Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
A partir de hoje, o Banco angolano-português (há quem diga que é luso-angolano) BIC é o novo dono do famosíssimo Banco Português de Negócios (BPN).
O Estado (português, obviamente), pela via dos seus escravos, assume as fraudes e crimes contíguos de banqueiros e outros políticos no caso BPN, e depois de uma vasta operação de branqueamento volta a vendê-lo aos privados amigos que, provavelmente, o compram com o dinheiro roubado ao… BPN.
A coisa é simples. Nacionalizam-se os prejuízos e privatizam-se os lucros.
A proposta do BIC foi selecionada quase por ajuste directo em Julho de 2011 pelo Ministério das Finanças para comprar o BPN, pelo qual ofereceu 40 milhões de euros. Numa espécie de PPP (Parceria Público-Privada), se ao fim de cinco anos os lucros acumulados excederem 60 milhões de euros haverá lugar ao pagamento de um extra de 20% acima desse valor.
De acordo com o presidente executivo do BIC (Isabel dos Santos, filha do presidente vitalício de Angola, e Américo Amorim têm cada um 25% do capital), Mira Amaral, o banco vai manter "pelo menos 750 trabalhadores" dos mais de 1500 do BPN, enquanto "a marca BPN vai desaparecer".
Calcula-se em 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) o impacto no défice do custo directo da nacionalização do BPN em 2010 e 2011, um valor que supera os 1,2% do PIB do impacto dos cortes nos subsídios de férias e Natal.
Para além do impacto no défice em 2010 e 2011, os encargos com juros que terão de ser suportados com as sociedades veículo do BPN vão originar custos na ordem dos 323 milhões de euros por ano, o equivalente a 0,2% do PIB de 2012. Só em 2010, o impacto na dívida pública do BPN foi de 2,2% do PIB.
E com este cenário só me vem à cabeça o que o impoluto governador do Banco de Portugal disse no dia 27 de Maio de 2009, quando insistiu que a supervisão ao sistema financeiro actuava com métodos e padrões próprios e usados internacionalmente e que não era uma espécie de KGB e FBI juntos.
Na altura, acusando um deputado do Bloco de Esquerda de “equívoco ou ignorância fundamental” sobre o que é a supervisão e o que foi a intervenção do Banco de Portugal no Banco Português de Negócios, Vítor Constâncio disse que a natureza de algumas perguntas formuladas são “com presunções de os supervisores serem uma espécie de KGB e FBI juntos”.
“O supervisor não é um super polícia” com acesso a tudo, disse o então governador do Banco de Portugal, mas sim uma entidade que actua segundo métodos e padrões reconhecidos.
Ok. Percebi na altura e continuo a perceber hoje. Então, em vez de supervisor (visão superior à normal), o Banco de Portugal deveria reconhecer que não passou de um simples visor ou, neste caso, um grande retrovisor.
“Não pode ser cometido o erro, para não dizer outra coisa, de se avaliar a actuação por critérios e objectivos que sejam diferentes das práticas internacionais”, indignou-se Vítor Constâncio, recordando que uma análise do Fundo Monetário Internacional mostrara que as práticas do regulador português estavam no grupo das melhores.
É verdade. O melhor médico que conheci (e assim foi considerado por muitos) foi um que sempre tratou da saúde aos que estavam de boa… saúde. Quando alguém estava doente, mandava-os para o hospital.
Constâncio deixou ainda uma interrogação sobre o papel dos revisores oficiais de contas e auditores, dizendo que as situações detectadas no BPN, ainda antes desta situação que levou à nacionalização, “foram todas identificadas pelo Banco de Portugal e não pelos auditores”.
Ou seja. A culpa é dos outros e não é tão grande porque, embora não sendo uma espécie de KGB e FBI juntos, muito menos PIDE ou DGS, o Banco de Portugal conseguiu fazer o papel dos outros. Se calhar esqueceu-se do seu, e como não tinha ponto...
E por alguma razão já em 1802 Thomas Jefferson dizia: “Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que o levantamento de exércitos. Se o povo alguma vez permitir que bancos privados controlem a emissão da sua moeda, primeiro pela inflação, e depois pela deflação, os bancos e as empresas que crescerão à roda dos bancos despojarão o povo de toda a propriedade até os seus filhos acordarem sem abrigo...”
Era bom (santa ingenuidade a minha) saber quais são os partidos políticos beneficiados nas suas campanhas eleitorais não só em relação ao BPN como a todos os outros bancos e grandes empresas que, por norma, jogam em vários tabuleiros para terem a certeza de que – seja qual for o partido vencedor – ganham sempre.
De uma coisa os portugueses podem ter a certeza. A corrupção, o compadrio, o clientelismo e outras virtudes políticas vão desaparecer num qualquer buraco dos muitos em que se transformou Portugal.
Não sei porquê, mas até estou tentado a pensar que se os bancos fossem sérios e honestos (eu sei que é uma utopia) se calhar muitas das empresas que estão em dificuldade, bem como muitas das que já foram à vida, estariam hoje em boas condições.
Ou será que, para além de lucros milionários, os bancos ainda têm privilégios especiais que os tornam donos e senhores deste reino? Será que os bancos são de facto, de jure seria pedir muito, os donos do país?
E para não se chatear muito com estes problemas domésticos, Vítor Constâncio pirou-se para a vice-presidência do Banco Central Europeu.
A nomeação – importa nunca o esquecer - de Vítor Constâncio baseou-se, segundo as teses oficiais, na sua competência.
Seja como for, creio que neste caso, como na maioria dos praticados em Portugal, o “crime” compensa. Será difícil fazer pior do que aquilo que Constâncio fez nas ocidentais praias lusitanas. Mas, pelo que se vai vendo, nunca se sabe.
Vítor Constâncio, na altura em que supostamente terá prestado provas, foi confrontado com a pergunta de uma eurodeputada luxemburguesa do Partido Popular Europeu sobre as críticas que alguns sectores em Portugal lhe faziam sobre a forma como exerceu as suas responsabilidades de supervisão financeira nos casos BPP, BCP e BPN.
“Como se pode explicar que um homem que fracassou no seu país pode ser responsável pela supervisão na Europa?”, perguntou Astrid Lulling, acrescentando que seria (será) como “dar barras de dinamite a um pirómano”.
Vítor Constâncio rejeitou as críticas feitas e disse ter “muito orgulho” no seu “desempenho à frente do Banco de Portugal”. O mesmo diria com certeza do governador do Banco do Burkina Faso...
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: Porto é o melhor destino europeu para ver que Lisboa é Portugal e o resto... paisagem!
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