Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
O Conselho de Segurança das Nações Unidas ameaça adoptar sanções contra a Guiné-Bissau e admite apoio ao envio de uma força para o país. Chega, se chegar, com muitos anos de atraso.
Pelos vistos a ONU, tal como a CPLP, só agora terão reparado que na Guiné-Bissau nenhum candidato, nenhum presidente, acabou o seu mandato e que em 17 anos o país já teve sete presidentes.
"O Conselho mantém-se firme e preparado para considerar possíveis medidas incluindo sanções contra os responsáveis e apoiantes do golpe militar, caso a situação se mantenha", refere a declaração do Conselho de Segurança sobre a situação na Guiné-Bissau, documento que refere igualmente o apoio a eventuais medidas para a "estabilização" do país.
Embora não tenham sido originais, os autores do actual golpe de Estado parecem ser os bodes expiatórios ideais para a ONU, CPLP, Angola e Portugal. “Nino” Vieira e tantos outros dirigentes não foram assassinados agora, mas só agora é que a comunidade internacional deu fé de que isso tinha acontecido.
"O Conselho de Segurança está a par das decisões no sentido das consultas entre a Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa, União Africana, Nações Unidas, Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e outros parceiros para a tomada de medidas adicionais para a estabilização do país, de acordo com os pedidos que foram formulados pelas autoridades legítimas da Guiné-Bissau", diz a declaração.
Dir-se-á que mais vale tarde do que nunca. Talvez. Pois é. Foi necessário os militares guineenses dizerem que não estão para ser protectorado de Angola para que, humilhada no seu sentimento de potência regional e dona de Portugal, Luanda puxasse dos galões.
Enquanto os militares guineenses foram fazendo o jogo do regime angolano, mesmo matando presidentes, candidatos, e chefes militares, tudo esteve bem. Quando resolveram pôr em questão o poder de Angola… estragaram tudo.
Luanda mandou, Portugal pôs-se de cócoras (posição também ela nada original) e a CPLP disse que sim ao dono do reino angolano. Juntaram-se e lá foram para Nova Iorque dizer que só agora é que descobriram que os direitos civis, políticos e humanitários estavam a ser violados.
A declaração que vem ao encontro do que tem vindo a ser pedido por várias organizações internacionais e Estados que condenaram o golpe, entre as quais a CPLP e o Governo português por ordem de Angola, refere os compromissos que exigem a reposição da ordem no país.
Reposição da ordem no país? Pois é. Agora é preciso repor a ordem. Quando o primeiro-presidente da Guiné-Bissau, Luís Cabral, foi deposto por um golpe de Estado liderado por “Nino” Vieira, em 1980, onde andavam todos estes arautos da legalidade e da reposição da ordem?
"O Conselho de Segurança sublinha que as interferências ilegais dos militares na política contribuem para a persistência da instabilidade e numa cultura de impunidade e pede esforços no sentido da consolidação do Estado de Direito, implementação de reformas no setor da segurança, promoção do desenvolvimento e de uma cultura democrática" enfatizando a necessidade do "respeito pela soberania, unidade territorial e integridade" da Guiné Bissau.
Um ano antes de morrer, em 9 de Julho de 2008, Luís de Almeida Cabral considerou que a existência de tráfico de droga no seu país natal constitui uma "vergonha", apelando às autoridades de Bissau para combaterem o fenómeno. "É uma situação muito má. Desejo que as autoridades e o povo guineenses possam combater esta vergonha que não traz nada de bom".
Pois é. Mas nessa altura, também nessa altura, tudo ficou na mesma. E ficou assim, calculo, porque ainda não existiam a ONU, a CPLP, Portugal e Angola…
Alguém ainda se lembra que, em 18 de Maio de 2009, o Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau, Luís Manuel Cabral, disse que a instituição estava sem dinheiro para continuar o processo de investigação aos assassínios do Presidente 'Nino' Vieira e do general Tagmé Na Waié?
Será que Kumba Ialá tinha razão quando, em 17 de Junho de 2009, acusou o PAIGC de ser responsável pela morte de Amílcar Cabral, "Nino" Vieira, Tagmé Na Waié, Hélder Proença e Baciro Dabó?
"Carlos Gomes Júnior tem que responder no Tribunal Penal Internacional pelas atrocidades que está a cometer", no país, defendeu nesse dia Kumba Ialá, acrescentando que "há pessoas a quererem vender a Guiné-Bissau", mas esclarecendo que "serão responsáveis pelas turbulências que terão lugar no futuro".
ONU, CPLP, Portugal e Angola estão preocupados com Carlos Gomes Júnior, exigindo não só a sua libertação como o regresso à normalidade institucional. Quando os EUA, por exemplo, avisaram as autoridades da Guiné-Bissau que o novo chefe das Forças Armadas não poderia estar implicado nos acontecimentos de 1 de Abril (2010), como era o caso do major-general António Indjai, o que fez Gomes Júnior?
Escolheu (e o presidente Balam Bacai Sanhá aceitou) para chefiar as Forças Armadas, nem mais nem menos do que... António Indjai.
Recorde-se que Indjai foi o protagonista dos acontecimentos militares de 1 de Abril e que chegou (embora depois tenha pedido desculpa) a ameaçar de morte o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: QUANTO NÃO VALE SER DE UMA CASTA SUPERIOR!
Sem comentários:
Enviar um comentário