Rui Moreira – Jornal de Notícias, opinião
Soube-se nesta semana que o Grupo José de Mello e a Arcus, que já detêm 53,6 por cento do capital da Brisa, irão lançar uma Oferta Pública de Aquisição sobre a totalidade das ações da sociedade. De acordo com o comunicado do Grupo Mello, a OPA assenta numa visão comum e de longo prazo sobre a empresa e o setor, visa o reforço da estabilidade acionista da Brisa e representa um investimento total de 700 milhões de euros.
O ministro da Economia revelou o seu contentamento por esta operação demonstrar que os grupos económicos acreditam no desenvolvimento do país. Santos Pereira tem razão para se congratular com esse facto, tanto mais que a Brisa é uma empresa cujas receitas variam, em larga medida, em função do tráfego rodoviário que, em Portugal, tem estado em queda, o que tem tido repercussão nos seus resultados. Se, apesar disso, há investidores credíveis disponíveis para pagar 13% mais do que a cotação atual do mercado bolsista, é porque acreditam na economia doméstica.
Para que fique claro, é razoável que o Grupo Mello faça as suas opções, como é boa notícia saber que um grande grupo económico português está disponível para investir em Portugal, aumentando a sua participação numa empresa de referência do PSI20.
Restava, ainda assim, uma questão: numa altura em que a economia se debate com falta de liquidez, como é possível realizar esta operação, tanto mais que a Brisa é uma empresa também ela afetada pelos ratings da República, o que dificulta o acesso à Banca estrangeira para esta operação? Vasco Mello esclareceu que o grupo não terá de alienar ativos, na medida em que tem garantido o financiamento, em dois terços por dívida e em um terço por capitais próprios, ficando a saber-se que esta operação será feita pela Banca portuguesa, mais exatamente pela Caixa Geral de Depósitos, pelo Millenium e pelo Banco Espírito Santo.
Não deixa de causar estranheza que os bancos Millennium e Espírito Santo estejam interessados nessa operação, na medida em que um investimento numa empresa cujo "core business" está no setor "não transacionável" doméstico comporta grandes riscos, designadamente numa altura em que o mercado interno está em recessão, mas essa é uma decisão do âmbito privado que só os bancos em causa podem avaliar. O mesmo não se pode dizer, no entanto, da Caixa Geral de Depósitos que, pertencendo ao Estado português, deveria orientar os seus critérios por outros fatores, e com outra ponderação.
Ora, numa altura em que tantas empresas exportadoras não conseguem acesso ao crédito, seja para investir na produção seja para garantir a sua liquidez, não é fácil compreender por que razão uma grande grupo económico como é o caso do Grupo Mello, que tem níveis de endividamento muito elevados à Banca portuguesa, consegue ainda assim captar estes recursos escassos da nossa Banca e, em particular, da Banca pública. Não se podendo contestar a avaliação de risco que terá sido feita de acordo com parâmetros razoáveis, e não sendo possível questionar a razoabilidade da operação sob o ponto de vista estritamente privado, fica por saber se é do interesse público que o Estado português se esforce por injetar liquidez na Banca, para que esta a utilize, depois, em operações desta natureza, para retirar uma empresa do PSI20 e, por essa via, diminuir o investimento estrangeiro em Portugal.
Do que não restam dúvidas é que a Caixa Geral de Depósitos, que deveria ter sempre presente o interesse público e atuar de acordo com a política macroeconómica do Governo, está mais interessada nesta operação do que em dispersar liquidez pela economia e financiar as empresas portuguesas que produzem bens e serviços transacionáveis. Este é, sem sombra de dúvida, o aspeto negativo desta operação, porque demonstra que não há uma sintonia entre a política do Governo e as decisões desta sua empresa. E, se assim é, pode colocar-se a velha questão de fundo: precisaremos nós de um banco público?
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