sábado, 21 de abril de 2012

A CULPA É DOS OUTROS?




Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Num artigo de opinião publicado no "Financial Times", o primeiro-ministro (PM) português mostra-se convicto no êxito das suas "reformas" no incremento do investimento e do comércio e de que "a dívida e as taxas de juro cairão". Mas logo de seguida acrescenta: "poderemos precisar de recorrer ao compromisso dos nossos parceiros internacionais, para prolongar mais o apoio, se houver circunstâncias fora do nosso controlo, que obstruam o nosso regresso aos mercados".

Para bom entendedor, o que o PM quer dizer é que está na calha um segundo "resgate", isto é, mais austeridade e recessão sobre uma sociedade fortemente empobrecida, com uma economia crescentemente fragilizada e manietada por um sofrimento social generalizado, exatamente em resultado da austeridade e recessão impostas pelo primeiro "resgate". Daí decorrerá maior incapacidade de financiar o serviço da dívida no futuro. Foi precisamente isto o que a imprensa internacional reteve.

Se quisesse falar verdade, o PM devia dizer: "o programa da troika vai falhar seguindo as nossas políticas e vamos precisar de outro depois deste". Mas não diz, prefere atribuir culpas às "circunstâncias fora do nosso controlo".

Acontece porém que aquilo que o PM designa de circunstâncias fora do nosso controlo - cuja evocação ele próprio tanto criticava no seu antecessor - é uma recessão europeia, aprofundada pelo desastre das políticas seguidas. As ditas "reformas", aplicadas não só entre nós mas na maioria dos países europeus por primeiros-ministros tão míopes e obstinados por uma agenda política neoliberal como ele próprio, são desastrosas.

É chocante ver agora o FMI a reconhecer que a austeridade em recessão, quando implementada de forma coordenada em muitos países, tem como efeito inevitável o aprofundamento da recessão, sabendo-se, como sabemos, que foi nos laboratórios do mesmo FMI que a mezinha da "austeridade expansionista" foi cozinhada há bem pouco tempo. É revoltante vê-los "arrependidos" sem um pedido de desculpas que seja.

O tipo de governação a que estamos sujeitos, assente em práticas políticas sem legitimidade, submetem-nos, perigosamente, a novas fraturas europeias e mundiais que por aí emergem!

O primeiro-ministro de Portugal e todos os que na Europa se deixam pastorear em rebanho nestas políticas recessivas, e fazendo da crise uma oportunidade para aplicação de um programa não sufragado de destruição do Estado Social e dos direitos no trabalho, conduzem os nossos países, a passos rápidos, para o abismo.

O que designamos de Estado Social e de Europa Social foi criado para trazer bem-estar e felicidade às pessoas e desenvolvimento das sociedades. Existem condições financeiras e capacidades suficientes para atingir esses objetivos se a atual relação subversiva entre finança e economia for derrotada e substituída por relações sérias.

Tonny Judt, no seu "Tratado sobre os nossos atuais descontentamentos", entre os muitos alertas que nos faz, apela a que não fiquem "sem refutação os críticos que afirmam ser o modelo europeu demasiado caro ou economicamente ineficaz".

Batista Bastos escreveu recentemente "o que nos está a atingir, a sufocar e a empobrecer é um programa ideológico...". É isso mesmo! E, por consequência, a luta pela definição da crise e pela construção de alternativas tem de ser um ato eminentemente político.

É imprescindível trazer permanentemente à memória coletiva que foi a expressão da crise financeira (2008), gerada pela desregulação bancária e pela atividade especulativa (que aliás prosseguem), que desencadeou a crise económica para a qual foram mobilizados os recursos públicos que provocaram os défices e parte das dívidas com que hoje nos deparamos.

Não podemos permitir que prossiga o saque aos parcos recursos dos pobres, a precarização absoluta do trabalho, a redução violenta da sua retribuição e a exploração desenfreada da generalidade do povo.

As políticas seguidas no plano nacional são uma dolorosa fraude. As políticas da União Europeia agravam os problemas de cada um e do conjunto dos seus países. É caso para dizer: a soma dos dois "sucessos" é um monumental desastre.


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