a produção de urânio enriquecido, mas é preciso colocar meios de monitorização, a fim de tudo ficar sob o controlo minucioso e fiável da Agência Internacional da Energia Atómica.
 
Se isso for feito, poder-se-ão levantar todas as sanções contra o Irão, incluindo as sanções unilaterais.
 
O ocidente deve abster-se da sua tendência para querer contrariar alguns países.
 
À menor contrariedade ele desencadeia sanções, ou até uma operação militar.
Quero lembrar que nós não estamos mais no século XIX, nem mesmo no século XX”…
 
Quanto ao Afeganistão:
 
“… O futuro do Afeganistão é igualmente preocupante.
 
Nós apoiámos a operação militar destinada a conceder uma ajuda internacional a esse país, mas o contingente militar internacional, sob a égide da OTAN, não tem cumprido com essa missão.
 
O perigo de terrorismo e a ameaça do narco tráfico permanece no Afeganistão.
 
Ao anunciar a retirada de suas tropas desse país em 2014, os Estados Unidos criam nesse país e nos vizinhos bases militares sem mandato algum, sem objectivo claramente definido e sem definir a duração da sua actividade.
 
É evidente que isso não nos convém”…
 
A geo estratégia russa tem contudo como factores privilegiados a sua inter-conexão com a emergência da China, a sua posição em relação aos BRICS, os problemas que se põem com o factor europeu, as relações com os Estados Unidos, as evidências da diplomacia económica e, por fim, o apoio aos russos no estrangeiro e o que se passa com a cultura russa no contexto internacional.
 
Se a emergência da China decorre de forma cada vez mais interligada aos interesses da Rússia à escala global (mas muito particularmente em relação à Sibéria e ao leste), os relacionamentos com a Europa em época de crise estão na ordem do dia pois é um facto que os interesses geo estratégicos da Rússia, no que diz respeito à energia, assume prioridade para com a Europa.
 
Em relação à China, Putin afirma:
 
- Que o crescimento económico da China não é uma ameaça, mas um desafio que comporta um potencial enorme de negócios com repercussões construtivas para a economia da Rússia (conjugando os potenciais tecnológico e industrial dos dois países).
 
- Que ninguém pode assumir o pretexto da China pretender dominar o mundo, por que a China, tal como a Rússia, persegue o objectivo duma ordem mundial equilibrada.
 
- Que a Rússia regularizou com a China todos os problemas políticos cruciais, incluindo o mais importante de todos: o litígio de fronteiras.
 
Por outro lado, é preciso não esquecer que “nós assistimos não somente ao crescimento da China e da Índia, mas ao aumento do papel da região Ásia – Pacífico por inteiro.
 
Nesse contexto as novas perspectivas de trabalho frutuoso oferecem-se no quadro da presidência russa no seio da Cooperação económica pela Ásia – Pacífico (APEC).
 
Em Setembro de 2012 a Rússia acolherá a cimeira da APEC em Vladivostock, onde está a construir infra estruturas modernas, o que contribuirá para o desenvolvimento da Sibéria e do Extremo Oriente russos e permitirá à Rússia juntar-se aos processos dinâmicos de integração no seio duma nova Ásia”.
 
Quanto à Europa, Putin pretende que a Rússia assuma um papel construtivo para fazer face à crise:
 
“No contexto da emergência da China, da Índia e de outras economias, os choques financeiros e económicos que sacodem a Europa, antes oésis de estabilidade e da ordem, não nos deixam indiferentes.
 
A crise da zona Euro diz respeito também à Rússia, levando em consideração que a União Europeia é o maior parceiro económico e comercial do nosso país.
 
É evidente que a situação na Europa é largamente determinante para as perspectivas de desenvolvimento do sistema económico mundial no seu conjunto”.
 
Analisando o relacionamento com os Estados Unidos, Putin salienta:
 
“Estes últimos anos, um grande esforço foi realizado a fim de desenvolver as relações entre a Rússia e os Estados Unidos, todavia a matriz dessas relações não deixou de ser radicalmente transformada e elas continuam a conhecer altos e baixos.
 
Uma tal instabilidade na parceria entre a Rússia e os Estados Unidos é devida, em parte, à perenidade de certos estereótipos e fobias.
 
A maneira como a Rússia é apercebida pelo Congresso norte americano é particularmente reveladora.
 
O problema crucial reside no facto que o diálogo e a cooperação bilateral não se apoiam numa base económica sólida.
 
As trocas comerciais estão longe de estar à altura do potencial das economias russas e americanas.
 
Passa-se o mesmo com os investimentos bilaterais”…
 
Uma especial relevância concedeu Putin à entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio e à eminente entrada na Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico (OCDE), bem como aos constrangimentos nas relações económicas e comerciais com os países do leste europeu.
 
No futuro, o papel da Rússia na gestão da água doce à escala global, será um dos factores geo estratégicos previstos por Putin para as próximas décadas.
 
Esse é um dos factores inter relacionados com a imensidão do território russo e a multiplicidade de questões que isso coloca no continente euro-asiático.
 
A emergência russa associada à dos outros BRICS e a emergência de outras economias dispersas por vários continentes (a angolana incluída), constituem por si aspirações visando um maior equilíbrio nos relacionamentos internacionais, um esforço no sentido de implementar melhores condições de vida para toda a humanidade.
 
Políticas neo liberais com tendência uni polar estão a tornar-se cada vez mais nocivas a essas emergências, pois muitas delas se vêem a braços com a necessidade de políticas diversificadas: desde a construção de infra estruturas e estruturas, até à necessidade de acautelar equilíbrios internos que revertam em maior estabilidade.
 
Há-de chegar a altura em que a socialização dos novos ganhos se traduzirá numa redução das assimetrias e num maior respeito para com a Terra, apesar dos constrangimentos impostos pela hegemonia uni polar ao longo de muitas décadas e particularmente após a IIª Guerra Mundial!

Gravura: Mapa dos países que compõem a Organização de Cooperação de Shangai.
 
Ler ainda:
- “A Rússia e a evolução do mundo” (http://www.voltairenet.org/La-Russie-et-l-evolution-du-monde).
- “A Ásia – Pacífico adquire uma nova dimensão” (http://www.voltairenet.org/La-Russie-et-l-evolution-du-monde,172990).


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