domingo, 15 de abril de 2012

CRISE FINANCEIRA: JULGAR OS RESPONSÁVEIS?


O antigo primeiro-ministro islandês Geir Haarde (ao centro), com o seu advogado (à esquerda) no tribunal de Reiquiavique, a 5 de março de 2012.

El País, Madrid - Presseurop

O processo do antigo ministro islandês foi aberto a 5 de março. Geir Haarde é acusado de não ter conseguido responder à crise financeira que se abateu no seu país em 2008. Será este um exemplo a seguir por outros países? El País colocou a questão a diversos peritos e jornalistas.

O antigo primeiro-ministro islandês, Geir H. Haarde comparece perante um tribunal especial por “grande negligência” no desastre financeiro de 2008. Na Islândia, a crise traduziu-se pela falência de três bancos, a suspensão do re-embolso da sua dívida no estrangeiro, a queda da moeda e o aumento do desemprego que atingiu os 10%. Será que os governos europeus foram previamente alertados para a crise? Qual é a quota-parte de responsabilidade dos bancos? Será que a justiça deve ser mais firme em relação aos atores políticos e aos banqueiros?

Kattya Cascante, analista da Fundação Alternativas, próxima do Partido Socialista espanhol

A prestação de contas política supõe uma análise sobre a eficácia das ações, mas também o porquê de se terem escolhido determinados objetivos e não outros. Em democracia, o governo tem esse dever e o parlamento deve fazer uma fiscalização real do conteúdo das decisões políticas e dispor de informação. E essa informação, que está ligada à transparência e que fortalece a confiança nas instituições e aumenta o nível de exigência nas instituições públicas, é uma grande carência em todos os sistemas políticos.

Jordi Vaquer, diretor do grupo de reflexão sobre política internacional, CIDOB, em Barcelona

Sem dúvida, e uma vez levantada a imunidade, os políticos que incorreram em ilegalidade devem ser julgados. Mas a prestação de contas deve ser feita, sobretudo, por via de mecanismos políticos. O que inclui as eleições, mas também os parlamentos, que em muitos países não passam de espaços de mera encenação da competição entre partidos, e dentro dos próprios partidos, que estão a mostrar-se particularmente inaptos a pedirem contas aos seus líderes, sob o jugo da suposta ‘lealdade’. Cuidado com a idealização da Islândia! Antes da crise, era um país atormentado por redes clientelares e por uma conivência entre reguladores e banca de nível quase mafioso, e onde o velho sistema resiste a cair. Dirigentes que atrasaram decisões políticas para venderem ações, por exemplo, conseguiram escapar aos tribunais. Geir Haarde foi negligente, é verdade, mas o seu amigo David Oddsson, primeiro-ministro durante 20 anos, depois governador do Banco Central e agora diretor de um dos principais jornais não só conseguiu escapar à justiça como pressiona para obstruir as investigações.

Gonzalo Fanjul, jornalista de El País

Todos sentimos grande alegria quando vemos um político enfrentar os tribunais por causa da sua gestão da crise, mas não tenho a certeza de que seja esse o caminho desejável. A prisão é para os corruptos e para os ladrões. Os ineptos, os desavergonhados e os idiotas devem ser castigados nas urnas. Assim sendo, creio que é absolutamente fundamental averiguar as razões que levaram (e levam) os dirigentes políticos a agirem numa direção e não noutra. A que interesses são vulneráveis? Quem tem e quem não tem acesso a eles e às suas leis? Em alguns casos, as responsabilidades penais não são completamente descartáveis. Entretanto, contento-me com um pedido de desculpa ou, pelo menos, com uma dúvida. Por exemplo, dos que antes dirigiam instituições financeiras culpadas e que hoje ocupam os ministérios da economia. É um primeiro passo, mas ainda precisamos de começar a caminhar na direção certa.

Ana García Femenía, consultora na avaliação e planificação das políticas públicas na Universidade Complutense de Madrid

Oxalá o que está a acontecer na Islândia seja o início de um volte-face necessário na consideração da política pelos políticos e pelos cidadãos. Provavelmente, chegou-se a esta situação por causa da tradicional falta de assunção de responsabilidades pelos políticos. Até a cidadania ter entrado numa espécie de plenitude do sistema. O facto de um político ter de chegar a ser julgado por causa das consequências da sua gestão devia fazer-nos refletir sobre os mecanismos intermédios de seguimento e avaliação das próprias políticas públicas, de como se tomam as decisões, quem assume as responsabilidades, que instrumentos de análise e reorientação das políticas existem uma vez postas em marcha, etc...

Antonio Elorza, analista político, professor de Ciências Políticas na Universidade Complutense de Madrid

As responsabilidades da crise, tanto nos níveis superiores da gestão política e administrativa, como em decisões causadoras de catástrofes bem conhecidas, devem ser expostas, primeiro, à luz pública. E depois, se existisse suficiente normativo para tal, a condenação desses responsáveis constituiria um grande ganho para a democracia.

Juan Árias, correspondente de El País no Brasil

Creio que o exemplo de Geir H. Haarde, levado a tribunal pela sua suposta responsabilidade na crise económica do país, deve ser seguido e estimulado. Não é possível que em crises desta dimensão, que afetam a vida de milhares de pessoas, não existam culpados que devem responder pelos seus atos. Até na mais pequena das empresas, o diretor tem de responder pela sua falência e pagar o preço se se provar que houve negligência. E creio que, ainda mais do que os banqueiros ou os empresários, os responsáveis em última instância são os políticos, pela sua falta de vigilância ou, pior ainda, por vezes, pelas suas cumplicidades políticas com aqueles. Os que têm grandes responsabilidades e que são remunerados, de uma maneira ou de outra, por essa responsabilidade, têm, também, o dever de responderem pelos descalabros da sua gestão. Sem culpados, uma crise como a que estamos a viver é uma enorme bofetada nas suas vítimas. Ninguém vai responder por isto? Tiro o chapéu à Islândia.

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