domingo, 18 de março de 2012

Guiné-Bissau/Eleições: GUINEENSES ESCOLHEM PRESIDENTE DA REPÚBLICA



João Manuel Rocha – Público

Nove candidatos, 579 mil eleitores

Os guineenses estão este domingo a escolher o próximo Presidente da República. Carlos Gomes Júnior parece estar “na dianteira”. Mas o que importará à população é que o país possa, finalmente, virar a página do ciclo de violência político-militar dos últimos anos.

“Rezo a Deus para que as coisas aqui melhorem. Quero que as próximas eleições tragam mudança face ao passado. Queremos paz e prosperidade na Guiné-Bissau”, disse à Reuters Arman Dinou, um estudante, já no final da campanha para a sucessão de Malam Bacai Sanhá, o Presidente que morreu em Janeiro, num hospital de Paris, a meio do mandato.

A campanha decorreu sem incidentes relevantes, com meios que a AFP considerou surpreendentes para um país pobre, de mais de 1,6 milhões de habitantes, um milhão dos quais vive com menos de dois dólares por dia. A segurança de um país que também se tornou conhecido no mundo por más razões – é uma plataforma na passagem de droga da América Latina para a Europa – está a ser assegurada por 4400 militares e elementos das forças policiais.

O apoio oficial do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), de que é presidente, uma campanha com meios e o prestígio externo como primeiro-ministro jogam a favor de Carlos Gomes Júnior. “Cadogo”, como é conhecido, 62 anos, que chegou a estar detido por militares em Abril de 2010, num dos muitos episódios de agitação militar dos últimos anos, disse que concorre à chefia do Estado para evitar que, na ausência de um candidato forte do partido, outro Presidente derrubasse imediatamente o Governo. Acredita que pode vencer já hoje. Na fase final da campanha afirmou que uma segunda volta aumentará a abstenção e pode trazer prejuízos ao país, por coincidir com a campanha do caju, principal produção agrícola da Guiné.

Na corrida à sucessão de Bacai Sanhá os principais adversários de “Cadogo” estão, a acreditar no histórico eleitoral, bem identificados. São Kumba Ialá, 59 anos, ex-Presidente, que lidera a principal força da oposição, o PRS (Partido da Reinserção Social), e na última eleição disputou a segunda volta; e Henrique Rosa, 66, Presidente interino entre 2003 e 2005, um independente que em 2009 conseguiu quase um quarto dos votos e resultados expressivos em Bissau. Para Xavier Figueiredo, director do boletim África Monitor, ambos são hoje “uma sombra do que já foram” e não representam ameaça séria para o líder do PAIGC.

Divisão no PAIGC

O desafio a Gomes Júnior pode também surgir da sua área partidária: Serifo Nhamadjo, presidente interino da Assembleia Nacional, e Baciro Djá, ministro da Defesa, militantes do partido no Governo, concorrem como independentes e ameaçam causar mossa na candidatura oficial.

Luís Nacassa, Serifo Baldé, Vicente Fernandes e Afonso Té completam o lote de nove candidatos que disputam as preferências dos cerca de 579 mil eleitores. Um décimo concorrente, Ibraima Alfa Djaló, desistiu, alegando não haver condições para uma eleição justa. O resultado das presidenciais será também um barómetro para as legislativas previstas para o final deste ano.

Pedro Seabra, do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança, considera que Carlos Gomes Júnior está “na dianteira” e tem, pelo menos, lugar assegurado numa eventual segunda volta. Além do apoio do principal partido, beneficia da visibilidade que lhe dá ser chefe do Governo, cargo que ocupou em duas ocasiões, e tem importantes contactos nas comunidades guineenses no estrangeiro, “o que pode ser decisivo” no escrutínio.

Xavier Figueiredo, que há décadas acompanha a política guineense, lembra que para além de ter o apoio do “único partido organizado”, e de dispor de meios superiores aos dos adversários – “é um homem rico e tem apoios” –, “Cadogo” “tem algum prestígio interno que advém de coisas importantes: quando chega ao Governo, põe os ordenados em dia, põe ordem nas contas do Estado, paga a fornecedores”. “Ele não tem um verdadeiro adversário”, diz o analista, que não se espantaria se a corrida ficasse decidida já este domingo O candidato do PAIGC terá também a seu favor a ideia enraizada na Guiné de que a resolução dos problemas do país passa pelos apoios que vierem de fora. “Cadogo” capitaliza os contactos externos e o protagonismo que teve na renegociação do perdão da dívida com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, instituição que em Dezembro considerou que o país está a fazer progressos e a iniciar uma nova fase. “Temos muitas coisas para fazer e estamos a contar com os nossos parceiros”, disse numa entrevista à Reuters.Os parceiros externos vêem na eventual eleição do primeiro-ministro o prosseguimento de “uma certa estabilidade” conseguida nos últimos tempos, considera Xavier Figueiredo. É o caso de Angola, que assumiu protagonismo na cooperação militar e tem acordos para a exploração de bauxite e construção de infra-estruturas de transportes.

Kumba Ialá, o homem do barrete vermelho, que tem tido forte apoio da etnia balanta, presença habitual nas presidenciais, regressou de Marrocos para disputar a eleição. Foi eleito em 2000 para um mandato marcado por instabilidade, que culminou com um golpe que o afastou, em 2003. Ao longo da campanha disse que estariam em preparação alegadas fraudes. “Está em declínio”, considera Xavier Figueiredo. Pedro Seabra entende, porém, que Kumba “continua a ter uma certa influência no eleitorado” e que é um “forte oponente” do chefe do Governo.

Quanto a Henrique Rosa, tem a seu favor a boa imagem como Presidente de transição. Mas o director do África Monitor considera que a sua popularidade “já foi maior”, embora o investigador Pedro Seabra considere que mantém “alguma credibilidade”. Durante a campanha, o candidato presidencial acusou a candidatura de Gomes Júnior de “utilização indevida” de bens públicos.

Pressão externa

Num cenário de segunda volta, Xavier Figueiredo acredita que estarão frente a frente “Cadogo” e Serifo Nhamadjo – o que seria uma surpresa — ou Kumba Ialá. Serifo provém, tal como Baciro Djá, da “ala conotada com Malam Bacai Sanhá”. Pedro Seabra entende que não é possível prever os efeitos da divisão no PAIGC na candidatura de Gomes Júnior, nem saber “se ela tem impacto na base ou se foi apenas ao nível da cúpula”.

O principal desafio do futuro Presidente será consolidar a relativa estabilidade legada por Bacai Sanhá – apesar da agitação de sectores militares em Abril de 2010 e Dezembro de 2011. A interrupção do ciclo de golpes e violência que tem condicionado a vida política e que levou, por exemplo, à morte, em 2009, do então Presidente "Nino" Vieira, é fundamental para que o país entre numa nova fase. Que passa, necessariamente, pela reforma do sobredimensionado aparelho militar.

Xavier Figueiredo acredita que a Guiné pode estar num momento de viragem. “O espaço para aventuras foi-se encurtando, há pressão externa muito forte e também pressão interna”, disse ao PÚBLICO. Os próximos tempos, as eleições deste domingo e as próximas, ajudarão a perceber se tem razão.

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